O ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira de Sousa, afirmou que foi procurado pelo chefe da Abin, Alexandre Ramagem, em 27 de abril
O ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira de Sousa, afirmou, nesta terça-feira (19), em seu novo depoimento no inquérito que investiga interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal, que foi procurado por Alexandre Ramagem, diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), antes deste ser escolhido publicamente por Bolsonaro para convidá-lo a assumir a diretoria executiva da corporação. O delegado não havia informado sobre esse detalhe no primeiro depoimento.
A nova revelação de Carlos Henrique, que assumiu a diretoria-executiva da PF, desmente o que disse Jair Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada, alguns dias depois de nomear Rolando Souza para a direção-geral da PF. O presidente afirmou que Carlos Henrique havia sido convidado por Rolando Souza para o cargo. Era mentira. O convite foi feito por Ramagem. Assim como também foi Ramagem que convidou, em agosto do ano passado, Alexandre Saraiva, do Amazonas, segundo relato do próprio Saraiva, para assumir a superintendência da PF no Rio.
O que estes depoimentos revelam é que Alexandre Ramagem trabalhava intensamente para atender ao objetivo de Bolsonaro de viabilizar a troca da superintendência da PF no Rio de Janeiro. Antes de se tornar chefe da segurança do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, Ramagem havia chefiado a Operação Cadeia Velha, no Rio de Janeiro. Esta operação, iniciada em novembro de 2017, que investigava esquemas de propinas de deputados estaduais do Rio, deu origem a outra operação da PF no estado. A operação Furna da Onça que, segundo denúncia do empresário Paulo Marinho, ex-aliado de Bolsonaro, foi vazada para Flávio Bolsonaro porque poderia atingir seu assessor Fabrício Queiroz.
Em janeiro de 2018, o Coaf já havia detectado a movimentação suspeita na conta de Fabrício Queiroz. Este relatório foi enviado também ao Ministério Público do Rio de Janeiro. As informações constantes no relatório do Coaf, além de serem enviadas ao MP/RJ, foram também anexadas ao inquérito da Operação Furna da Onça. É por este motivo, segundo Marinho, que um delegado amigo e apoiador de Bolsonaro se movimentou para avisar que na Furna da Onça estava uma denúncia que atingiria Flávio Bolsonaro.
Segundo Paulo Marinho, Flávio Bolsonaro o procurou em outubro de 2018 dizendo que um delegado da PF pediu um encontro com ele para passar informações importantes e sigilosas. O advogado de Flávio Bolsonaro, Victor Granado Alves, participou do encontro com o tal delegado que informou a ele [Vitor] que a Operação Furna da Onça iria ser posta em prática e que ela tinha informações de movimentações financeiras suspeitas na conta de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio.
O informante disse também que a operação seria adiada por alguns dias para “não atrapalhar a eleição de Bolsonaro”. Este episódio ocorreu entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial.
Em seu novo depoimento, Carlos Henrique também contou que foi levado por Ramagem para um encontro com o presidente Jair Bolsonaro, no segundo semestre de 2019, quando seu nome já havia sido indicado para assumir a superintendência fluminense. Segundo ele, tanto o ex-ministro Sergio Moro quanto o ex-diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, souberam e autorizaram o encontro, mas não participaram da reunião.
Na reunião, o delegado disse que Bolsonaro não o perguntou sobre o fato de ele ter sido indicado na época para comandar a Superintendência do Rio. “O presidente não disse isso diretamente, mas que isso já era um dado público à época”
Ele também afirmou que o presidente não fez nenhuma pergunta sobre as investigações em curso. A conversa durou cerca de meia hora.
“O depoente esclarece que não foi declarado nenhum objetivo específico para a sua audiência com o presidente Jair Bolsonaro; que o delegado Alexandre Ramagem apenas pontuou que seria importante o depoente conhecer o presidente Jair Bolsonaro”, diz a ata do depoimento. No depoimento desta terça-feira, Carlos Henrique também foi questionado sobre os vazamentos da Operação Furna da Onça. Na época em que foi deflagrada, o delegado já atuava no Rio. Ele, no entanto, “respondeu que não soube dizer onde teria ocorrido o vazamento”.
Questionado se algum policial era próximo à família do presidente, ele citou o nome do delegado Márcio Derenne, mas disse que esse agente não participou da operação. “A proximidade conhecida pelo depoente seria entre o DPF Marcio Derenne e os filhos do presidente, não sabendo precisar qual dos filhos”. Ele também afirmou que Ramagem não participou da Furna da Onça, mas sim da Cadeia Velha, em 2017. Ele, no entanto, diz que não sabe dizer em que momento chegou à investigação o relatório do Coaf que citava as movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.
No depoimento que deu na semana passada, Carlos Henrique já havia contrariado as declarações de Bolsonaro, e afirmou que teve conhecimento de uma investigação envolvendo o nome de Flávio pela PF do Rio. O presidente vinha dizendo “a Polícia Federal nunca investigou ninguém da sua família”.
Ramagem, pelo jeito não cuidava só da Abin. Depois de eleito, Bolsonaro arranjou um cargo de assessoria para o delegado dentro do Palácio do Planalto. Nesta época, Carlos Bolsonaro, aficionado por espionagem, já tinha se tornado íntimo de Alexandre Ramagem. Nesta época, segundo informou, dias antes de morrer, o ex-ministro Gustavo Bebianno, Carlos Bolsonaro o procurou para dizer que pretendia criar uma Abin paralela, porque não confiava no órgão oficial de inteligência.
São desta época as críticas do vereador ao comportamento do órgão no episódio dos 30 kg de cocaína no avião presidencial. Bebianno disse na entrevista ao Roda Viva, que o filho de Bolsonaro apresentou o nome de um delegado da PF para chefiar a tal Abin paralela.
O ex-ministro Bebianno disse que, tanto ele quanto o general Santos Cruz, demoveram o vereador da ideia sobre a Abin paralela. Pouco tempo depois, Gustavo Bebiano e Santos Cruz foram afastados do governo e o assessor Alexandre Ramagem, amigo de Carlos, foi nomeado por Bolsonaro para chefiar a Abin oficial.
Foi na condição de chefe da Abin e amigo íntimo da família Bolsonaro que Ramagem começou a trabalhar para mudar a superintendência da PF no Rio de Janeiro. Em agosto consultou Alexandre Saraiva, que era superintendente no Amazonas e, agora, consultou também Carlos Henrique para tirá-lo da superintendência do Rio. É por toda essa “afinidade” com o presidente que Bolsonaro tanto fez para vê-lo chefiando a Polícia Federal.
SÉRGIO CRUZ