Sete entidades de juízes, juristas e policiais assinaram uma carta pedindo para que os senadores neguem a indicação de André Mendonça, atual advogado-geral da União (AGU) de Bolsonaro, para o Supremo Tribunal Federal (STF). O grupo afirma que Mendonça tem “perfil teocrático, incompatível com o cargo que almeja”.
Jair Bolsonaro disse que iria indicar para o STF alguém que fosse “terrivelmente evangélico”.
“Em contrariedade à laicidade imperativa, além da proclamação pública do Presidente da República em selecionar o candidato com base em sua filiação religiosa em detrimento da formação jurídica e humanística, o próprio indicado, em numerosas ocasiões, reafirmou, em seu favor, seu perfil teocrático, incompatível com o cargo que almeja”, afirma a carta.
“Não se trata de intolerância ou resistência religiosa à fé ou filiação espiritual de quem quer que seja, mas da defesa de um valor basilar e central no constitucionalismo ocidental: a separação entre religião e Estado”, continua.
André Mendonça por diversas vezes reafirmou que é “terrivelmente evangélico” e defendeu, em uma ação no STF, o direito das igrejas de furarem quarentena determinada nos Estados e municípios.
“Não há cristianismo sem vida em comunidade, sem a casa de Deus e sem o ‘dia do Senhor’. Por isso, os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, argumentou o indicado por Jair Bolsonaro.
O STF decidiu de maneira contrária à posição do governo.
O documento assinado pelas entidades também cita outros momentos da carreira de André Mendonça que mostram que ele é despreparado para o cargo, sem “notório saber jurídico”.
Na verdade, Mendonça sempre atuou no governo como se fosse advogado particular de Bolsonaro e não como advogado da União.
Quando foi ministro da Justiça, depois que o ex-juiz Sergio Moro pediu demissão e denunciou a pressão que sofria de Jair Bolsonaro para que trocasse o diretor-geral da Polícia Federal para proteger seus aliados, André Mendonça entrou com uma ação no STF para tentar impedir que o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, tivesse que prestar depoimento no inquérito das fake news na própria Corte.
Para as entidades, “a justificativa” apresentada por Mendonça “demonstra completo desconhecimento acerca da liberdade de expressão, utilizada de forma desconexa para impedir a averiguação de atos ilícitos”.
A carta também lembra de quando André Mendonça ordenou a abertura de um inquérito contra opositores do governo. Ele pediu que fosse investigada autoria de um outdoor que comparava Jair Bolsonaro a um “pequi roído”.
O outro foi contra o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), por ter ter falado das rachadinhas que Bolsonaro e seus filhos faziam em seus gabinetes.
Rachadinha é quando um parlamentar pega parte do salário de seus assessores para si. No caso da família Bolsonaro, eles indicavam assessores fantasmas para poder pegar até 90% dos salários.
“Diante de tantas demonstrações de absoluta entrega à ideologia bolsonarista, a indispensável imparcialidade ficará inevitavelmente comprometida para julgar temas sensíveis ao governo e outros que, de algum modo, interfiram nos projetos do atual Presidente da República”, afirmam as organizações.
André Mendonça “maculou sua atuação ao procurar servir a dois senhores: a facção evangélica fundamentalista que lhe dá sustentação, viabilizando pauta de costumes contrária ao pluralismo e à laicidade; e os desígnios do Presidente da República, por mais injurídicos e inconstitucionais que fossem, ainda que importassem na perseguição dos críticos ao governo, com instrumentos típicos de regimes de exceção”.
A carta é assinada pelas entidades: Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Coletivo por um Ministério Público Transformador (Coletivo Transforma MP), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação Advogadas e Advogados Públicas para a Democracia (APD), Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA) e Movimento Policiais Antifascismo.