A Polícia Federal (PF) prendeu na terça-feira (17), na Operação Simonia, Raphael Montenegro, secretário estadual de Administração Penitenciária (Seap) do RJ, e dois subsecretários Wellington Nunes da Silva, da gestão operacional, e Sandro Farias Gimenes, superintendente.
Segundo as investigações, a cúpula da Seap negociou acordos com chefes do Comando Vermelho (CV), a maior facção criminosa de tráfico de drogas do Rio, em troca de influência sobre os locais de domínio destes traficantes e outras vantagens ilícitas.
Entre os acordos, estariam: o retorno de criminosos presos na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná, para o Rio de Janeiro; a entrada de pessoas e itens proibidos em unidades prisionais fluminenses e; a soltura irregular, em 27 de julho, de Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, de 50 anos, “um criminoso de altíssima periculosidade, contra quem havia mandados de prisão pendentes”.
Montenegro foi exonerado, segundo decreto do governador Cláudio Castro (PL) publicado nesta terça-feira (17) no Diário Oficial após a sua prisão.
Durante a investigação, chamaram a atenção da PF as visitas que Montenegro fez a chefes do Comando Vermelho encarcerados no Paraná.
O nome da operação, Simonia, faz referência a uma prática medieval em que detentores de cargos trocavam benefícios ilegítimos por vantagens espúrias. A força-tarefa também contou com o Ministério Público Federal (MPF) e o Departamento Penitenciário Federal (Depen).
Montenegro foi nomeado secretário no fim de janeiro por Castro, à época ainda governador em exercício, em substituição a Marco Aurélio Santos. O governador nomeou para a Seap o delegado da PF Victor Hugo Poubel.
Alvarás de soltura
Esse não é o primeiro escândalo envolvendo a Secretaria de Administração Penitenciária na gestão de Raphael Montenegro.
Em fevereiro, três presos deixaram a cadeia com alvará de soltura falso. Um deles era João Filipe Barbieri, condenado a mais de 20 anos de prisão por tráfico internacional de armas.
Outro integrante da quadrilha, João Victor Rosa, também saiu da cadeia pela porta da frente. Os dois já voltaram para a prisão. Cinco pessoas foram presas em operação da Polícia Civil do RJ e da Seap.
Em maio, uma reportagem da TV Globo mostrou que presos acusados de serem responsáveis pela invasão do Complexo de São Carlos em 2020 deveriam ter sido enviados para presídios de segurança máxima, mas a Seap levou os detentos para o Presídio Vicente Piragibe, onde os presos podem circular livremente e as celas não têm portas.
Na época, a Vara de Execuções Penais disse que não autorizou a transferência e que a mudança foi irregular.
Elogios, promessas e tréguas
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou diálogos de Raphael Montenegro com o CV. Ele foi gravado em um presídio federal negociando com a alta cúpula do Comando Vermelho, a maior facção criminosa do tráfico de drogas do RJ.
Nas conversas, elogios, promessas de trégua, lucro e regalia nas prisões. “Ninguém tem expectativa que você vá para o Rio para largar a vida, a gente tem a consciência dos compromissos que você tem com a facção”, disse Raphael para Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, que está preso na Penitenciária Federal de Catanduvas e maior liderança do Comando Vermelho.
“Você é um cara que, talvez, seja mais importante que o secretário de Segurança Pública do Rio. O Marcinho VP, o traficante, esse cara tem que ser respeitado, a gente respeita tudo que você construiu, agora a gente quer que o Márcio, como homem, volte e volte num espírito cooperativo.”
Veja outros diálogos do secretário com traficantes do Rio de Janeiro:
Cooperação com traficante
“Eu preciso deixar o Marcinho 15 anos longe do Rio de Janeiro? Isso para mim é um atestado de incompetência. A gente quer que o Márcio, como homem volte e volte num espírito cooperativo. A gente tá aqui exatamente pra não mandar o mesmo relatório que a gente manda há 20 para a Vara de Execuções Penais. O próximo relatório que o juiz da VEP vai receber é o relatório que eu vou confeccionar não pelas informações que eu recebi, é pela conversa que tive com você” – para Marcinho VP
Marcinho VP, ‘o cara mais importante’
“Você é um cara que fala bem, é um cara inteligente, todo mundo sabe, então, irmão, a bola tá contigo, vende teu peixe aí, p*rra. (…) A gente tem consciência do compromisso que você tem com a facção. Agora, a gente também sabe que você é um cara que, no Rio, pô, pode baixar a poeira pra c*ralho. (…) Você, p*rra, talvez seja o cara mais importante que o secretário de Segurança Pública no Rio” — para Marcinho VP
Vendas liberadas
“O que vocês fazem do muro pra fora, cara, importa muito pouco pra gente, a nossa questão é a disciplina do muro pra dentro. Eu preciso entender, se o Luiz Claudio voltar, eu vou ter problema no sistema? A evolução de vocês vai provocar nossa evolução, o estado é sempre um estado reativo, então, assim, o papo é esse, agora o que a gente precisa entender é o seguinte pô: o cara voltando, ele vai ser um cara que vai cooperar para essa mentalidade ou ele é um cara que, foi um cara de guerra, que gosta de guerra, quer cair dentro, quer tomar o morro de A, B ou C. A facção quer vender as paradas dela e tá tudo certo! Se vocês não precisarem de 400 fuzis, tiverem só 100 pra se defender, o lucro é maior, pô. Não tem sacanagem, ninguém quer dinheiro, ninguém quer nada de vocês. Agora a gente quer cobrar, a gente quer, a gente quer sentar olho no olho, e poder cobrar.” – para Luiz Claudio Machado, conhecido como Marreta.
‘Vai entrar telefone’
“Eu não vou falar pra você que não vai entrar telefone, vai entrar! Agora, mas também tem o seguinte, eu vou tentar segurar esse telefone, e vou dar geral. Assim, a gente dá esse espaço pra facção, tipo assim, dá espaço pra todas as facções” — para Marreta
‘Papo de homem’
“Papo de homem. Ninguém tá chegando aqui pra dizer pra você que quando você chegar no Rio a gente vai te botar um terno, não quero isso de você. Não cobro isso do Abelha, não cobro isso do Xará, não cobro isso do Marcinho, não cobro isso do Wallace. A gente não cobra isso de ninguém. A vida de vocês lá fora é de vocês lá fora. Agora, eu tenho que ter certeza do seguinte: se eu trouxer o Claudio pro Rio, no primeiro problema que eu tiver, eu vou falar: ‘Pô, o Claudio não teve papo de homem comigo’” — para Claudinho da Mineira
‘Todos em favor da Segurança Pública’
“Vocês ganham na medida em que a gente consegue, todo mundo junto, trabalhar em favor da segurança pública” — para Claudinho da Mineira
‘Sistema está tranquilo’
“Rodrigo, o papo aqui é real, é papo reto. A gente não veio aqui pra saber ou que você é ou não é. A gente veio aqui, como o Marreta saiu daqui, como a luz no fim do túnel pra rapaziada voltar pro Rio. Veja bem, o sistema está tranquilo: com uma mentalidade diferente, mentalidade de diálogo, a mentalidade é de diálogo” – Para Tinenem
Festa para traficante na cadeia
Além das visitas a traficantes em presídios federais, Raphael Montenegro liberou a entrada de itens proibidos para o traficante Wilton Carlos Rabelo Quintanilha, o Abelha, no Rio de Janeiro.
No dia 24 de julho, ele ganhou bolo, refrigerante e salgadinhos para comemorar o seu aniversário. Três dias depois, foi solto mesmo com um mandado de prisão em aberto.