Racismo faz EUA arder e presidente leva seis dias para discursar à nação
A Casa Branca ficou às escuras no domingo, quando a sede de governo norte-americano, como ocorre desde sexta-feira, voltou a ser alvo da indignação dos manifestantes pela enésima repetição do assassinato de um cidadão negro desarmado e algemado por um policial branco racista na segunda-feira passada, enquanto suplicava “não consigo respirar”.
No domingo, já eram seis noites de revolta, e Trump se mantinha no maior silêncio, com exceção das tuitadas irresponsáveis incendiárias para jogar gasolina no braseiro, com os protestos já tendo se estendido de costa a costa e com 40 cidades sob toque de toque de recolher.
No domingo, foram milhares os manifestantes que tomaram as ruas da capital dos EUA bradando “Não consigo respirar”, “George Floyd”, “Parem de matar negros!” e “Sem justiça, sem paz!”, apesar da truculência das tropas de choque, repetindo o que acontecia no país inteiro.
À NOITE NO BUNKER
Na sexta-feira já tinha sido aquela situação vexatória do presidente dito mais poderoso do planeta, Donald Trump, ter de correr para o bunker subterrâneo da Casa Branca, cercado de guarda-costas, por causa dos protestos.
No domingo, os holofotes externos que normalmente mantêm a Casa Branca iluminada à noite foram desligados enquanto o presidente Donald Trump permanecia “fora de vista e em silêncio”, como registrou o Common Dreams.
O que valeu do jornal chinês Global Times a zombaria de, em editorial, conclamar “não se esconda, mr. Presidente”.
Não só dele. A prefeita de Washington, Muriel Bowser, postou que “enquanto ele [Trump] se esconde atrás de sua cerca com medo/sozinho, eu fico com as pessoas que pacificamente exercem sua Primeira Emenda logo após o assassinato de George Floyd”.
Para o Common Dreams, “não está claro por que as luzes da Casa Branca foram cortadas, mas os críticos viram o movimento como simbólico da falta de liderança do país durante um momento de tristeza, ira e crise em todo o país”.
Por sua vez o New York Times observou que Trump “passou o domingo fora de vista, mesmo quando alguns de seus conselheiros de campanha estavam recomendando que ele realizasse um discurso televisionado nacionalmente”.
Ainda segundo o NYT, “o prédio estava ainda mais vazio do que o habitual, pois alguns funcionários da Casa Branca que planejavam trabalhar foram orientados a não vir em caso de agitação renovada.”
No sábado, Trump tentara dar a volta por cima, asseverando pelo Twitter que “não poderia ter se sentido mais seguro” e se gabou de que qualquer manifestante que chegasse perto de violar a cerca da Casa Branca “teria sido recebido com os cães mais cruéis, e armas mais sinistras que eu já vi”.
Também no domingo, a prefeita Bowser ativou a Guarda Nacional na capital dos EUA e impôs toque de recolher em toda a cidade das 23:00 às 6:00, depois antecipado para as 19:00 a partir de segunda-feira.
“Acho que o presidente tem a responsabilidade de acalmar a nação”, disse Bowser durante uma coletiva de imprensa na manhã de domingo. “Ele pode começar não enviando tweets que geram discórdia e feitos para ecoar o passado segregacionista do nosso país.”
Foi a primeira vez desde a gigantesca onda de revolta causada pelo assassinato de Martin Luther King em 1968 que a Guarda Nacional foi convocada para tantos estados – 14 – e o toque de recolher decretado em mais de 25 cidades, com mais de 3 mil prisões.
Na capital, Washington, quanto mais se aproximava a hora do início do toque de recolher no domingo, mais se intensificaram os confrontos entre manifestantes e policiais que disparavam balas de borracha e granadas de gás lacrimogêneo.
De acordo com o Washington Post, nessa hora Trump e seus conselheiros chegaram à conclusão de que “ele não deveria falar com a nação porque não tinha nada de novo para dizer e não tinha nenhuma política ou ação tangível para anunciar ainda”.
“Evidentemente, não sentindo uma motivação urgente no domingo para tentar unir as pessoas, ele permaneceu em silêncio”, acrescentou o Post. “Trump deixou seus tweets falarem por si mesmos.”
No caso, a tuitada mais macabra de Trump foi a que plagiou uma frase de um chefe de polícia racista de Miami em plena luta pelos direitos civis, de que “quando os saques começam, os tiros começam” – isto é, ameaçando mandar atirar contra manifestantes.
Essa frase do chefe de polícia, em 1967, era daquele tempo em que o governador de Alabama George Wallace fazia campanha por “segregação agora, segregação no futuro, segregação sempre”.
Foi o famoso Tweet que o Twitter resolveu carimbar, sem censurar, como “glorificação da violência”.
Na segunda-feira, Trump fez de conta que não correu para o bunker, que não mandara apagar as luzes da Casa Branca e, numa videoconferência com os governadores, repreendendo-os por serem “frouxos”, recomendando prender os manifestantes “por dez anos”.
Em tuitada, ela já atribuira à “inação dos governadores” os EUA terem virado a chacota do mundo pela delegacia de polícia de Minneápolis “queimada até o chão”.
À noite, finalmente arrumou o que dizer em discurso em rede nacional. Adotou como novo slogan eleitoral ser o “presidente da lei e da ordem” e ameaçou enviar tropas para os Estados e as cidades se os protestos não forem dominados, chamando-os de “atos de terror”. Após tantos “pare de se esconder” sussurrados em sua orelha, achou conveniente juntar um monte de seguranças e deu uma volta nas redondezas.