É tentador repetir, como alguém disse, que o deputado Eduardo Bolsonaro, já que não pode ter uma embaixada nos EUA, quer deixar a Venezuela sem embaixada no Brasil. A inveja, como já diziam aqueles para-choques de caminhão, é, hum.., bem, é uma coisa muito ruim.
Por isso, Eduardo Bolsonaro resolveu apoiar alguns marginais que pularam o muro da missão venezuelana em Brasília.
Realmente, com derrota certa no Congresso, Eduardo teve que desistir da embaixada em Washington para se refugiar na liderança do PSL – melancólico prêmio de consolação, obtido a pauladas, não suas, mas de seu pai, e que vai durar pouco. Agora, o PSL convocou uma reunião para expulsá-lo.
Tudo isso é verdade.
Porém, diante de um crime, não é saudável qualquer tom de brincadeira, ainda que esta expresse uma verdade.
E o que Eduardo Bolsonaro fez foi um crime: apoiar alguns rufiões, se é que não esteve na trama, em um ataque à embaixada de um país na capital da República, na capital do Brasil.
Desde quando o Brasil permite esse tipo de coisa?
Disse Eduardo Bolsonaro, pelo indefectível Twitter:
“Nunca entendia (sic) essa situação. Se o Brasil reconhece Guaidó como presidente da Venezuela por que a embaixadora Maria Teresa Belandria, indicada por ele, não estava fisicamente na embaixada? Ao que parece agora está sendo feito o certo, o justo.”
Esse “reconhecimento” de Guaidó é mera palhaçada. E não somente porque não existe governo Guaidó algum na Venezuela.
Além de não existir, o Brasil reconhece, oficialmente, que não existe nenhum governo Guaidó.
Como?
Através da nossa embaixada em Caracas, que é, como disseram alguns diplomatas, uma embaixada junto ao governo Maduro, porque é o único governo que existe na Venezuela.
Não existe embaixada brasileira junto ao governo Guaidó, porque não existe governo Guaidó. Mas existe uma embaixada brasileira junto ao governo Maduro, junto ao governo venezuelano.
Então, que história é essa de que o governo Bolsonaro reconheceu Guaidó, se nossa embaixada na Venezuela continua sendo uma representação do Brasil junto ao governo que existe naquele país?
Não se trata de concordar ou discordar da política de Maduro, até porque esse é um problema, antes de tudo, dos venezuelanos.
Se os países com os quais temos relações diplomáticas não podem mais se sentir em paz quanto às suas embaixadas na capital do Brasil, que país será o nosso? Um valhacouto internacional de bandidos, onde milicianos de todo o mundo invadem embaixadas e contam com o apoio do presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara?
Pois Eduardo Bolsonaro é membro do Legislativo, um dos Três Poderes da República brasileira, ou seja, é deputado federal.
Porém, além disso, é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.
Desde quando a política da Câmara – que o diga seu presidente, o deputado Rodrigo Maia – é invadir ou coonestar a invasão de embaixadas dos países que têm relações com o Brasil?
Portanto, Eduardo Bolsonaro comprometeu a Câmara em um ato de banditismo, um ato contra outro país – pois a embaixada da Venezuela é território venezuelano, tanto quanto nossa embaixada em Caracas é território brasileiro.
O negócio foi de uma estupidez tamanha, contra todas as leis internacionais e brasileiras, que seu pai – no primeiro dia da Cúpula dos BRICS, cujos principais países são a China e a Rússia, que reconhecem o governo da Venezuela – tomou a providência de “repudiar” pelo Twitter a invasão da embaixada venezuelana, logo na manhã da quarta-feira (13/11), pouco depois do Twitter do filho.
A garantia das embaixadas, no Brasil, é um dever do governo federal. Alguns lembraram que o Brasil é signatário da Convenção de Viena, de 1961, posta em vigor pelo Decreto nº 56.435, de 1965:
“Artigo 22. 1) Os locais da Missão [diplomática] são invioláveis. (…) 2) O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade. (…).”
É verdade. Portanto, apoiar a invasão de uma embaixada é crime também internacional. Sobretudo se o sujeito é deputado e presidente da Comissão de de Relações Exteriores da Câmara.
Porém, mesmo quando não havia Convenção alguma sobre o assunto, o Brasil sempre, desde 1822, garantiu as embaixadas. Se não fosse assim, que país iria instalar uma embaixada no Brasil?
O que Eduardo Bolsonaro fez também é um crime contra a Constituição da República, que, em seu artigo 4º – um dispositivo que ninguém até hoje contestou que é uma cláusula pétrea da Carta de 1988 – diz o seguinte:
“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político.”
Eduardo Bolsonaro é aquele elemento que queria fechar o STF com um cabo e um soldado (v. HP 23/10/2018, Bolsonaro filho ameaça fechar o STF e o pai o MST).
Derrotado na suas pretensões de ser embaixador do Brasil nos EUA, pregou a volta do AI-5, ou seja, a volta da tortura, dos assassinatos, das prisões de democratas e patriotas, das cassações de mandato e direitos políticos; em suma, a volta do terrorismo sobre todo o país como política de Estado – pois foi isso o AI-5.
Claro, se ele não consegue que seu pai faça o Congresso aprovar que ele vá para Washington puxar o saco de Trump, que se feche o Congresso – não era essa uma das utilidades do AI-5?
Esse é o embaixador que Bolsonaro escolheu para representar o Brasil nos EUA. Um sujeito que não tem respeito nem pelas embaixadas, algo que, muito antes da Convenção de Viena, sempre foi respeitado pelos países civilizados – e até por alguns nem tão civilizados (Hitler declarou guerra, mas não invadiu as embaixadas da URSS ou dos EUA).
Um sujeito que acha que “o certo, o justo” é invadir uma embaixada, ou apoiar a sua invasão, não pode ser presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, sob pena de causar danos não pequenos ao Legislativo – e ao país.
Aliás, existe maior quebra de decoro parlamentar do que se juntar a uma corja – mais do que isso, açulá-la – para atacar o território de um país que mantém relações diplomáticas com o Brasil?
Pois foi isso o que Eduardo Bolsonaro fez. Com um agravante: a parte do território que essa corja atacou, a embaixada da Venezuela, é exatamente aquela que é dotada de todas as garantias, porque é a materialização da própria relação entre os países.
Como pode a Câmara – e o país – tolerar um elemento desses?
Até quando esse sujeito abusará da nossa paciência?
C.L.
Tá certo.
É por aí.