“Um fotógrafo polonês foi severamente agredido por policiais no centro de Kiev em plena luz do dia e praticamente à vista de todos no local”, relatou o correspondente da Folha e do UOL André Liohn
Após um estadia de cinco semanas na Ucrânia como correspondente do UOL e da Folha de São Paulo, o jornalista André Liohn decidiu neste domingo (27) abandonar o país “após o governo criminalizar a imprensa”. André descreveu inúmeros atos de censura das forças policiais e alertou para a manipulação que tenta responsabilizar a Rússia por crimes praticados por ucranianos.
“Desde o início da guerra, em 24 de fevereiro, um jornalista foi morto por semana, em média, na Ucrânia. A responsabilidade por essas mortes recaiu sobre as tropas russas, mas sabemos que a chance de que esses profissionais tenham sido mortos por ucranianos, e não por russos, é muito grande”, alertou.
Segundo o jornalista, a saída dele do país foi pela fronteira da Polônia em um furgão com gatos pertencente a uma entidade humanitária. “Havíamos saído de Kiev exatamente às 7 horas de domingo e já era quase 17 horas. Nosso plano era cruzar a fronteira e entrarmos na Polônia ainda naquela tarde. Faltavam pouco mais de 150 km e não esperávamos que fôssemos ser obrigados a permanecer por quase uma hora em um posto de comando controlado por soldados do Exército e policiais ucranianos. O lugar, que fica perto de Lvov é a cerca de uma hora da fronteira. Lá havia uma barreira de blocos de concreto que forçavam os carros a diminuir a velocidade em um inevitável zigue-zague para superá-las. Todos os agentes carregavam armas automáticas”, descreveu.
“’Por que vocês estão deixando a Ucrânia?’, me perguntou um dos policiais com um fuzil Kalashnikov preso próximo ao corpo, enquanto olhava minhas fotos, mensagens e atividades nas mídias sociais usando meu próprio telefone”, relatou.
Conforme André, “o fato de eu ter nascido no Brasil, mas viajar com um passaporte norueguês, também chamou a atenção do soldado que chegou a nos ameaçar, se não entregássemos a ele nossos telefones. Eu, um jornalista italiano e nosso motorista ucraniano entregamos então nossos celulares”.
O clima está muito tenso, relatou o jornalista, tanto é assim que “o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, decretou uma lei marcial que prevê até 12 anos de prisão para jornalistas que mencionem em seus artigos informações que possam, segundo o governo ucraniano, ser usadas pela Rússia para futuros ataques contra a Ucrânia”.
Entre os pontos previstos na lei, esclareceu o brasileiro, “jornalistas não podem mencionar locais, datas e outros dados específicos sobre eventos sem que autoridades da Ucrânia tenham antes autorizado a publicação”. “Dias antes, na cidade de Zaporíjia, no sudeste da Ucrânia, um grupo de policiais havia me abordado exigindo uma suposta password [senha] que provaria minha real identidade. Sem entender se eles estavam me testando com uma mentira, eu simplesmente disse a verdade: que nunca ninguém havia me dado nenhuma password. Por causa disso, fomos tirados do carro e interrogados como se fôssemos responsáveis por algum crime muito grave. No mesmo dia, outros fotógrafos foram levados contra a vontade para uma delegacia de Zaporíjia e mantidos lá até que seus empregadores, neste caso, a revista de um grande jornal norte-americano, conseguisse entrar em contato com autoridades locais provando a identidade dos fotógrafos”.
Entre outros absurdos, recordou, “um fotógrafo polonês foi severamente agredido por policiais no centro de Kiev em plena luz do dia e praticamente à vista de todos no local. Após apresentar sua credencial, ele ainda foi acusado de falsificar sua identidade, agredido fisicamente e exposto a violência moral”.
“As autoridades ucranianas foram alertadas e, até agora, não apresentaram nenhuma resposta. Nas redes sociais, jornalistas ucranianos estão manifestando publicamente medo dessas ações e perseguições. Eles – mais do que todos – são os mais vulneráveis em relação à censura e à violência do Estado”, sublinhou.
Para André Liohn, “como pode se comunicar diretamente com apoiadores nas redes sociais, o governo de Zelensky deixa de ter interesse em jornalistas que atuam com independência”. Diante desta realidade, assinalou, “neste momento, me pareceu coerente deixar a Ucrânia. Espero que, em breve, eu possa voltar”.
Liohn já vinha denunciando que milicianos ucranianos estavam sendo açulados a atacar jornalistas. Registramos estas denúncias na matéria relacionada: