Presidente vetou o reajuste de 34% ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Ele está condenando o futuro do país, porque a alimentação é essencial para o desenvolvimento das crianças e Bolsonaro quer deixar o país na ignorância”, diz CNTE
O veto de Jair Bolsonaro à emenda parlamentar à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que previa o reajuste de 34% ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) preocupa trabalhadores da educação e produtores da agricultura familiar.
Eles avaliam que a medida impacta na quantidade e a qualidade da merenda escolar e consequentemente prejudica a qualidade da educação e o desenvolvimento das crianças e adolescentes de todo país.
O Observatório da Alimentação Escolar divulgou uma nota lamentando o veto da LDO, que prevê o reajuste dos valores per capita do PNAE pela inflação (IPCA), que não acontecia desde 2017.
O Observatório ressalta que a aprovação do reajuste do PNAE pelo Congresso foi resultado de forte pressão da sociedade civil, e do compromisso de parlamentares de diferentes partidos, mobilizados em função da perda do poder de compra do PNAE, diante da crescente inflação dos alimentos.
Alegando que a proposta é “contrária ao interesse público”, a emenda que Bolsonaro vetou, se aprovada, destinaria pelo menos, 5,53 bilhões de reais à alimentação escolar, um aumento de 1 bilhão e meio em relação aos 3,96 bilhões atuais.
Dados do Ministério da Educação mostram que, atualmente, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destina R$0,36 para a alimentação por dia de cada criança do ensino fundamental e médio e R$0,53 por estudante da pré-escola. O restante do valor da merenda é complementado pela arrecadação dos estados e municípios.
Em uma escola estadual no Mato Grosso, por exemplo, os alunos já não estão consumindo todos os alimentos que complementam a alimentação necessária por dia, conforme os valores nutricionais, informa a funcionária pública e técnica em nutrição escolar, Rosângela Freitas Dias.
“A alimentação escolar não está sendo o suficiente, tanto na qualidade, quanto na quantidade. Esse valor de hoje já é insuficiente porque a gente não está mais conseguindo atender todas as crianças, tem que comer só arroz e carne porque não consegue mais comprar salada, fruta e verdura. E a gente coloca o mínimo possível de comida para dar para todo mundo”, contou Rosângela.
Segundo a servidora, que é responsável pela compra dos alimentos na escola em que trabalha, são R$ 2.958,00 por mês para comprar alimentos para 255 alunos e durar 20 dias. Agora, sem reajuste, a merenda escolar corre risco.
“A gente faz uma complementação, na merenda escolar, daquilo que as crianças deveriam receber em casa e muitas não estão tendo quase nada em casa e a complementação tem que ser boa na escola. Com cada dia menos recursos a gente não vai conseguir mais fazer essa complementação”, ressalta Rosângela.
Bolsonaro quer deixar o país na ignorância, alerta CNTE
Segundo o presidente interino da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, o valor per capita com o reajuste já seria irrisório e isso só evidencia o descaso de Bolsonaro com a educação. O dirigente defende a necessidade de pressionar os parlamentares pela derrubada desse veto no Congresso Nacional.
“O valor do reajuste per capita não pagaria um pãozinho, isso quer dizer que tiramos um pãozinho de cada criança/jovem deste país. Isso é reduzir a qualidade e a quantidade da alimentação na comunidade escolar”, critica Leão.
Segundo ele, “não podemos permitir que aconteça mais esta tragédia”. Assim, “vamos pressionar os parlamentares nas redes e nas ruas, conclamou o dirigente da CNTE.
Roberto Leão também sustenta que Bolsonaro tem a compreensão de que, garantir a alimentação de uma criança nunca colidiria com os interesses da sociedade.
“Ele está condenando o futuro do país, porque a alimentação é essencial para o desenvolvimento das crianças e Bolsonaro quer deixar o país na ignorância, assim como vem fazendo desde o início do seu mandato atacando a educação, retirando verbas de universidades e institutos federais”.
Dados do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao Ministério da Educação, apontam um valor de quase 2 milhões parados na conta de estados e cidades brasileiras, quando a verba deveria ser direcionada à alimentação escolar.
AGRICULTURA FAMILIAR
O PNAE estabelece como exigência que no mínimo 30% do orçamento da merenda escolar seja destinado à aquisição de gêneros alimentícios oriundos da agricultura familiar ou de suas organizações. Principalmente, dos assentamentos da reforma agrária, das comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Ainda assim, tem diminuído o número de municípios que compram alimentos da agricultura familiar.
O geólogo e assessor de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Contag), Arnaldo Brito, considera que esse veto causa muita apreensão, pois, além de ser um entrave para a geração de renda para a agricultura familiar, também ofusca o planejamento de plantio e produção, que compõem o arcabouço desse modelo de produção, porque é produzido conforme demanda para não estragar alimentos.
“Um agricultor familiar só pode produzir se tiver para quem comercializar, ainda mais quando a gente tem uma lei que diz que 30% da merenda escolar tem que ser comprada da agricultura familiar”, explica.
“Tem municípios que não compram absolutamente nada, e quando compra é 10%, o que prejudica a qualidade da alimentação que vai para mesa dessas crianças, que muitas vezes é única alimentação que fazem”, destaca Brito.
Durante a pandemia da Covid-19, os agricultores familiares tiveram prejudicado o acesso ao programa por conta de interrupções ou significativas reduções nas compras, pelo não cumprimento de contratos vigentes pelas gestões públicas locais. Isso mesmo com a autorização do FNDE para a compra de gêneros alimentícios com recursos do PNAE.
Esses foram alguns dos problemas apontados na pesquisa Levanta Dados Agricultor, lançada no final de 2021 pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
O geólogo citou que muitas prefeituras não têm seguido as regras do processo de compra dos alimentos, da agricultura familiar, que deve ser por meio de Chamada Pública, o que tem sido motivo de diminuição da procura e também da falta de fiscalização do alimento.
Para ele, o governo deveria ser o maior interessado em ampliar os recursos do orçamento para aumentar as possibilidades de crianças e adolescentes terem acesso à alimentação, o que não se verifica por parte do atual governo.
Para Arnaldo, o veto ao programa é a prova da falta de compromisso não só com educação, mas com a Ciência e com aqueles mais carentes que mais precisam do alimento na mesa. “O veto é uma decisão política que ele sempre tomou a respeito da educação e isso é muito triste. Temos que mudar esta realidade”.
Já Roberto Leão finaliza dizendo que por isso a CNTE elegeu a educação como prioridade para as eleições deste ano e defendeu a importância de escolher candidatos com responsabilidades educacionais.
“Temos que aproveitar as eleições deste ano para escolher presidente, governadores, senadores e deputados comprometidos com a educação pública e de qualidade e com a nossa população educacional. Temos que eleger a educação como prioridade nas eleições de 2022”.
JOSI SOUSA
