A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é a responsável por fiscalizar e adotar medidas contra surtos e epidemias, em 2020, em plena pandemia de Covid-19, teve o menor valor gasto para proteger as portas de entradas do país dos últimos 20 anos, segundo levantamento feito pela Associação Contas Abertas.
As informações vieram à tona após o caso do homem que desembarcou sábado (22) no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, com a variante indiana do novo coronavírus e passou por 3 cidades infectado sem que a Anvisa nada fizesse. A Situação acendeu o alerta para as falhas da vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras do Brasil.
De acordo com o levantamento, em 2020, a Anvisa gastou R$ 17 milhões em ações de vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras (PAFs). A despesa representa menos da metade do registrado em 2019: R$ 48,6 milhões. Em 2018, o total gasto foi de R$ 88 milhões. Em 2001, o total pago pela Anvisa foi de R$ 24,1 milhões, em valores atualizados pelo IPCA.
Nos últimos 20 anos, o maior valor gasto foi em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil: R$ 270,5 milhões, também em valores corrigidos pela inflação.
“Os número são impressionantes, inacreditáveis até, e mostram claramente descaso do governo com este setor. Já seria muito grave, e era grave, o fato de a Anvisa antes mesmo da pandemia estar despreparada para exercer a fiscalização e a vigilância sanitária em portos, aeroportos e zonas de fronteira. Agora, um ano depois da pandemia, a Anvisa estar ainda mais despreparada, a situação ter se agravado ainda mais, isso é o cúmulo do absurdo”, afirmou Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas.
Além da redução dos gastos com as fiscalizações sanitárias, a Associação Contas Abertas também averiguou que o número de servidores da agência também diminuiu em meio à pandemia de Covid-19.
A Anvisa fechou 2020 com 1.580 servidores. Em 2019, eram 1.726. Em 2016, ano do último concurso realizado pela Anvisa, eram 2.743 servidores.
O relatório de gestão de 2018 da Anvisa já alertava que “até 2020, a agência poderia ter uma baixa de 594 servidores, em especial nas PAF”, sigla para portos, aeroportos e fronteiras.
“As PAFs na Anvisa sempre foram deixadas em segundo plano. Nunca foram prioridade. A Anvisa, a partir de 2004, começou a formar seu quadro de servidores concursados, mas ela possui nas PAFs uma concentração altíssimas de servidores antigos, que eram dos ministérios e de outros órgãos. São eles que fazem esse trabalho [de vigilância sanitária em portos, aeroportos e fronteiras], mas que não tiveram renovação esses anos todos, não tiveram uma atenção, investimentos”, disse Cleber Ferreira, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências).
Além das baixas por aposentadoria, a Anvisa perdeu servidores para a Covid também. Durante o depoimento na CPI da Covid no Senado, o presidente da agência, Antonio Barra Torres, disse que servidores pediram voluntariamente para trabalhar em portos e aeroportos, e acabaram adoecendo.
“Para que os senhores tenham uma ideia, a hospitalização e a morte, é claro, já frequentaram e frequentam a Anvisa. Nós perdermos alguns já. Servidores que foram remanejados de locais voluntariamente. ‘Olha, eu quero ir para porto, aeroporto e fronteira’, que é onde se tem mais contato com pessoas, se arriscando ao contágio. ‘Eu quero ir porque eu sei que esse setor pode ser reforçado’. Tudo isso nós tivemos, revelou Barra Torres.
Descontrole
Para o ex-presidente da Anvisa e médico sanitarista, Gonzalo Vecina, o governo Bolsonaro não agiu para impedir a chegada da cepa indiana ao Brasil.
“Nós começamos a falar: ‘olha, essa cepa tem que ser contido nos portos, aeroportos e fronteiras, não pode chegar aqui no Brasil gente que tenha circulado pela Índia’. Não que a gente vá conseguir evitar que chegue. Nós somos um país muito grande e muito poroso, mas a gente pode retardar a chegada e retardar a chegada significa ganhar algum tempo para o processo de vacinação. E nós não fizemos isso”, disse Vecina.
“É uma decisão do Ministério da Saúde e do Ministério de Relações Exteriores, porque você vai criar um constrangimento para entrar no Brasil. E essa decisão o governo federal não tomou”, afirmou Vecina.