Ter ignorado, sistematicamente, as ofertas para compra de imunizantes comprometeu completamente a organização de cronograma de vacinação. Quando o governo se ateve, diante do morticínio de brasileiros, para aquisição, em janeiro, “já existia escassez mundial de vacinas”, disse Covas
“Dr. Dimas, dia 20 de outubro [de 2020] me parece que foi o dia que o sr. ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, havia anunciado a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. O senhor pode só recapitular rapidamente para a gente como foram as tratativas até aí e se havia sido, naquele momento, assinado algum protocolo de intenções entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan para a aquisição dessas doses?”, perguntou o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ao diretor-presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas.
A partir desta pergunta, Dimas Covas apresentou a cronologia das tratativas do instituto com o Ministério da Saúde para aquisição dos imunizantes, até o momento que o presidente da República, Jair Bolsonaro desautorizou e cancelou qualquer possibilidade de negociar a compra da vacina CoronaVac.
“Nós temos até um cronograma. No mês de outubro, eu, pessoalmente fui três vezes ao Ministério da Saúde”, disse Dimas Covas. “Inclusive, essa data foi a última vez que eu fui ao Ministério da Saúde para tratar desse assunto”, acrescentou.
O diretor-presidente do Instituto Butantan compareceu, nesta quinta-feira (27), à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado, que investiga as ações, omissões e inações do governo federal em relação ao combate à pandemia da Covid-19. Esta foi a 11ª oitiva realizada pelo colegiado, quando os trabalhos investigativos completam um mês. A CPI foi instalada em 27 de abril.
Dimas Covas comentou que com os ataques à CoronaVac, principalmente os que partiam de Bolsonaro, o instituto passou a ter dificuldades com a entrada de voluntários na fase de estudo clínico.
“Nesse momento existia um ambiente conturbado, um combate muito exacerbado a essa vacina nas redes sociais. Inclusive tem um estudo recente da Universidade de São Paulo que mostra exatamente isso, qual foi o efeito desse ambiente, dessa discussão midiática em cima do desenvolvimento da vacina. Então, isso dificultou, inclusive, a velocidade de desenvolvimento do estudo clínico”, relatou Dimas Covas.
O diretor ainda se disse “decepcionado” com o tratamento dado ao instituto.
“O Butantan faz vacinas e produtos da mais alta qualidade. Ele é reconhecido internacionalmente. Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública brasileira, a qualidade da saúde pública brasileira – e Butantan é um exemplo disso. Então, de fato, essa campanha que foi feita pelas mídias sociais, desqualificando a vacina, desqualificando o Butantan, sem dúvida nenhuma, trouxe prejuízos à imagem”, disse.
Ele observou, no entanto, que após o início da vacinação, essa imagem do instituto “mudou muito”.
XEQUE-MATE
“Ocorreu alguma reunião presencial com o sr. Pazuello?”, perguntou Randolfe.
Dimas Covas: “Foram três reuniões e outras reuniões com os técnicos, porque nós estávamos trabalhando intensamente na construção de um instrumento jurídico, inclusive atendendo a uma norma técnica que foi expedida pelo ministério para tentar fazer uma medida provisória, aos moldes do que foi feito com a Fiocruz. Então isso, de fato, foi, naquele momento, um divisor de águas, quer dizer, a partir do dia 20, senador, essas tratativas simplesmente pararam.”
“Então, só para ficar claro, dr. Dimas: até o dia 20 ocorreram tratativas para a aquisição da vacina…”, continuou Randolfe, com afirmativa do diretor: “sim”.
Em seguida o depoente foi interrompido para que todos na CPI pudessem ver o vídeo em que Bolsonaro afirmou que não abria mão de dar a palavra final, na condição de presidente da República, sobre as tratativas e interditou as negociações entre o Instituto Butantan e o Ministério da Saúde.
TRATATIVAS INTERROMPIDAS
As tratativas avançaram até 20 de outubro de 2020. “No dia 20 foi a reunião de anúncio, onde [em que] foram convidados os governadores e as lideranças políticas do Senado, da Câmara, enfim, houve… Na realidade, seria até uma comemoração capitaneada pelo então ministro da Saúde no anúncio dessa vacina”, explicou Covas.
Essas tratativas diziam respeito, segundo o diretor-presidente do Instituto Butantan, à aquisição [pelo Ministério da Saúde] de “46 milhões” de doses do imunizante CoronaVac, disse Covas.
“Aí, depois disso, o ministro da Saúde, então o general Pazuello, que havia declarado e, inclusive, postado nas redes sociais a aquisição da vacina, ele encontra no dia seguinte com o presidente da República e acontece o quê?”, pergunta Randolfe. (procede-se à exibição de vídeo)
Randolfe Rodrigues: “A partir daí, o que ocorreu, depois desses acontecimentos?” “As tratativas não progrediram e, de fato, o único fato concreto foi a assinatura do contrato no dia 7 de janeiro”, respondeu o diretor-presidente do Instituto Butantan.
Só depois de todos esses atropelos, burocracias, interdições, negligências e centenas de milhares de mortes que o governo federal contratou, em janeiro. “O contrato saiu do sistema, veio um contrato de 46 [milhões de doses], que é o que foi assinado, com uma opção de 54. Essa opção de 54 milhões só foi feita no dia 15 de fevereiro”, explicou.
ATRASO MORTAL
“Esse ato de firmar primeiro 46 e depois, só depois, adicionar para 54: qual o impacto que o senhor indica que tem isso na velocidade da imunização no Brasil?”, questionou Randolfe.
Dimas Covas: “Primeiro, que mudou completamente o cronograma, quer dizer, se nós tivéssemos a assinatura dos contratos, com um quantitativo maior…” “De 100 milhões?”, perguntou novamente Randolfe.
Dimas Covas: “… de 100 milhões, o cronograma seria outro, como eu mencionei, não é? Poderia ter sido cumprido até maio, mas isso se houvesse a sinalização lá em outubro. Em janeiro já existia escassez mundial de vacinas. A própria Sinovac já tinha contratos com o governo da China, já tinha contratos com outros países, e nós entramos numa outra negociação”.
M. V.