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Criminosos têm aproveitado a completa falta de fiscalização pelo governo Bolsonaro para ampliar o desmate da floresta amazônica. Fumaça das queimadas pode chegar a São Paulo nos próximos dias
Imagens de satélite capturadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que as queimadas no Pará nos quatro primeiros dias de setembro deste ano já superaram o mês setembro de 2021 inteiro. No ano passado, foram 3.828 focos de queimadas no mês. Até domingo (04), os satélites registraram 4.889 pontos de fogo na floresta.
Em Jacareacanga, no sudoeste do estado, foi identificado um incêndio que persiste há mais de 10 dias. O fogo começou em um terreno particular, se espalhou, afetando o Refúgio de Vida Silvestre “Rios São Benedito” e “Azul” e chegou ao Onçafari e ao Instituto Raquel Machado.
A área afetada pelo fogo fica na divisa do Pará com o Mato Grosso, cerca de 100 km da cidade de Paranaita (MT), às margens do Rio São Benedito, na bacia hidrográfica dos rios Teles Pires e Tapajós. A região tem como atrativo o ecoturismo, o turismo de pesca esportiva, além de possuir unidades de conservação, que desperta a atenção de pesquisadores.
Nesses quatro primeiros dias de setembro, a parte brasileira da Amazônia registrou 12.133 queimadas, superando os 70% ocorridos no mesmo mês do ano passado. De janeiro até o último domingo (4), a Amazônia teve 58 mil focos, índice que representa 20% a mais do que o registrado no mesmo período de 2021.
Dados da série histórica que ainda estão sendo analisados mostram a situação das queimadas na tarde de segunda-feira (5), data em que é celebrado o Dia da Amazônia: o satélite Aqua detectou 2.706 focos, sendo 913 (34%) no Amazonas, 725 (27%) no Mato Grosso, 638 (24%) em Rondônia, 227 (8%) no Acre, 197 (7%) no Pará e 6 (0,2%) no Maranhão.
Em setembro de 2021, foram contabilizados 16.742 focos de incêndio, número significativamente inferior à média mensal de 32.110 incêndios, entre 1998 e 2021. Em agosto, o bioma teve o maior número de incêndios para o período em 12 anos, com o pior dia de queima no último dia 22.
Para a ONG Observatório do Clima, pouco se tem a comemorar no Dia da Amazônia. A região, diz a organização, “encontra-se sob ataque intenso das forças criminosas que, estimuladas pelo governo federal, vêm promovendo a maior onda de destruição e degradação da floresta em quase duas décadas”.
“É hora de fazer uma escolha: ou o país fica com a floresta, ou com o atual presidente. Não dá para ter ambos”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Com o governo de Jair Bolsonaro, o desmatamento e os incêndios florestais dispararam. Desde que Bolsonaro tomou posse, em janeiro de 2019, o desmatamento médio anual na Amazônia brasileira cresceu 75% em comparação com a década anterior.
GRILAGEM
Especialistas relacionam diretamente os focos de incêndio com o aumento ilegal do desmatamento na Amazônia, já que o fogo costuma ser usado para renovar o solo.
“Os incêndios florestais na Amazônia estão batendo recordes neste ano em uma combinação de seca, explosão do desmatamento – impulsionada por um governo federal ecocida que vê a política ambiental como mero entrave a ser afastado – e uso inadequado do fogo associado ao próprio desmatamento”, disse na semana passada Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“Após quase quatro anos de uma clara e objetiva política antiambiental por parte do governo federal, vemos que na iminência de encerramento desse mandato – que está sendo um dos períodos mais sombrios para o meio ambiente – grileiros e todos aqueles que tem operado na ilegalidade, viram um cenário perfeito para avançarem sobre a floresta”, disse ao G1 o coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, André Freitas.
A grilagem de terras é um crime que tem se mostrado bastante lucrativo no Brasil, especialmente na Amazônia. Há indícios de uma intensificação nos processos de grilagem e do desmatamento de milhares de hectares. Atualmente, cerca de um terço do desmatamento na Amazônia está relacionado a essa prática.
Um levantamento do Greenpeace em extensões de quatro pontos da Amazônia: o entorno da BR-163, nos municípios de Altamira e Novo Progresso; em São Félix do Xingu; na Transamazônica e na Tríplice Fronteira entre Acre, Amazonas e Rondônia, identificou indícios abundantes de roubo e venda de terras públicas na internet.
Outro estudo, realizado pelo Instituto Pesquisa Amazônia (Ipam) e pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), aponta que a Amazônia tem 23% de floresta em terras públicas não destinadas registradas ilegalmente como propriedades privadas.
O percentual equivale a11,6 milhões de hectares de florestas públicas apropriadas ilegalmente ao longo de 21 anos (1997-2018). Ao todo, a Amazônia tem 49,8 milhões de hectares de florestas sem destinação.
A consequência da falta de destinação destas áreas – e a atrofia da reforma agrária – é a invasão de grileiros e o aumento do desmatamento e das queimadas: as árvores são derrubadas e incendiadas para abrir espaço ao pasto e ao gado, causando falsa impressão de produtividade à área.
Terras públicas não destinadas são áreas que não foram delimitadas como unidade de conservação, área quilombola, ou terras indígenas, por exemplo, mas pertencem ao poder público.
AUTODECLARAÇÃO
Para se apossarem dessas terras, os grileiros entram no sistema do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é autodeclaratório, lançam a terra como “propriedade privada”, registram georreferenciamento da extensão, e declara propriedade.
“É como se fosse terra de ninguém. Essas áreas precisam continuar públicas e continuar florestas”, afirma o diretor executivo do Ipam e um dos autores do estudo, Paulo Moutinho.
É necessário que o cadastro no CAR seja validado após fiscalização, mas, como o processo é lento, muitas vezes a terra é vendida como se fosse regularizada e nem sempre o novo proprietário sabe da ilegalidade da transação.
Segundo Moutinho, a regularização fundiária da Amazônia precisa passar pela destinação das terras, como previa a Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada pelo Congresso há 14 anos.
“Existe um problema fundiário sério na Amazônia. Há um caos. Parte desta solução é destinar para proteção, ou para terras indígenas ou para uso sustentável de terras naturais, como manda a lei de floresta pública de 2006”, defende o diretor do Ipam.
“Na medida em que essas áreas públicas não são destinadas, em que você não diz em que tipo de categoria ela vai se encaixar, você abre um flanco grande para grilagem”, avalia.
“A atual corrida pela ocupação e posse dos mais de 50 milhões de hectares de florestas em terras não destinadas na Amazônia é incentivada pelos acenos de Brasília na forma de propostas executivas e legislativas que passaram a aparecer em profusão no Congresso e que pretendem facilitar a entrega do patrimônio nacional aos ladrões de terras públicas, inclusive em áreas protegidas por lei”, diz nota do Greenpeace.
“Em 2017, por exemplo, a Lei nº 11.952/2009 que trata da regularização fundiária de posses em terras públicas federais na Amazônia Legal foi modificada, o que resultou na anistia para invasões de terras públicas com área de até 2.500 hectares ocorridas entre 2005 e 2011, com prejuízo estimado aos cofres públicos entre R$ 81 e 118 bilhões em subsídios para compra dessas áreas”, continua.
De acordo com a organização, desde então, “novas modificações têm sido pleiteadas através de portarias, decretos, medidas provisórias, projetos de lei e instruções normativas do Incra. As mudanças visam a sempre favorecer grandes e médios posseiros ou anistiar crimes em escalas cada vez maiores”, denuncia.