O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, suspendeu, na noite de segunda-feira (17), a tramitação de dois processos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aos quais responde o procurador Deltan Dallagnol. O primeiro é de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o outro é da senadora Katia Abreu (PP-TO). O julgamento dos dois casos estava previsto para esta terça-feira (18).
Um terceiro processo contra o procurador e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato continua na pauta do CNMP. É um procedimento apresentado pela defesa do ex-presidente Lula, que questionou a conduta dos procuradores durante a entrevista coletiva que apresentou a denúncia contra o ex-presidente no âmbito da operação, em 2016.
A reclamação de Renan Calheiros é que Deltan Dallagnol fez campanha na internet para atacá-lo e que isso interferiu em sua derrota para a reeleição à presidência do Senado. No ano passado, durante as eleições do Senado, Dallagnol afirmou que, caso Renan Calheiros fosse eleito para comandar a Casa, “dificilmente veremos uma reforma contra a corrupção aprovada”. O procurador ainda destacou que o emedebista tinha “várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro”.
Já Katia Abreu solicitou ao CNMP a retirada de Dallagnol por ele já ter tido 16 reclamações disciplinares, por ter proposto um fundo com recursos recuperados aos cofres públicos e ter feito palestras remuneradas. Na decisão sobre o procedimento apresentado pela senadora Kátia Abreu, o ministro do STF afirmou que, mesmo sendo uma ação da esfera administrativa, é preciso respeitar o devido processo legal antes de impor qualquer sanção.
“Entendo, na linha de decisões que tenho proferido nesta Suprema Corte […], que se impõe reconhecer, mesmo em se tratando de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo ou agentes públicos, de outro”, afirmou. Ele destacou que os fatos sob investigação do CNMP já foram avaliados e arquivados, o “que põe em perspectiva o dogma de que ninguém, em um Estado democrático, pode expor-se a situação de duplo risco”.
Celso de Mello afirmou ainda que é preciso ter elementos de prova substanciais antes de decidir retirar atribuições de um integrante do MP. “Em suma: a remoção do membro do Ministério Público de suas atribuições, ainda que fundamentada em suposto motivo de relevante interesse público, deve estar amparada em elementos probatórios substanciais, produzidos sob o crivo do devido processo legal, garantido-se o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, sob pena de violação aos postulados constitucionais do Promotor Natural e da independência funcional do membro do Ministério Público”, escreveu.
O decano afirmou que “não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão, de comunicação e de informação, mostrando-se inaceitável qualquer deliberação estatal, cuja execução importe em controle do pensamento crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática”. Segundo o ministro, o direito de criticar, de opinar e de dissentir, qualquer que seja o meio de sua veiculação, representa irradiação das liberdades do pensamento.
Celso de Mello atendeu ao pedido do procurador e escreveu que “qualquer medida que implique a inaceitável proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão” dos membros do Ministério Público “revela-se em colidência com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela Constituição de 1988”. Mello destacou que a Constituição da República atribuiu ao Ministério Público posição de inquestionável eminência político-jurídica e deferiu-lhe os meios necessários à plena realização de suas elevadas finalidades institucionais.
O ministro Luiz Fux, vice-presidente do STF, já havia decidido que uma advertência aplicada contra Dallagnol em novembro do ano passado não deveria ser considerada no julgamento de outros processos contra o procurador. A decisão foi vista nos bastidores do CNMP como um prenúncio de que a nova gestão no Supremo será mais favorável à Lava Jato, que vem sofrendo ataques por parte de Augusto Aras, Procurador Geral da República. Favorável à força-tarefa de combate à corrupção, Fux assumirá a presidência do STF no dia 10 de setembro, no lugar do ministro Dias Toffoli.
A punição aplicada pelo CNMP a Deltan Dallagnol foi uma advertência, em novembro do ano passado, por 8 votos a 3. O julgamento marcou a primeira vez que ele foi punido pelo Conselho Nacional do MP. Esse processo dizia respeito à entrevista à rádio CBN na qual Dallagnol criticou o STF, ao afirmar que três ministros do Supremo formam “uma panelinha” e passam para a sociedade uma mensagem de “leniência com a corrupção”.