Decisão criminosa vai atrasar a aprovação e a compra de mais vacinas. Brasil só vacinou até agora pouco mais de 3% da população. Capitão cloroquina segue sabotando a luta contra a Covid-19
Se alguém ainda tinha alguma dúvida de que Jair Bolsonaro está sabotando a vacinação da população brasileira contra a Covid-19, ele mesmo se encarregou de dirimi-la ao vetar vários dispositivos da Medida Provisória (MP) das Vacinas, aprovada pelo Congresso Nacional com o objetivo de reduzir os prazos para a aprovação do uso emergencial de imunizantes já aprovados em países referência.
A MP autorizava também a sua compra por estados e municípios em caso da falha na distribuição por parte da União.
O primeiro trecho vetado estabelecia que, feito o pedido, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) teria cinco dias de prazo para autorizar o uso emergencial desde que a vacina tivesse sido aprovada em pelo menos uma de oito autoridades sanitárias estrangeiras relacionadas na norma. O mundo todo está flexibilizando essas normas diante da gravidade da situação, mas o diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres, parece estar vivendo em outro mundo.
PERDA DE AUTONOMIA É SOFISMA
Usando de um sofisma para pedir o veto da MP, ele disse que o órgão perderia autonomia para aprovar ou não as vacinas. “Não está escrito ‘analisará’, não está escrito que vai estudar o tema, não está escrito que vai verificar se há risco, se não há. Está escrito ‘concederá autorização’. Só nos é dada uma opção: é o sim. Só tem essa opção”, disse Torres.
A afirmação não corresponde à verdade pois o que muda com a MP é que o órgão passa a ser autorizado a usar como referência a aprovação de outros órgãos de vigilância devidamente credenciados no mundo para tomar a decisão. Para obter a autorização para uso emergencial no Brasil, qualquer vacina já teria que ter provado ser segura e eficaz contra a Covid-19. Mesmo nesta condição, a Anvisa poderia não aprovar. Portanto, é mentirosa a alegação do diretor do órgão de vigilância brasileiro em sua argumentação pelo veto.
O negacionista Torres, que participava de aglomerações junto com Bolsonaro, quer manter a rotina de “tempos normais”. Tanto ele, quanto seu chefe, não estão nem aí para as centenas de milhares de mortes que estão ocorrendo no país. “Estamos falando de dossiês entre 18 e 20 mil páginas. Essa possibilidade de 5 dias ela inexiste, é irreal”, disse ele. Torres acrescentou que Bolsonaro manteve a decisão em suas mãos.
“O presidente reiterou que o Ministério da Saúde, portanto o governo, só vai adquirir e incorporar ao Programa Nacional de Imunização vacinas analisadas e chanceladas pela Anvisa”, destacou. Ou seja, a criminosa morosidade diante da tragédia brasileira vai continuar. A não ser que o Congresso Nacional derrube os vetos de Bolsonaro.
A medida contestada pela Anvisa previa que a agência deveria conceder autorização ou não para o uso emergencial de qualquer vacina autorizada pelos órgãos regulatórios de Estados Unidos, União Europeia, Japão, China, Canadá, Reino Unido, Coreia do Sul, Rússia e Argentina. A MP, como foi aprovada, poderia agilizar a importação, a distribuição e o uso das vacinas no Brasil e foi defendida pela ampla maioria dos congressistas.
ANVISA NÃO ESTÁ ATENTA À EMERGÊNCIA
Segundo as regras atualmente em vigor, a Anvisa tem até dez dias para analisar os pedidos de uso emergencial de vacinas. Só para se ter uma ideia de como o órgão vem se comportando, já fazem mais de dois meses que a empresa farmacêutica brasileira União Química entrou com o pedido para uso emergencial da vacina Sputnik V e até agora não houve resposta. A morosidade e a paralisia estão sendo as marcas registradas do governo Bolsonaro em todos os aspectos do enfrentamento da pandemia.
O segundo ponto vetado foi o que previa que, no caso de omissão ou de coordenação inadequada das ações de imunização de competência do Ministério da Saúde referidas neste artigo, ficam os estados, os municípios e o Distrito Federal autorizados, no âmbito de suas competências, a adotar as medidas necessárias com vistas à imunização de suas respectivas populações, cabendo à União a responsabilidade por todas as despesas incorridas para essa finalidade.
A resposta do governo federal foi de que só ele pode controlar tudo, independente do resultado prático que disto resulte. “Embora se reconheça a boa intenção do legislador, a proposição ao versar, por intermédio de emenda parlamentar, sobre criação ou definição de competências de órgãos e entidades do Poder Executivo federal, acabava por violar o princípio constitucional da separação dos poderes ao usurpar a competência privativa do Presidente da República estabelecida no art. 61, § 1º, inciso II, alínea “e” da Constituição da República”, diz trecho do comunicado enviado a jornalistas na noite desta 2ª feira (1).
