Tribunal Regional do Trabalho investiga denúncias em diversos Estados. “Ameaças a trabalhadores para tentar coagir a escolha em favor de um ou mais candidatos ou candidatas podem ser configuradas como prática de assédio eleitoral”
Pelo visto, o empresário Luciano Hang fez escola no Brasil. Em 2018, durante a eleição presidencial, Hang, que é dono da rede de lojas Havan, também conhecido como “Veio da Havan”, coagiu funcionários seus a votarem em Jair Bolsonaro, candidato apoiado por ele.
Neste ano, antes e após a disputa no primeiro turno, casos como esse eclodiram de Norte a Sul do país. A cada dia, surgem novas denúncias dando conta de que patrões ou gerentes de empresas estão ameaçando funcionários e fornecedores e tentam induzi-los a que votem no atual presidente, candidato à reeleição pelo PL.
A prática é criminosa e ataca o direito de escolha dos eleitores e se constitui em mais uma agressão à democracia em meio ao processo eleitoral. Em resposta às ações criminosas, na terça-feira (4) o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul, divulgaram uma nota conjunta sobre o tema.
A nota reforça “que o exercício do poder do empregador é limitado, entre outros elementos, pelos direitos fundamentais da pessoa humana, o que torna ilícita qualquer prática que tenda a excluir ou restringir a liberdade de voto dos trabalhadores”.
Os dois órgãos sustentam que, “ameaças a trabalhadores para tentar coagir a escolha em favor de um ou mais candidatos ou candidatas podem ser configuradas como prática de assédio eleitoral e abuso do poder econômico do empregador, passíveis de medidas extrajudiciais e/ou judiciais na esfera trabalhista”.
Destaca ainda que, “mais do que violações das normas que regem o trabalho, a concessão ou a promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou de coação para influenciar o voto são crimes eleitorais”.
Nesta quinta-feira (6), O Ministério Público do Trabalho do Paraná abriu inquérito civil contra a empresa Concrevali, do ramo de concreto, por pressionarem seus funcionários para a depositar o voto em Jair Bolsonaro.
“Diante da instabilidade política e possível alteração de diretrizes econômicas no Brasil após os resultados prévios do pleito eleitoral deflagrado em 2 de outubro de 2022 e, em se mantendo este mesmo o resultado no 2º turno, a empresa deverá reduzir sua base orçamentária e o número de colaboradores para o próximo ano em pelo menos 30%”, diz o comunicado da empresa.
Só na terça-feira- dois dias após a realização do primeiro turno – o MPT e a Defensoria Pública da União (DPU) receberam duas denúncias que relatam episódios de chantagem por parte de empresários, que se somam a uma série de denúncias do mesmo teor recebidas nos últimos meses.
Um dos casos de com grande repercussão, trata de uma carta enviada pela Stara, empresa que vende máquinas e implementos agrícolas, aos seus fornecedores. O documento, assinado pelo diretor administrativo financeiro da empresa, Fabio Augusto Bocasanta, diz que, “em se mantendo este mesmo resultado (vitória de Lula) no 2º turno, a empresa deverá reduzir sua base orçamentária para o próximo ano em pelo menos 30%”. A Stara é sediada em Não-Me-Toque (RS).
Outro caso, também no estado gaúcho, é o da Extrusor, empresa com sede em Novo Hamburgo, que comercializa máquinas e peças para a indústria do plástico. Uma carta em nome da Extrusor enviada aos fornecedores afirma que, com Lula eleito, ela passará a funcionar apenas de forma virtual, cortando contratos. A DPU no Rio Grande do Sul está analisando as medidas cabíveis.
A denúncia sobre a Stara chegou primeiro à ouvidoria da Defensoria do Estado do Rio Grande do Sul, que a encaminhou à DPU. Já o caso da Extrusor, foi identificado pela DPU através das redes sociais. No âmbito da Justiça do Trabalho, ambas as cartas configuram assédio moral, segundo o defensor público Daniel Cogoy, de Porto Alegre, responsável por acompanhar os casos.
“A gente vai atuar em duas frentes: por um lado vamos oficiar essas empresas, informando que essa atitude viola o direito fundamental de livre escolha de voto. Isso não pode ser feito”, adverte Cogoy. “Por outro, vamos cobrar delas que se retratem perante os trabalhadores e fornecedores”, disse à Piauí.
