Encurralado pela corrupção revelada pela “Lava Jato Espanhola” e desgastado por 7 anos como cão de fila em Madrid da austeridade de Merkel, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy foi destituído por voto de censura no parlamento em Madri nesta sexta-feira (1), e será substituído pelo líder dos socialistas (PSOE), Pedro Sánchez, cuja nomeação já foi assinada pelo rei Felipe VI.
29 figurões do Partido Popular de Rajoy e empreiteiros amigos da casa haviam sido condenados conjuntamente a 351 anos de cadeia, e a polícia estava querendo saber quem era o “M. Rajoy” que aparecia no organograma da “corrupção institucionalizada”. O PP foi condenado pela mais alta corte espanhola a pagar multa de 250 milhões de euros por corrupção ativa, caixa 2, fraudes, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Foi ainda sob Rajoy que as mais duras medidas da Troika foram aplicadas para salvar bancos.
O desfecho no parlamento já era aguardado desde a véspera, após decisão de um partido nacionalista basco de unir-se ao voto de censura do PSOE já apoiado pelo Podemos e outras forças menores, e com Rajoy deixando o parlamento para se refugiar num bar por oito horas, o que virou tema de memes irônicos nas redes sociais.
A destituição foi decidida por 180 votos a favor, 169 contra – o Ciudadanos acompanhou o PP – e apenas uma abstenção. Desde a queda do franquismo há 40 anos, foi a primeira vez que um voto de censura passou. Até à semana passada, Rajoy ainda detinha maioria no parlamento, mas a condenação do PP por corrupção erodiu rapidamente sua base.
Nas últimas eleições, o PP já havia encolhido e só pôde formar um governo minoritário, porque a ala do PSOE ligada ao ex-primeiro-ministro Filipe González havia destituído Pedro Sánchez da cabeça do partido, levando a legenda a se abster e dar a vitória a Rajoy. Gonzáles, cujo governo na década de 1990 também acabou envolto na corrupção e denúncias de terrorismo de estado, andou por aqui dando conselhos ao PT sobre como lidar com a Lava Jato e evitar um “governo dos juízes”.
Sanchéz deu a volta por cima e agora está anunciando que a “democracia na Espanha abre uma nova página”, para “recuperar a dignidade das instituições” e para “construir um país que não deixe ninguém no caminho”. Mas, na verdade, foi a sujeição do então governo do primeiro-ministro socialista Jose Luis Zapatero aos ditames iniciais da Troika e de Berlim que abriu na época o caminho para Rajoy, com seu séquito de “reformas” anti-sociais, desemprego estratosférico, despejos em massa e propinoduto.
O que Sánchez tentara, e fora impedido por Gonzáles, foi acompanhar a experiência do outro lado da fronteira ibérica, com os socialistas portugueses retornando ao poder com um programa de recuperação das perdas mais gritantes do arrocho da Troika, em conformidade com os comunistas e o Bloco de Esquerda (que não participam do governo, mas o sustentam enquanto sustentar os compromissos).
Sanchéz também se dirigiu ao governo separatista da Catalunha, que assume oficialmente nesta sexta-feira, com uma proposta de diálogo. “Este governo quer que a Catalunha esteja na Espanha e escutará a Catalunha”, declarou o novo primeiro-ministro. O que indica a possibilidade de vir a ser suspensa a intervenção imposta desde outubro à região.
Mas, como a crise na Itália acentua, e o Brexit na Inglaterra e a longa espera para formar um governo na Alemanha revelam, não se pode ver a reviravolta na Espanha apenas à luz das questões internas.
Afinal, a Espanha integra a “prisão do euro”, como a chamou o recentemente vetado Paolo Savona. A população européia está farta com o arrocho para a imensa maioria, o corte de direitos que não cessa, o desmonte do Estado, a corrupção, enquanto que uma concentração de riqueza sem precedentes escoa para meia dúzia de magnatas, bancos e especuladores, sob os ditames de Berlim e da ocupação de Washington, e as feridas de 2008 não fecham.
A.P.