CONGRESSO INTERVEIO PARA ENFRENTAR ATRASOS
O que o Congresso Nacional fez foi intervir, alterando a MP que autorizava o Brasil a participar do consórcio internacional Covax Facility, para acrescentar dispositivos que agilizassem o processo de aprovação das vacinas. A decisão dos congressistas se deu em função da gravidade da situação e da criminosa morosidade do governo federal. Tanto isso é verdade que senadores já trabalham por uma CPI para investigar o comportamento do governo na pandemia.
Já são seis as vacinas que estão sendo usadas com segurança e eficácia e todo o mundo, e a única que foi aprovada para uso definitivo no Brasil é a da Pfizer, que, curiosamente, é uma vacina que o país não está adquirindo. Bolsonaro simplesmente brigou com a direção da empresa. Ou seja, o governo aprova a vacina que não está sendo comprada e atrasa a aprovação das que podem ser compradas. Não há outra definição para isso: sabotagem.
As duas vacinas em uso no Brasil, a CoronaVac, do Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac e a da AstraZeneca, em parceira com a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), tiveram seus processos de aprovação arrastados até a exaustão. Não fosse a forte pressão exercida pelo governo de São Paulo para que elas fossem analisadas pela Anvisa, certamente até hoje não teriam sido autorizadas. Mesmo depois de aprovadas, a logística de distribuição, chefiada pelo Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, está sendo um verdadeiro desastre. Só lembrar que ele confundiu Amazonas com Amapá na distribuição de vacinas.
Por causa da demora no início da imunização, o Brasil está muito atrasado na vacinação de sua população. Foi o 57º país a iniciar a vacinação e só imunizou até agora pouco mais de 3% da população. O país vive o pior momento da pandemia. Uma tragédia que já matou mais de 255 mil pessoas. O número da casos e mortes está em alta em vários estados. As unidades da federação estão com seus sistemas de Saúde no limite ou entrando em colapso. Mais de mil brasileiros estão morrendo diariamente.
REDUÇÃO DOS PRAZOS
O diretor presidente da Anvisa, preposto de Bolsonaro, usou como pretexto para pedir o veto do Planalto que não haveria tempo suficiente para análise das vacinas. O que a MP determinava é que, diante da urgência da situação, ela poderia se basear em outros órgãos de vigilância devidamente credenciados. Isso já ocorre em outras situações. Não há nenhum demérito nisso.
Diante da morosidade do órgão, a MP apenas reduz de dez para cinco dias o prazo para que sejam analisados os pedidos de vacinas já aprovadas por um dos oito órgãos congêneres a nível internacional. O veto mantém o controle do processo na mão do Planalto, que, se pudesse, não vacinava ninguém.
É público e notório que Jair Bolsonaro trabalha contra as vacinas. Ele acha que o que resolve o problema da pandemia é o “tratamento precoce” com a cloroquina e a ivermectina, medicações sem eficácia contra a Covid-19.
Bolsonaro atacou violentamente a CoronaVac, do Butantan. Chegou a dizer que ela causaria doenças, deformações e até a mortes. Atrasou a sua compra até onde conseguiu. Na contramão de outros chefes de Estado, disse que não tomaria vacina nenhuma e até a imunização de sua mãe ele tentou impedir. Teve que ser convencido por familiares.
Pululam no governo Bolsonaro os terraplanistas e os anti-vacinas. Eles são contra todas as vacinas. Mas, a intenção principal de Barra Torres ao pedir o veto de Bolsonaro, foi atrapalhar especificamente a aprovação da vacina russa Sputnik V.
Seguindo as ordens do chefe, ele resiste à aprovação da vacina Sputnik V, que foi desenvolvida pelo renomado Instituto Gamaleia, da Rússia, e que será produzida pela empresa brasileira União Química.
UNIÃO QUÍMICA OFERECE 10 MILHÕES DE DOSES DE IMEDIATO
A empresa assinou acordo de transferência de tecnologia e afirma que está pronta para entregar 10 milhões de doses de imediato e garante mais 8 milhões do imunizante por mês. Torres chegou a afirmar, ao fazer sua carga contra a MP, que havia uma atuação de lobistas da farmacêutica brasileira pela sua aprovação.
Os entraves à vacinação por parte do Palácio do Planalto são tão gritantes que esta questão, da autorização para estados e municípios adquirirem vacinas, também vetada, já foi até judicializada. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou autorizando estados e municípios a adquirem as vacinas, caso o governo não cumpra a sua obrigação.
O Congresso Nacional agora terá que analisar se derruba ou não este veto que, se for mantido, trará mais atrasos na aquisição de vacinas.
S.C.