Além disso, de acordo com ele, a DPU está entrando em contato com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e o Ministério Público do Trabalho para que as duas instituições analisem se houve crime ou ilícito trabalhista e, sendo o caso, apresentem uma denúncia na Justiça contra as duas empresas.
A DPU criou recentemente um observatório para receber denúncias de assédio moral e violência política. É possível também acionar o Ministério Público do Trabalho por meio do site, clicando na aba “denuncie”.
“Prezando pela saúde financeira da nossa empresa e também da estabilidade dos negócios de nossos parceiros comerciais, nos sentimos na obrigação de informar que, caso os resultados da eleição se mantenham da mesma forma atual, ao fim do ano passaremos a nossa empresa da forma física para a forma virtual, mantendo nosso trabalho apenas na internet”, diz trecho da carta da Extrusor, assinada pelo administrador da empresa Vilson Mossmann.
Assim sendo, não teremos mais a necessidade de serviços, peças e insumos no comércio local, diz Mossmann. “Agradecemos a parceria até o momento e continuamos com a confiança de um futuro melhor, que possa ser exemplo para nossos filhos e netos, baseado nas nossas decisões de hoje”, finaliza.
Outro caso de coação de funcionários foi registrado em São Miguel do Guamá, a 140 km de Belém, no Pará, e chegou ao conhecimento das autoridades. Na manhã de terça-feira, passou a circular na internet um vídeo de trabalhadores de uma empresa de cerâmicas sendo ameaçados pelo patrão.
Um empresário afirma que, se Lula for eleito, suas três empresas irão fechar. “Eu sei que aqui nem todo mundo é Lula, mas nós tem que se unir para que ele não ganhe (sic), diz o patrão aos trabalhadores. Além disso, ele promete “presentear” os funcionários com duzentos reais no caso de vitória de Bolsonaro.
Responsável pela Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT, a procuradora Adriane Reis afirmou que desde agosto denúncias desse tipo têm sido reportadas ao órgão e estão sob investigação.
“Constituem assédio moral e ofendem a liberdade de orientação política. Entendemos que há assédio eleitoral, que é uma espécie de assédio moral”, afirmou. A maioria das denúncias, segundo a promotora, se assemelham às cartas que circularam nos últimos dias. Ela explicou que que, em seu entendimento, ameaças dessa natureza podem também configurar crime eleitoral, cabendo atuação da Justiça Eleitoral.
Em Alagoas, o MPT instaurou procedimento, também na terça-feira, para apurar a coação de voto feita pela empresária e influenciadora digital Natália Monteiro Guimarães, proprietária da Closet Fox Brasil. Natália publicou um vídeo em seu perfil no Instagram em que obriga funcionários a votar em Jair Bolsonaro.
No vídeo, que teve grande impacto nas redes sociais, a dona da loja de roupas questiona sua funcionária se ela votará em Lula (PT) e se a resposta for positiva, ela seria demitida. “Eu te demito, eu dou suas contas”, ameaça.
“Se eu souber que você votou no Lula, vou colocar você para fora. Aqui é boca de urna!”, afirma a dona da loja de roupas, que apagou o vídeo após a repercussão negativa.
A atitude revoltou internautas. “Não tem vergonha de coagir funcionários e ainda posta no story”, questionou um deles.
Já outro internauta, que é advogado, se ofereceu para defender, gratuitamente, a trabalhadora e outros funcionários caso eles quisessem entrar com uma ação trabalhista.
A assessoria de comunicação do MPT no estado informou que “abriu procedimento na manhã de hoje, 4, para apurar a denúncia de coação eleitoral sofrida pelos trabalhadores. A “Notícia de fato” referente à denúncia está registrada com o nº 001474.2022.19.000/7. O procedimento será distribuído a um procurador do MPT, que adotará as medidas cabíveis sobre o assunto”, disse o órgão.
Outro caso que repercutiu nos últimos dias se deu também no Nordeste, em Pernambuco, onde uma funcionária de Recursos Humanos da rede Ferreira Costa foi demitida após ameaçar, nas redes sociais, demitir profissionais que apoiam o PT. “Se tiver demissão em massa, vou fazer de tudo para começar pelos petistas”, escreveu.
Pelo crime de coação a funcionários, em maio último, A 4ª Turma do TRT da 2ª Região condenou a Havan a pagar indenização por dano moral a uma auxiliar de vendas em virtude da prática coação por Luciano Hang.