O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, reagiu às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o conflito na Ucrânia e o envolvimento dos EUA e a União Europeia (UE) na guerra, feitas durante sua recente visita à China, onde cumpriu extensa agenda diplomática e comercial e encontrou-se com o presidente Xi Jinping.
Lula, na ocasião, afirmou que conversou com o líder chinês sobre a guerra na Ucrânia e defendeu a criação de um grupo de países dispostos a buscar a paz na região, ao tempo em que sustentou que os Estados Unidos e a UE também busquem a pacificação na região e parem de incentivar o conflito que já se prolonga por 14 meses, através do fornecimento de armas e verbas bilionárias por intermédio da OTAN.
“É preciso ter paciência com o presidente da Rússia, é preciso ter paciência com o presidente da Ucrânia. Mas é preciso, sobretudo, convencer os países que estão fornecendo armas e incentivando a guerra pararem”, disse Lula a jornalistas em Pequim durante a exitosa viagem que, além de fortalecer os laços de amizade com a China, ensejou a celebração de inúmeros acordos em áreas estratégicas que serão benéficos aos dois países e, no caso do Brasil, em investimentos para sua reindustrialização sem a alienação do patrimônio público – agenda prioritária do atual governo.
O representante do governo dos EUA considerou “profundamente problemáticas” as declarações de Lula.
“É profundamente problemático como o Brasil abordou a questão de forma substancial e retórica”, afirmou o secretário, deixando claro, mais uma vez, que os Estados Unidos e a União Européia não estão interessados na paz e, sim, na manutenção da guerra.
Kirby considerou que Lula “está a repetir propaganda russa e chinesa sem olhar para os fatos”.
Que fatos, cara pálida?
O fato do governo ucraniano ter se tornado um poder de caráter nazifascista, que, durante tempos, incentivou a propaganda contra a Rússia, armando sua escória miliciana para patrocinar as mais diversas atrocidades, inclusive contra sua população?
O fato de Zelensky ter defendido a adesão do país à OTAN para disponibilizar o território ucraniano às bases militares do Atlântico Norte, nas barbas da Rússia, mesmo depois de todas as advertências do Kremlin?
O fato dos governos dos EUA e de diversos países da UE terem mobilizado bilhões de dólares em armamentos para fomentarem a guerra contra a Rússia, que, de forma legítima, promoveu ações especiais após várias tentativas de acordo e depois de inúmeros avisos prévios?
Aliás, o mesmo não aconteceu quando a Casa Branca colocou suas patas, não há muito tempo, na Líbia, no Iraque e no Afeganistão, para ficar apenas nesses exemplos, países, por sinal, muito distantes da América, do outro lado do oceano, ao contrário da Ucrânia que tem extensa fronteira com a Rússia e cujo governo tem representado uma real ameaça aos interesses soberanos russos.
Nesses episódios, onde estava o consórcio de países, especialmente os europeus, que hoje condenam a Rússia? Melancolica e servilmente ao lado dos Estados Unidos…
O secretário norte-americano foi mais longe ao recusar a ideia da Ucrânia ceder o território da Crimeia como uma concessão pela paz, pois, segundo ele, os argumentos do Brasil “estão simplesmente errados”, na medida que qualquer tentativa que leve ao fim do conflito, decididamente, não está nos planos de Washington.
E não estão por uma razão muito simples.
Ao governo dos Estados Unidos, bem como aos seus capachos europeus, o objetivo estratégico é a preservação da guerra, pois o que está em jogo é o interesse da poderosíssima indústria de armamentos dos Estados Unidos, “a locomotiva” de sua cambaleante economia, que, há décadas, sequestram, ao lado do setor financeiro e do monopólio petrolífero e midiático, as administrações que se revezam na Casa Branca, democratas ou republicanos, e configuram a mais dissimulada das ditaduras contemporâneas.
Por isso foi tão “problemática” a declaração de Lula, que, mesmo não tendo feito qualquer declaração de apoio ao presidente Vladimir Putin, da Rússia, expressou, durante sua visita à China, uma posição absolutamente coerente com a política independente e soberana da diplomacia brasileira ao longo dos tempos, bruscamente interrompida por Jair Bolsonaro pela sua inescrupulosa submissão aos interesses mais apodrecidos do império norte-americano.
