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Hong Kong foi arrancada a canhonaços da China na Guerra do Ópio, movida por Londres para impor seu tráfico à milenar nação. É essa gente que quer dar aulas de ‘civilização’ e ‘democracia’
“Longe vão os dias em que Hong Kong estava sob o domínio colonial britânico”, reagiu o embaixador chinês em Londres, Liu Xiaoming, à ameaça do primeiro-ministro Boris Johnson de conceder passaporte britânico a “três milhões” de moradores de Hong Kong, se for mantida a Lei de Segurança Nacional, aprovada na semana passada pela Assembleia Popular Nacional da China, que proíbe a secessão, a conivência com forças estrangeiras, a sedição e o terrorismo.
O porto de Hong Kong foi arrancado a canhonaços da China pelo império britânico em 1841, na Guerra do Ópio, movida por Londres para impor seu tráfico à milenar nação asiática, e só devolvido em 1997. Hong Kong faz parte da China desde 200 AC.
Ameaças de Washington foram rebatidas por Pequim, com uma mensagem bem direta: “não é da vossa conta, o que isto tem a ver com vocês?”. “Isto é puramente um assunto interno da China e nenhum país estrangeiro tem o direito de interferir”, afirmou o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian.
O ministro de Relações Exteriores britânico Dominic Raab admitiu que há pouco que seu país possa fazer “para forçar a China a permitir que detentores de passaportes venham para o Reino Unido”.
Naturalmente, na Grã Bretanha também é crime a secessão, o conluio com forças estrangeiras e o terrorismo e nos EUA está em vigor a chamada Lei Patriótica, desde 2001.
Na terça-feira a mais alta instância do poder legislativo na China, a Assembleia Popular Nacional (APN) aprovou a lei que visa proteger Hong Kong da interferência estrangeira – como visto no ano passado, em que ‘líderes dos manifestantes’ se reuniam com uma ‘conselheira’ da CIA para receber instruções, e foram flagrados em vídeo.
Ou quando garotos mimados exibiam bandeiras norte-americanas e britânicas para cima e para baixo, cantavam o hino de Tio Sam e o “God save the Queen”, e adaptavam o ‘Glória à Ucrânia’ dos nazistas da Praça Maidan para “Glória a Hong Kong”.
Em idioma inglês, para a mídia estrangeira registrar, os ‘manifestantes’ berravam ‘um país, dois sistemas/ está morto”. Também pediam a Trump para “libertar Hong Kong”.
Os protestos de Hong Kong começaram em maio – coincidentemente com o agravamento da guerra tarifária de Trump – tendo como pretexto a extensão, aos demais países do mundo, inclusive a China continental, da lei de extradição que já funcionava em relação aos EUA e mais 19 países, depois de um crime de feminicídio.
“QUEM COZINHOU A SOPA-II”
Foram precedidos pela ida de uma ‘delegação de Hong Kong’ para receber as bênçãos do Departamento de Estado. Sabe-se agora que o arrivista e guru de Trump, Steve Bannon, também estava fazendo a sua parte junto a oligarcas de extrema direita de Hong Kong.
O que faz lembrar o bem humorado comentário sobre “quem cozinhou a sopa em Hong Kong”, de parte de um conhecido observador da cena asiática, o ex-embaixador indiano MK Bhadrakumar, depois que a BBC tornou público que os ‘protestos’ de 2014 (“revolução dos guardas-chuvas”) não tinham nada de espontâneos.
Haviam sido preparados com um ano de antecedência, com a prestimosa ajuda de uma fachada da CIA e treinamento de 1.000 operativos, perdão, ‘lideranças’. Na verdade, tratava-se de uma indiscrição, pois a BBC estava elogiando a atuação dos ‘libertários’. Mas aí o estrago já estava feito.
REINTEGRAÇÃO À PÁTRIA ANO 23
Na quarta-feira, já com a nova lei em vigor, Hong Kong festejou 23 anos da reintegração à pátria chinesa, sob o lema ‘um país, dois sistemas’, com procissão de barcos com a bandeira da República Popular da China, cerimônias solenes pela data e pequenos atos de apoio, em função da pandemia, nas ruas.
Algumas dezenas de saudosistas do tempo de colônia também foram às ruas do centro comercial para mostrar sua animosidade perante uma lei contrária ao separatismo, à interferência estrangeira e ao terrorismo, e entraram em confronto com as forças policiais. Houve prisões.
Na aprovação da legislação, a Assembleia Popular Nacional ressaltou que é “um marco na defesa e aprimoramento da estrutura institucional de ‘um país com dois sistemas’ sob novas circunstâncias”. Um novo organismo federal foi criado em Hong Kong, para atuar em defesa da segurança nacional da China.
A lei garantirá o desenvolvimento “estável e sustentado” e protegerá “a paz, estabilidade e prosperidade duradouras em Hong Kong”. Possui 66 artigos em seis capítulos e é uma lei abrangente com conteúdo de direito substantivo, direito processual e direito orgânico. Como toda a lei que se preze, não tem caráter retroativo.
Como reiterou Zhang Xiaoming, do escritório de Assuntos de Hong Kong e Macau, a nova lei tem como alvo “um punhado de criminosos” e de forma alguma a oposição em geral. Ele definiu o texto como uma “abordagem firme e flexível da situação na cidade” e considerou “normal que pessoas em Hong Kong tenham dúvidas”.
O Diário do Povo registrou que as quatro categorias de crimes abordados pela nova lei – secessão, conivência com forças estrangeiras, sedição e terrorismo – “nada têm a ver com liberdade de expressão, reunião e associação” ou com pluralismo. As alegações de que a lei foi promulgada para exercer o controle sobre a sociedade de Hong Kong – acrescentou o jornal – “consistem em interpretações preconceituosas ou propaganda mal intencionada”.
