Dois projetos de lei orgânica que restringem o poder dos governos estaduais sobre as polícias civil e militar, defendidos pelo Governo Federal, estão sendo elaborados para serem enviados ao Congresso Nacional. As propostas estão sendo criticadas por governadores, que já se mobilizam para que os projetos sejam barrados.
Para os governadores, o texto, que foi divulgado pelo jornal Estadão, além de inconstitucional, abre espaço para ingerência do Planalto nas forças policiais.
Especialistas em segurança pública também alertam que o excesso de autonomia administrativa, financeira e funcional propostos pelos PLs pode criar um poder paralelo nos Estados.
Os projetos preveem medidas como a criação da patente de general para as PMs, e a criação de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União e mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais, que só poderão ser destituídos pelo governador com justificativa e “por motivo relevante devidamente comprovado”. No caso da Polícia Civil, o delegado-geral só poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira, e a dispensa, “fundamentada”, deverá ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos deputados.
Os projetos, que ainda não foram submetidos formalmente à Câmara, e estavam circulando só entre policiais, assim que foi divulgado pelo Estadão teve repúdio imediato dos governadores.
O governador de São Paulo, João Dória (PSDB), afirmou ao jornal que já mobilizou a bancada do Estado e que “outros governadores também estão mobilizando suas bancadas.” “Somos radicalmente contra”, afirmou Dória.
Para o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que é ex-juiz federal, a proposta é inconstitucional. “Creio que o Supremo [STF] declararia inconstitucional se isso um dia fosse aprovado no Congresso Nacional, na medida em que viola o princípio federativo e também por vício de iniciativa”, afirmou.
Segundo Flávio Dino, “matéria desse tipo só pode tramitar nas Assembleias Legislativas, por iniciativa privativa dos governadores. Logo, quem desejar debater deve buscar as instâncias competentes dos Estados”.
“Polícias Militares e Civis são órgãos estaduais. Logo, seus regimes legais são estabelecidos pelas Assembleias Legislativas, em obediência ao princípio federativo. E leis sobre organização administrativa e servidores públicos dependem de iniciativa privativa dos governadores”, afirmou Dino.
Wellington Dias (PT), governador do Piauí, que é presidente do Fórum de Governadores do Nordeste, afirmou em entrevista ao Estadão, que “nossa posição é manter o princípio constitucional do poder do eleito na escolha da equipe para as áreas executivas, e a segurança pública é uma delas.”
Para o sociólogo Luis Flávio Sapori, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), “é um retrocesso o que está para ser votado no Congresso, e a sociedade brasileira não está sabendo. São acordos intramuros. O projeto está muito de acordo com a perspectiva do governo Bolsonaro: há um alinhamento ideológico claro pela maior militarização e maior autonomia das polícias militares em relação ao comando político”, afirmou.
“A PM se torna uma organização sem controle político e civil, mais próxima do modelo de Forças Armadas e afastada do cidadão. As PMs vão sendo dominadas por interesses corporativos, para ter ganhos, e se afastando da sociedade”, ponderou o sociólogo.