Aliás, historicamente, os EUA, desde o final da 2ª grande contenda mundial, quando esteve em jogo a guerra ou a paz, preferiu a primeira no lugar da segunda, em várias partes do mundo, não sem antes terem jogado, covardemente, duas bombas atômicas contra o Japão, na torpe e frustrada tentativa de intimidar a União Soviética.
Foi assim na Coreia e no Vietnã. Não foi diferente no Laos, no Camboja, no Sudão e no Iêmen. O fato repetiu-se no Iraque e na Líbia, e prosseguiu no Afeganistão por longos 20 anos. Isso sem falar no incentivo à Israel na guerra ensandecida e crônica contra os palestinos, bem como nas agressões à Síria.
Ao todo, calcula-se que as guerras patrocinadas, direta ou indiretamente, pelos Estados Unidos tenham provocado dezenas de milhões de mortes, inclusive de seus compatriotas.
Por conta das invasões que encabeçou e dos artefatos bélicos que despejou, deixou por toda parte um rastro de mortes, destruição e miséria.
Registre-se, ainda, as inúmeras ações subterrâneas e criminosas promovidas pela CIA e seus tentáculos para promover e produzir ditaduras e governos fantoches em todo mundo. As razões de fundo, sempre, seus interesses econômicos, comerciais e geopolíticos, disfarçados no pretexto surrado, hipócrita e desavergonhado da defesa da democracia.
Que “democracia” é essa, sr. Kirby? A democracia sustentada pelas centenas de bases militares espalhadas por todo Planeta, em número quatro vezes superior às representações diplomáticas de seu país?
Os exemplos de Lincoln e Roosevelt, para ficarmos restritos apenas aos dois maiores estadistas norte-americanos de todos os tempos, foram apagados de vez da memória dos mandatários dos EUA dessas últimas décadas?
Por uma questão de justiça, os poucos, no governo ou fora dele, que tentaram inverter essa lógica, ou foram mortos, como Kennedy, ou desprezados, como Carter.
Afinal, a ordem é o estímulo às guerras para preservação de seus mesquinhos e putrefatos interesses.
Que se dane a paz!
A paz conspurca contra esses interesses e, compreensivelmente, é, isto sim, problemática para Washington!
É natural, portanto, que a palavra paz na boca do presidente brasileiro tenha soado tão ruidosamente aos ouvidos do sr. Kirby, a quem é preciso que se diga: se existe algo “profundamente problemático” e, mais do que isso, criminosamente problemático, é essa postura doentiamente belicista, felizmente, cada vez mais isolada aos olhos da Humanidade – e não a lúcida, oportuna e feliz manifestação de Lula.
O secretário dos EUA também se incomodou com a visita do chanceler russo Sergei Lavrov ao Brasil e em outros países americanos. “Os líderes desses países devem pressionar o ministro dos Negócios Estrangeiros russos [Lavrov] para que a Rússia pare de bombardear cidades, hospitais e escolas ucranianas”, afirmou ardilosamente.
Algum assessor precisa dizer ao sr. Kirby que o Brasil, diferentemente do governo anterior, restabeleceu a sua soberania diplomática, assim como outros países latino-americanos que dispensam os conselhos oriundos da Casa Branca, boa conselheira para os interesses beligerantes dos EUA, mas péssima para nações que almejam um “novo tempo”, como defendeu os presidentes Lula e Xi Jinping, a partir da construção de um sistema multipolar que sepulte de vez o apodrecido hegemonismo norte-americano, servil, apenas, à casta industrial-financeira, mandatária daquele governo há décadas.
Kirby, referindo-se à agenda de Lavrov ao Brasil, foi mais longe ainda e, até cínico, em seus comentários, ao afirmar que os países que estão recebendo a visita do chanceler russo deveriam “encontrar tempo” nas suas “agendas lotadas” para se “encontrarem com as autoridades ucranianas”, numa clara, continuada e insuspeita defesa do governo nazifascista que se aboletou em Kiev, sustentado, hoje, unicamente, pela aliança espúria patrocinada pelos EUA via OTAN.
Diferentemente de Bolsonaro, certamente, Lula e outros colegas do continente não vão perder tempo com um sujeito que se transformou em marionete da Casa Branca.
MAC
Vou estudar mais essa situação para poder me manifestar