“LÓGICA DOS CRIMINOSOS”
A lei “fortalecerá claramente” o modelo de governança ‘um país, dois sistemas’, que garante a autonomia da cidade em relação à China continental, enfatizou Zhang. “Quanto aos países que dizem agora que vão impor sanções severas, penso que essa é a lógica dos criminosos”, acrescentou.
Entre estes, o governo Trump, cuja retórica racista contra a China chega ao ponto de chamar o coronavírus de “vírus chinês” e a Covid-19, de “Kung Flu”. O Congresso dos EUA acaba de aprovar a chamada “Lei da Autonomia de Hong Kong”, que agrava a já existente “Lei da Democracia e Direitos Humanos de Hong Kong”.
A nova lei norte-americana promete impor sanções sobre as entidades ou pessoas chinesas que “ajudem a violar a ‘autonomia de Hong Kong’ e os bancos que façam negócios com eles”. Por sua vez, o secretário de Estado Mike Pompeo anunciou a revogação do estatuto de tratamento preferencial no comércio que Hong Kong detinha.
Quanto a isso, Pequim tem lembrado a Washington que Hong Kong é uma das poucas regiões do planeta com que os EUA têm superávit comercial. Talvez por isso Washington apenas suspendeu as exceções de licença de exportação e encerrou a exportação de equipamentos de defesa. Hong Kong continua sendo tratada como território aduaneiro separado.
Via videoconferência, a chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, disse ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra que a nova legislação iria preencher “uma lacuna” e não minaria a autonomia do território ou a independência do seu judiciário.
O caos que imperou na cidade no ano passado fez com que o PIB caísse 1,2% em 2019, a primeira contração em dez anos. Lam acrescentou que Hong Kong ficou “traumatizado pela escalada de violência insuflada por forças externas”.
OS CUBÍCULOS DE HONG KONG
A nova lei para Hong Kong também visa criar um quadro mais estável que possibilite que o porto avance na questão em que ficou mais para trás, a gigantesca desigualdade social, que é uma sobrevivência, não do “excesso de interferência” de Pequim, mas da ocupação inglesa e seus desdobramentos, um neoliberalismo atroz, especulação imobiliária desenfreada com grande parte da população vivendo em cubículos e um racismo muito britânico.
É a segunda mais cara cidade do planeta, depois de Londres. 21% dos habitantes, segundo relatório da Oxfam, vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto outros 20% vivem à beira da pobreza. Enquanto os salários estagnaram, o preço de aquisição de uma moradia dobrou entre 2010 e 2018. Os gastos públicos com saúde, educação e outros programas sociais são extremamente insuficientes. Por outro lado, é a terceira cidade do mundo em número de bilionários.
No complexo processo de abertura e criação das zonas econômicas especiais, Hong Kong acabou funcionando durante muito tempo como uma interface entre a China socialista e o Ocidente, de que sua condição de porto e centro financeiro de primeira grandeza era o aspecto central.
Com o gigantesco salto que levou a China à condição de segunda maior economia do mundo, Hong Kong teve, relativamente, sua importância diminuída. No momento da restituição à pátria chinesa, o PIB de Hong Kong era 18% do PIB da China. Hoje, é 3%. Shenzhen e outras grandes cidades superaram Hong Kong como centros financeiros e industriais.
Assim, a saída está em mais, não menos integração à China, que é o país que, sozinho, é responsável por 30% do crescimento econômico do planeta. Pequim tem trabalhado para integrar toda a região da baía. A gigantesca ponte de ligação com o continente e com Macau é a maior do mundo, com 55 quilômetros de extensão, e inclui um túnel de 6,7 quilômetros sob o delta do Rio das Ostras. Também já está em operação a linha de trem de alta velocidade entre Cantão e Hong Kong.
“UM PAÍS, DOIS SISTEMAS”
A devolução de Hong Kong foi um compromisso, obtido pela China Popular, negociado com Margareth Thatcher, para dar fim ao roubo de território chinês na Guerra do Ópio, e assegurando aos consideráveis interesses da City londrina – o centro financeiro inglês – no porto um status de convivência por 50 anos.
A manutenção do direito anglo-saxônico e da legislação local era parte dessas garantias. Quanto à excelência da justiça britânica – em contraposição à suposta inoperância dos tribunais chineses -, não falta quem possa falar sobre isso, de Julian Assange ao nosso Jean Charles, sem esquecer os presos republicanos irlandeses.
No que toca à democracia, durante o século de ocupação britânica, jamais houve a menor sombra de eleição direta ou sufrágio universal.
Em relação aos setores internos de Hong Kong que haviam sidos cevados sob a dominação inglesa era a demonstração de que, conforme a proverbial paciência chinesa, a Pátria Mãe oferecia um caminho seguro de reconciliação. Note-se que Hong Kong foi um dos últimos territórios coloniais no mundo a serem descolonizados.
O que apressou a busca de uma solução foi que tinha data para acabar o ‘arrendamento’ de 99 anos das áreas anexas chinesas, sem as quais o crescimento de Hong Kong ficaria muito dificultado.
Sob outro aspecto, para Pequim era a primeira concretização da fórmula ‘um país, dois sistemas’, vista como a melhor via para a reintegração pacífica de Taiwan. No mais, como apontou um articulista, a ideia de jerico de “separação de Hong Kong da China” tem tanto fundamento “quanto a de tirar Manhattan dos EUA”.