Presidente da Apsen, Renato Spallicci, é antigo apoiador do presidente Jair Bolsonaro e, na pandemia, ganhou o Bolsonaro como “garoto-propaganda”
A empresa farmacêutica Aspen, principal fabricante de hidroxicloroquina do Brasil, assinou dois contratos de empréstimo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2020, no total de R$ 153 milhões, para investir em atividades de pesquisa e ampliar sua capacidade produtiva. O valor é sete vezes maior do que o crédito liberado para a empresa nos 16 anos anteriores somados.
O presidente da Apsen, Renato Spallicci, é antigo apoiador do presidente Jair Bolsonaro e, na pandemia, ganhou o Bolsonaro como “garoto-propaganda”.
Jair Bolsonaro, que defende o medicamento para tratar a Covid-19, mesmo com a ineficácia comprovada, exibiu a caixinha de hidroxicloroquina da empresa em diversas ocasiões: na posse do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde, em aglomerações em Brasília, em um encontro virtual dos líderes do G-20 e até para uma ema do Palácio do Alvorada.
O primeiro acordo, assinado em fevereiro de 2020, previa financiamento de até R$ 94,8 milhões para o plano de investimentos em inovação da Apsen no triênio 2019-2021. Desse montante, o banco desembolsou R$ 20 milhões em março do ano passado.
Segundo o BNDES, os recursos deste contrato não poderiam ser usados na fabricação de medicamentos já produzidos, como a hidroxicloroquina.
Já o segundo financiamento, de R$ 58,9 milhões, foi assinado em junho para “ampliar a capacidade produtiva e de embalagem no complexo industrial da Apsen, em São Paulo”. Os recursos aprovados neste acordo ainda não foram liberados pelo BNDES. As informações constam no site da instituição, que usa recursos públicos para oferecer empréstimos com juros abaixo dos praticados pelo mercado.
As vendas de hidroxicloroquina – que é eficaz contra malária e doenças reumáticas, segundo a bula –, ajudaram a Apsen a alcançar faturamento recorde no ano passado, próximo de R$ 1 bilhão. A Apsen é a líder do mercado nacional de hidroxicloroquina – e maior beneficiada pela comercialização recorde do produto em 2020. Sua medicação está no mercado há 19 anos e respondeu por 78% das vendas no ano passado, segundo a farmacêutica.
RECORDE
A hidroxicloroquina bateu recorde de vendas em 2020 após a defesa pelo governo Bolsonaro do “tratamento precoce” contra a Covid-19. Só em farmácias foram comercializadas 2 milhões de unidades (com pico em dezembro) – alta de 117% no ano em comparação a 2019, segundo o Conselho Federal de Farmácia.
Além de distribuir cloroquina no SUS, o Ministério da Saúde incentivou a automedicação, por meio de um aplicativo chamado TrateCov e em campanha publicitária, e adotou um protocolo clínico, batizado de “tratamento precoce”, que recomenda a droga no estágio inicial da doença.
Apesar disso, o governo federal lançou incentivos para respaldar a produção no país. Além de ampliar a fabricação pelo Laboratório do Exército e de usar os estoques da Fiocruz que seriam destinados ao programa de malária, o Executivo zerou o imposto de importação sobre a cloroquina, ainda em março de 2020.
O Itamaraty também intermediou negociações entre a Apsen e o governo da Índia, em abril, para destravar a liberação de matéria-prima.
Apesar de estudos comprovarem a ineficácia da cloroquina para o tratamento da Covid-19, a Apsen não se posicionou contra o uso do medicamento, como fez recentemente a norte-americana Merck em relação à ivermectina. O único comunicado oficial no site da farmacêutica brasileira, publicado em abril passado, trata a hidroxicloroquina como possível “cura” para a doença.