![](https://horadopovo.com.br/wp-content/uploads/2023/11/Cortez-contrato-Sabesp.jpg)
Contrato de Tarcísio com a International Finance Corporation previa pagamento de R$ 8 milhões caso estudo fosse contrário à privatização, mas, como a empresa foi favorável, o pagamento foi de R$ 45 milhões
“Esse contrato chamou muito a nossa atenção, primeiro porque foi feito sem licitação, foi uma contratação direta com essa consultoria que, aliás, também é a consultoria responsável por outros estudos, como o da concessão do transporte sobre trilhos”, criticou o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP). O parlamentar, que conversou com a Hora do Povo, ingressou com uma ação popular na Justiça para suspender o contrato firmado entre o governo de São Paulo e o IFC (International Finance Corporation) que preparou os modelos de privatização da Sabesp.
“Em segundo lugar, por um valor exorbitante – e por uma contradição porque o contrato prevê dois pagamentos: se o estudo apontasse contra a privatização, a empresa receberia R$ 8 milhões, mas se ela fosse favorável à privatização da Sabesp, receberia consideravelmente mais: R$ 45 milhões”, afirma o deputado, que também integra a frente parlamentar contra a privatização da companhia na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
A “IFC” é um braço do Banco Mundial que elabora estudos para privatizações em diversos locais. No final do mês passado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que vem atropelando os trâmites para privatizar a Sabesp, aprovou um dos quatro formatos indicados pela consultoria. A intenção do bolsonarista é vender as ações da companhia no mercado até diminuir o controle do Estado sob a empresa. Atualmente, São Paulo possui 50,3% de participação.
“Essa empresa (IFC) é credora da Sabesp, a Sabesp deve para essa empresa, portanto, tem um conflito de interesses, que é a empresa fazer a consultoria de um processo de privatização de uma empresa que deve para ela”, denunciou o deputado.
SERVIÇO TERCEIRIZADO
Para piorar, “essa empresa contratou outra empresa para fazer uma subconsultoria, ou seja, do começo ao fim, esse é um processo viciado”, continua Guilherme. “Contratar uma empresa por R$ 45 milhões de reais só para justificar um processo de privatização sem você abrir uma licitação para isso, era mais que óbvio que essa empresa daria um parecer favorável à privatização”, critica.
Guilherme denuncia ainda os demais contratos abusivos realizados por Tarcísio com o IFC para justificar a entrega do patrimônio paulista para os interesses privados.
Além dos R$ 45 milhões da Sabesp, o IFC vai embolsar nos próximos meses R$ 71 milhões da CPTM, R$ 62 milhões do Metrô e um conjunto de R$ 90 milhões em novas rodadas de concessões no setor de mobilidade — todos sem licitação. “Uma farra com dinheiro público”, afirma o parlamentar.
FARSA DA REDUÇÃO DA TARIFA
Uma das alegações do governo para entregar a Sabesp ao capital privado é a de e que a privatização vai incidir na redução das tarifas, o que nem o relatório da IFC sustenta. O aumento de eficiência da Sabesp não seria capaz de baixar as contas de água, mesmo com um possível controle da iniciativa privada, ressalva o estudo.
“Essa história de que [a privatização] reduziria a tarifa é uma balela do Tarcísio. Tanto que o estudo que o IFC não conclui isso. Fala que o único jeito de baixar a tarifa da Sabesp é utilizar os recursos da própria privatização”, disse à Folha de São Paulo o deputado Emídio de Souza (PT), que coordena a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp na Alesp. “Ou seja, pela equação econômica desenhada para o futuro da Sabesp, não se sustenta a ideia de reduzir tarifa. Usar dinheiro da privatização [para esse objetivo] é subsidiar, é o governo fazer um subsídio à tarifa que não faz hoje com ela sendo pública”, completou o parlamentar.
“É uma inversão: a Sabesp transferiu ao governo R$ 450 milhões em 2022, mas agora será o governo que vai tirar dinheiro do Estado para uma empresa privada baixar a conta”, questiona Amauri Pollachi, engenheiro e conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento.
“Em saneamento, não conheço nenhum lugar no mundo que tenha feito isso”, continua Pollachi. “Por quanto tempo vão manter a tarifa baixa? Assim que possível, a empresa vai pedir o equilíbrio econômico-financeiro e aumentar a conta, como ocorreu em outros estados”, alerta.
No Rio de Janeiro, com a privatização da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) em 2021, a conta de água ficou até 71% mais cara. Além das tarifas exorbitantes, a população de bairros da periferia sofre com a falta constante do fornecimento. Sem falar nos problemas que acometem o Sistema Guandu, que abastece 80% da capital e Baixada Fluminense. Em agosto deste ano o serviço foi interrompido por até 72 horas em função do surgimento de uma espuma “de origem desconhecida” na estação de tratamento do Guandu.
“Os argumentos para privatização dos serviços de água são fracos, onde aconteceu no Brasil e no mundo deu errado. Não tem nada que desqualifique a Sabesp, nem em relação aos serviços que ela presta, nem em relação à sua lucratividade, não tem nada que justifique privatizar a Sabesp”, sustenta o deputado paulista.
ATROPELOS DE TARCÍSIO
Para acelerar a privatização da companhia, Tarcísio vem atropelando as etapas que deveriam integrar o processo. Além de contratar estudos de forma, digamos, no mínimo questionável, o quebrador de martelo, com o aval da base aliada na Assembleia Paulista, submeteu o projeto ao ‘congresso de comissões’. Essa medida é comum para viabilizar a análise do volume de matérias apresentadas na casa legislativa, no caso de urgência, o que não se aplica à Sabesp.
“Ele [congresso de comissões] deveria servir quando você tem uma matéria que é urgente, que pode ser apreciada por mais de uma comissão – são muitos temas aqui – eles têm que passar por várias comissões, só que na verdade, esse instrumento é banalizado para que você possa ter uma aprovação quase sem discussão de um projeto”, denuncia Guilherme.
Outro problema resultante dessa manobra é a exclusão de comissões consideradas importantes para analisar o projeto. “O governo selecionou as comissões de Constituição e Justiça, de Finanças e de Infraestrutura e fez uma única reunião com as três para pautar a privatização da Sabesp, deixando de fora outras comissões relevantes, como é o caso da Comissão de Administração Pública, por onde deveriam passar esses projetos que dizem respeito à desestatização, e a Comissão de Meio Ambiente, que é quem tem a prerrogativa de discutir as matérias que tratam dos recursos hídricos do Estado de São Paulo”, aponta.
“Ou seja, por um lado o governo exclui comissões que deveriam discutir, e por outro, mesmo as comissões que estão discutindo, vão fazer isso de uma maneira apressada, num congresso de comissões, sem um trâmite correto, para que cada comissão possa analisar de fato esse projeto”, continua.
“É um empobrecimento do debate político, é um rebaixamento da Assembleia Legislativa, mas, se a gente fala da principal empresa pública do Estado de São Paulo, que não tá sendo discutido um projeto de privatização, num regime de urgência, que tem 45 dias para ser discutido e [nem] sequer passa por cada comissão isoladamente, isso é um escracho sem tamanho”, finaliza o deputado.
No dia 16 próximo será realizada uma audiência pública na Alesp para ampliar o debate com a sociedade na perspectiva de somar forças para barrar a privatização da Sabesp. Pesquisa realizada pelo Datafolha em abril de 2023 revelou que 53% da população de São Paulo rejeita a venda da estatal.
JOSI SOUSA
Se privatizar, a conta de água irá aumentar. Não teremos a tarifa social, nos moldes praticados pela Sabesp. Não, não, não à privatização!