Batizado de “Sertão”, o grupo que usou o aplicativo WhatsApp para convocar o “Dia do Fogo”, que provocou o recorde de queimadas no Pará, na região da Amazônia Legal, tem 80 membros entre grileiros, garimpeiros, fazendeiros e comerciantes da região de Novo Progresso e Altamira.
O grupo nasceu dentro de outro grupo, o “Jornal A Voz da Verdade”, criado em 2016, por João Vgas, nome que consta na página principal. O grupo tem 246 participantes ativos.
Segundo a Revista Globo Rural, dos participantes ativos do grupo “Jornal A Voz da Verdade”, 70 deles aprovaram os planos para realização do “Dia do Fogo” e foi então que criaram o grupo “Sertão”. O criador do grupo foi Ricardo De Nadai, que depois de iniciado recebeu mais 10 membros e fechou com cerca de 80.
O objetivo do grupo era incendiar, no dia 10 de agosto, áreas de matas e terras devolutas, fazendo o fogo avançar sobre a Floresta Nacional do Jamanxim, uma reserva de 1,3 milhão de hectares conhecida pela sua rica biodiversidade. A ideia era alcançar a Terra do Meio, área de conflitos agrários na Amazônia.
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Motoqueiros do fogo
No fatídico “Dia do Fogo”, motoqueiros contratados pelo grupo circularam pelos distritos localizados às margens da BR-163 ateando fogo no capim seco dos acostamentos. Como no período de seca a vegetação pega fogo com facilidade, as chamas chegaram até a interromper o trafego em diversos pontos da rodovia.
Além disso, o fogo se alastrou e queimou cercas, ameaçando atingir as moradias. “Todos que estavam em suas casas nas vilas ao redor da BR naquele dia avistaram esses homens de capacete ateando fogo”, segundo apurou a Globo Rural.
O município recordista de desmatamento e queimadas no país este ano, Altamira, também foi alvo da ação criminosa que se estendeu até o Distrito de Cachoeira da Serra.
Faltou motosserra
No início de agosto, várias áreas de proteção ambiental sofreram ataques de motosserras na região. “Primeiro se desmata, depois vem o fogo. Tudo foi planejado. Ninguém ficou sem serviço. Faltou gente, e peões foram trazidos de outras regiões da Amazônia e até do Nordeste”, contou um operador de motosserra que não quis se identificar.
Pistas clandestinas de pouso foram construídas no meio da mata para desembarcar gente. Tudo foi combinado com muita antecedência no Grupo ‘Sertão’.
“Pelo menos quatro membros do grupo já foram presos por crimes ambientais. São conhecidos como grileiros que estão escrevendo uma lenda no sul do Pará. Do grupo fazem parte proprietários de redes de supermercados, lojas e fazendas da região. Alguns deles fizeram acordo com a Justiça e usam tornozeleira eletrônica”, apurou a revista.
Para procurador, ação do governo poderia ter limitado danos
Os danos do chamado “dia do fogo” poderiam ter sido parcialmente evitados com um suporte policial para a ação que o Ibama pretendia fazer antes do ato, afirmou hoje o procurador da República Ricardo Negrini, que investiga uma possível omissão dos órgãos públicos no caso.
O chamado “dia do fogo”, que ficou internacionalmente conhecido, é investigado por suspeita de ter sido uma ação orquestrada para queimas de áreas na região amazônica, marcadas para 10 e 11 de agosto.
“Eu acredito que poderia ter sido mitigado. A informação sobre o ‘dia do fogo’ surgiu muito em cima da hora, então não sei se daria tempo para uma operação mais profunda que desarticulasse completamente o movimento”, disse o procurador.
“A partir do momento em que se faz as primeiras autuações e apreensões, é bem provável que outros responsáveis pelo incêndio fossem desestimulados e acabassem interrompendo essa atividade criminosa”, completou o representante do Ministério Público Federal em Belém, em entrevista à Reuters.
“Então, não faltam informações, nós temos muita informação. O que falta é gente para ir lá fiscalizar. Isso não tem realmente, tem muito pouco”, disse.
Negrini admite ainda que essa falta de fiscalização in loco prejudica posteriormente o trabalho do Ministério Público Federal de punir eventuais responsáveis. “Fica uma sensação de impunidade mesmo pela incapacidade de os órgãos públicos responderem à ocorrência do desmatamento. A gente sabe que está ocorrendo, mas não consegue responder a isso”, disse.
“Sem dúvida (prejudica o trabalho do MPF). Principalmente na área criminal a gente é muito dependente dos órgãos de fiscalização… para identificar quem é o responsável, quem são as pessoas envolvidas, para identificar quais foram os instrumentos realizados”, afirmou.
“Isso tudo a gente depende muito do Ibama, do ICMBio, da Sema, secretaria estadual. Então realmente o nosso trabalho acaba sendo de certa forma comprometido quando não existem fiscalizações suficientes”, afirmou.