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Ministro admitiu que “situação é crítica” mas base governista não se mexe para aprovar ampliação do recurso para o Ipen
O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, afirmou na última segunda-feira (27) que os R$ 19 milhões liberados para a retomada da produção de insumos para tratamento de câncer só garantem mais 15 dias de trabalho. A produção dos radiofármacos foi interrompida no dia 20 de setembro por falta de recursos do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).
O órgão enviou ofícios informando a interrupção da produção no dia 14. Mas somente na última quarta (22) o governo publicou o remanejamento dos R$ 19 milhões para retomar a produção. Há no Congresso um projeto, desde agosto, para abertura de crédito extra de R$ 34 milhões, mas a base do governo não se mobilizou para sua aprovação até agora.
Durante a audiência pública, o ministro reconheceu que, em caráter emergencial, o próprio ministério foi obrigado a remanejar R$ 19 milhões de outras despesas para reforçar o caixa do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que depende da compra de insumos importados para produzir os radiofármacos no País.
“Eu transferi R$ 19 milhões para poder suprir o Ipen com os insumos para retomar a produção, mas isso só dura duas semanas”, alertou.
Pontes sabe que não havia verba para remédios contra câncer desde junho de 2020. Ele admitiu o problema durante a reunião. Ele disse que o valor previsto pelo ministério da Economia no Orçamento deste ano poderia impactar na produção de radiofármacos usados por pacientes com câncer, como de fato ocorreu.
“Faltaram recursos para importação e produção de radiofármacos”, admitiu. “A parada causou o desabastecimento na rede hospitalar, afetando cerca de 700 mil procedimentos de medicina nuclear”, disse.
Os deputados Alexandre Padilha (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS), que sugeriam a vinda de Pontes, rebateram o que consideraram uma tentativa do ministro de dividir com o Legislativo a culpa pela interrupção na produção de radiofármacos.
“Quando o Congresso votou [o Orçamento] neste ano, em nenhum momento o líder do governo no Congresso, que conduz a votação da proposta, o ministro da Casa Civil ou da Economia reconheceram que isso poderia acontecer”, contestou Padilha. “O senhor está cobrando do Congresso, mas o governo demorou mais de cinco ou seis meses para reconhecer o problema e enviar o PLN para cá”, acrescentou.
Paulo Pimenta demonstrou surpresa com o fato de o governo ter tomado conhecimento da insuficiência orçamentaria do Ipen e não ter tomado medidas com mais rapidez. “Fico espantado que uma matéria como essa, da qual o governo tem conhecimento desde o começo do ano, não tenha provocado, por parte de suas representações no Congresso, nenhuma iniciativa. Tanto que nós estamos ouvindo pela primeira vez isso hoje”, afirmou o parlamentar.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que presidiu os trabalhos na comissão, destacou ainda que a votação do PLN 16/21 depende também da vontade dos líderes do governo nas duas Casas legislativas. Segundo a deputada, o governo poderia ter priorizado a votação da proposta ainda nesta semana. “O governo tem, sim, condições de já ter pautado esse PLN antes da data de hoje”.
Falta de medicamentos já afeta hospitais
No Rio Grande do Sul, especializado na realização de exames de imagem para diagnóstico e tratamentos em câncer, o Instituto do Cérebro da PUCRS reorganizou sua agenda de atendimentos em razão da interrupção no fornecimento de fármacos pelo Ipen.
Ainda que o governo federal tenha anunciado a liberação de R$ 19 milhões para o Ipen na semana passada, a produção vai demorar para chegar aos hospitais.
No instituto da PUC, que normalmente recebe de 60 a 70 pacientes semanalmente, os atendimentos caíram pela metade, com perspectiva de normalização na próxima, quando é esperada a chegada dos fármacos. A instituição informou que reorganizou sua agenda para que nenhum paciente deixe de ser atendido na instituição.
Insumos como tecnécio-99m, de amplo uso na medicina nuclear, iodo-131, lutécio e gálio ainda não terminaram, mas são insuficientes para os atendimentos desta semana.
Conforme a PUC, os critérios utilizados para as remarcações foram a quantidade de insumo disponível, a urgência dos pacientes e o tipo de exame. Os atendimentos caíram pela metade nesta semana.
Já no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, pacientes em tratamento de câncer seguem com atendimento, mas os exames diagnósticos estão praticamente parados. Cerca de 80 pacientes com doenças oncológicas, do coração, cérebro e problemas renais foram remanejados para a próxima semana.
Na segunda, foi o primeiro dia em que faltou o gerador de tecnécio, utilizado para as cintilografias, exame que detecta casos de câncer, risco de infarto e tromboembolismo pulmonar.
“Ainda temos um pouco de material que nos possibilita a realização de 30% da nossa agenda, o que nos obriga a priorizar os pacientes internados e os casos mais urgentes. Estamos sob controle, por enquanto”, ressalta Eduardo Vilas, médico do Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Conceição.
Os pacientes de tratamento com iodoterapia para combater o câncer da tireoide terão atendimento normalizado a partir de 13 de outubro.
A interrupção no fornecimento desses fármacos, segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), está impactando entre 400 e 450 clínicas, com prejuízo de até 9 mil pacientes por dia. A entidade, há meses, vem alertando o governo federal a respeito do problema. George Coura, presidente da SBMN afirmou que, segundo estimativas do setor, a importação dos produtos só conseguiria suprir no máximo 20% da demanda do material no país.
Em São Paulo, os hospitais dizem ter radiofármacos em estoque, mas temem pelo desabastecimento a partir da próxima semana. São os casos, por exemplo, do A.C. Camargo e do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP).
No Hospital de Amor (antigo Hospital de Barretos), referência em tratamento de câncer no País, a realidade é diferente. A instituição afirma que a maioria dos pacientes pode ficar sem o devido tratamento ou realização de exames em razão da falta dos radiofármacos. “Isso acarretará atraso nos tratamentos oncológicos, já que os exames são fundamentais para definir o tratamento de cada paciente”, disse Wilson Furlan Alves, coordenador do departamento de Medicina Nuclear do hospital.
Questionado sobre as orientações aos pacientes que dependem do tratamento e dos exames para acompanhar a evolução ou regressão da doença, o médico garante que serão informados. “Nesta semana, faremos contatos com os pacientes previamente agendados para suspender os exames até que o fornecimento dos radiofármacos e radioisótopos volte ao normal”, ressaltou.