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“Os trabalhos são pautados pela legalidade constitucional. A impunidade é outra face da desigualdade”, escreveu o relator da Operação, em relatório ao novo presidente do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF), nos próximos anos, parece destinado a ter juristas na sua presidência. Não é uma garantia de que o justo predominará nas decisões da Justiça, mas, depois da gestão Toffoli, parece quase um alvorecer. Após os dois anos do ministro Luiz Fux virão, como presidentes do Supremo, a ministra Rosa Weber, o ministro Luís Roberto Barroso e o ministro Edson Fachin, atual relator da Operação Lava Jato no tribunal máximo do país.
Foi de Fachin o mais importante documento do STF nos últimos dias: seu relatório sobre a Operação Lava Jato, apresentado ao novo presidente do Tribunal, Luiz Fux.
“O Brasil intenta, há muito tempo, quando menos desde a formação da República, debelar a renitente garantia da impunidade, dentro da legalidade constitucional e do respeito à liberdade”, escreve Fachin ao presidente do STF.
“Durante muito tempo”, diz o ministro referindo-se aos 21 anos de ditadura (1964-1985), “o peso forte do Estado sufocou a sociedade brasileira. A liberdade cedia espaço à força, à violência, à tortura e à censura.
“A sociedade resistiu. A sociedade fez a luta pela anistia e dela emergiu mais forte no longo processo constituinte. Em honra a essa luta a Constituição é aquela que rejeita todo e qualquer autoritarismo”.
“O peso do Estado foi sufocante, mas não precisamos diminuir o Estado, nem o tornar mínimo.
“É preciso Estado para levar médicos aos rincões do país.
“É preciso Estado para fazer valer as leis e a justiça em todas as comarcas do Brasil.
“É preciso Estado para levar educação a tantos brasileiros que ainda sequer a tiveram.
“A carência dos brasileiros é também carência de Estado”, sintetiza Fachin.
“O país vive um momento histórico: a sociedade cobra, com cada vez mais vigor, melhores serviços públicos e mais eficiência das instituições estatais.
“É preciso, portanto, fortalecer o Estado para atender a essas demandas.
“Sem olvidar dos avanços até aqui alcançados, o norte é sempre o de constituir um país mais justo e mais solidário”.
O ministro Edson Fachin entra, então, no problema do combate à corrupção.
“É um erro supor que essa busca por um país com justiça mais eficiente é ilusória.
“A ineficiência da Justiça dá mais incentivos à corrupção e à cooptação de instituições, criando indesejado ambiente em que a falta de isonomia propicia o incremento da pobreza.
“… a impunidade é outra face da desigualdade.
“Sem eficiência não há justiça, nem igualdade.
“Penso que é exatamente como um esforço por maior eficiência, que deva ser visto o trabalho de diversas instituições no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
“Tais esforços são, antes de tudo, frutos de uma histórica demanda por mais eficiência na justiça e por maior qualidade na prestação de serviços públicos”.
Fachin repele os sofismas daqueles que pretendem eternizar a corrupção, lançando a pecha de autoritarismo sobre o seu combate:
“É também um erro equacionar a luta pela responsabilização e o combate à impunidade com um aumento do ‘punitivismo’, assim como é errado imaginar que o programa da Constituição de 1988 foi o de criar amarras para a eficiência dos serviços públicos.
“A síntese de Ulysses Guimarães continua atual: a Constituição tem ódio e nojo da ditadura, mas ‘a corrupção é o cupim da República’.
“A polarização impõe um falso dilema à sociedade: ou se combate o ‘punitivismo’, ou retomaremos o arbítrio, como se o estado de coisas anterior, no qual grassou por anos a ineficiência e deitou raízes o cupim da República, fosse o único apanágio da democracia”.
Assim, Fachin aponta que são os pobres os que são punidos – a impunidade dos corruptos é uma das faces mais cruéis da desigualdade.
“Um olhar sobre a seletividade do sistema penal pode quiçá auxiliar a compreensão do que também dizem os dados que seguem em anexo.
“A Justiça Criminal brasileira criou e mantém um sistema injusto, profundamente desigual entre segmentos mais abastados da sociedade e cidadãos desprovidos de poder econômico ou político.
“O sistema criminal é injusto e desigual para a parcela menos abastada da população e é leniente com os poderosos às voltas com práticas criminosas.
“Quem atesta esse fato? O CNJ.
“Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça do total aproximado de 800.000 presos, é a pobreza que está no cárcere; dos quase 35% dos presos sobre os quais há informação sobre escolaridade, 99% possuem apenas até o ensino médio incompleto, sendo expressiva a quantidade de analfabetos e aqueles somente com nível fundamental; a raça também é um ingrediente da seletividade punitiva: as pessoas presas de cor preta e parda totalizam 63,6% da população carcerária nacional, consoante dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de junho de 2017.
“E o mais grave: apenas 1,43% dos presos responde por crimes contra a Administração Pública.
“Por aí, se percebe com nitidez quem é, tradicionalmente, infenso à lei penal”.
NÚMEROS
Em seu relatório ao ministro Luiz Fux, presidente do STF, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, revela que desde que assumiu o cargo – após o trágico falecimento do ministro Teori Zavascki, em fevereiro de 2017 – já proferiu 11.862 relacionadas à Operação de combate à corrupção.
“Os trabalhos [da Operação Lava Jato]”, escreve Fachin, “são pautados pela legalidade constitucional e vão de encontro à renitente garantia da impunidade que teima em fazer a ‘viagem redonda da corrupção’”.
Somente em multas, nas 117 “colaborações premiadas” aceitas pelo STF, foram arrecadados quase um bilhão de reais (precisamente, R$ 927,2 milhões).
Existem, ainda, 32 inquéritos da Operação Lava Jato sob a responsabilidade do ministro Fachin e do STF.
Já foram julgadas cinco Ações Penais pela Segunda Turma do Supremo e duas outras estão em processo de julgamento.
Veja o Relatório de Dados da Operação Lava Jato no STF.
Veja o Relatório de Julgamentos Colegiados da Operação Lava Jato no STF.
V. documento de Fachin ao presidente do STF, Luiz Fux.
C.L.