“A presença do presidente Jair Bolsonaro na manifestação em frente ao Quartel General do Exército contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde deste domingo, provocou um ‘enorme desconforto’ na cúpula militar”, afirmou a jornalista do “Estado de S. Paulo”, Tânia Monteiro. Oficiais-generais disseram ao jornal, segundo a repórter, que “não se cansam de repetir que as Forças Armadas são instituições permanentes, que servem ao Estado Brasileiro e não ao governo”.
Na avaliação dos generais ouvidos pelo Estadão, o protesto, que chegou a pedir intervenção militar, não poderia ter ocorrido em lugar pior. “Se a manifestação tivesse sido na Esplanada, na Praça dos Três Poderes ou em qualquer outro lugar seria mais do mesmo”, observou um deles. “Mas em frente ao QG, no dia do Exército, tem uma simbologia dupla muito forte. Não foi bom porque as Forças Armadas estão cuidando apenas das suas missões constitucionais, sem interferir em questões políticas.”
A repórter disse que os generais não esconderam o mal-estar. Afinal, Bolsonaro os deixou em “saia justa”. Chefes militares não podem se pronunciar. O Estado, segundo a jornalista, ouviu sete oficiais-generais, sendo cinco do Exército, um da Aeronáutica e um da Marinha. Eles lembraram que o País tem uma “verdadeira guerra” a ser vencida e que não é possível gastar energia com alvos diferentes. Houve quem observasse que o presidente enfrenta “resistências”, inclusive do Congresso, mas todos avaliam que a presença dele na manifestação provocou ainda mais a ira dos representantes do Executivo e do Judiciário.
A atitude do presidente, ainda segundo a análise de um dos militares ouvidos pela repórter do Estadão, passa um sinal trocado para a sociedade. Eles ressaltaram que passam o tempo todo tentando separar o governo do Exército, já que há sempre quem lembre da presença de militares em cargos de ministro no Palácio do Planalto.
O colunista Igor Gielow, da Folha de S. Paulo, por sua vez, disse, em sua coluna deste domingo, que, para um general ouvido por ele, “o presidente apenas quis tensionar o ambiente em um momento de fragilidade, conforme seu estilo”. Para o oficial, da cúpula da ativa, segundo o jornalista, as Forças Armadas não farão nada que fira seu papel constitucional.
Outro oficial, de um setor da Marinha mais afastado do governo, segundo Igor, preferiu a comparação com a tentativa frustrada de autogolpe de Jânio Quadros em 1961, que redundou na renúncia do presidente.
O comentarista político da GloboNews, Gerson Camarotti, também relatou que em contatos com militares observou que a atitude e a fala de Bolsonaro “causou um grande mal-estar entre integrantes da ala militar do governo”. Primeiro, segundo Camarotti, por colocar as Forças Armadas numa situação de constrangimento ao participar de um ato contra a democracia. Segundo, por estar presente em uma aglomeração de pessoas, algo que vai de forma contrária ao que têm pregado todas as autoridades sanitárias internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), e, inclusive, o Ministério da Saúde, para o combate à propagação do coronavírus.
De acordo com relatos, acrescentou Camarotti, até mesmo generais já demonstraram incômodo para os colegas que participam do governo. Ministros do núcleo próximo ao presidente Jair Bolsonaro também externaram surpresa com o gesto dele e temem que esse tipo de conduta acabe aumentando o isolamento dele. Ao Blog, um influente general ressaltou “que as Forças Armadas estão imunizadas contra o vírus antidemocrático”.
Ainda segundo Tânia Monteiro, “eles observaram que a presença de Bolsonaro em frente ao QG teve outra gravidade simbólica”. Pela Constituição, o presidente da República é também o comandante em chefe das Forças Armadas. Mesmo com cuidados para evitar críticas diretas, os generais ressaltaram que o gesto foi uma “provocação”, “desnecessária” e “fora de hora”.
Por conta da presença do presidente na manifestação, houve necessidade de reforço da guarda do QG. Isso acabou passando uma imagem que também foi considerada ruim pelos generais. Os soldados deslocados para a guarda estavam de plantão e tiveram de sair às pressas para o local da manifestação e, de certa maneira, proteger Bolsonaro da multidão.
A jornalista Andrea Sadi, também da GloboNews, informou em seu blog do G1, que a cúpula militar do governo tenta, nos bastidores, minimizar a presença do presidente no ato pró-intervenção militar deste domingo (19), em Brasília. O argumento é que Bolsonaro quis agradar sua base de apoiadores ligada à ala ideológica. Atuando como bombeiros, ministros da ala militar repetem quase em coro que não existe qualquer ameaça concreta à democracia porque as Forças Armadas rechaçam apoio a essa ideia. “Não há risco”, disse um general ao blog.
Outro integrante da ala militar do governo ouvido por Sadi vai na mesma linha: diz que o presidente “dá vazão” a esses apoiadores antidemocráticos “na retórica”, uma vez que ele não teria “poder sozinho” a respeito de uma ruptura democrática, pois isso está fora de cogitação para as Forças Armadas. “O ator principal do pedido desse agrupamento são as Forças Armadas, que estão totalmente fora, não concordam com nada do que estão defendendo”, disse esse general.