Orçamento previsto para o Censo Demográfico era de R$ 2 bilhões e foi cortado em R$ 1,76 bilhões
A presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra, alerta que o corte de R$ 1,76 bilhão no orçamento de R$ 2 bilhões no Censo Demográfico, previsto para ocorrer em 2021, poderá inviabilizar a pesquisa.
“Sem o Censo em 2021, as ações governamentais pós-pandemia serão fragilizadas pela ausência das informações que alicerçam as políticas públicas com impactos no território brasileiro, particularmente em seus municípios”, afirma Susana Cordeiro Guerra, em artigo assinado com o diretor de Pesquisas, Eduardo Rios-Neto, publicado no site do IBGE.
A exclusão de R$ 1,76 bilhão consta do parecer final do relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC). “Temos o dever de alertar que esta decisão é extremamente preocupante para o país e, em função disso, fazemos um apelo aos demais parlamentares da CMO”, manifestam os dirigentes do IBGE.
“Os dados de população do Censo são utilizados para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e para uma série de outras transferências da União para estados e municípios, com impacto significativo. Em 2019, do montante total cerca de R$ 396 bilhões que foram transferidos pela União a estados e municípios, cerca de R$ 251 bilhões (65% do total) foram transferências que consideraram dados de população. A última contagem populacional foi realizada no Censo Demográfico de 2010, o que nos coloca distantes 11 anos desta contagem”, ressaltam no artigo.
“A defasagem afeta a qualidade das projeções populacionais para as unidades da Federação e das estimativas da população dos municípios. Essa incerteza favoreceu a promulgação da Lei 165/2019, que congelou os coeficientes do FPM nos valores de 2018 até a realização do Censo, com a expectativa de que ele ocorresse em 2020. Um eventual adiamento para 2022 aumentaria o risco de sua realização, por se tratar de um período em que as restrições orçamentárias serão ainda maiores do que em 2021”, enfatizaram.
Segundo a Agência Senado, a Comissão Mista de Orçamento deve se reunir nesta semana para analisar o parecer de Bittar e o texto deve ser votado na quarta-feira (24).
Além da manifestação de Susana Cordeiro Guerra, oito ex-presidentes do IBGE divulgaram uma carta aberta Pela preservação do Censo Demográfico 2021, assinada por Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti.
“Os dados do Censo Demográfico são a base para a transferência dos recursos do Fundo de Participação de Estados e Municípios, para a administração do Bolsa Família e para todas as políticas de educação, saúde e transferência de renda do governo federal, estados e municípios. E é ele, também, que traz confiabilidade para as pesquisas amostrais de emprego, saúde e educação do IBGE e outras entidades públicas e privadas”, afirmam os ex-presidentes do IBGE que conclamam “Senadores e Deputados, membros da Comissão Mista do Orçamento, que preservem os recursos do censo e não deixem o país às cegas”.
Reproduzimos a seguir a nota da presidente do IBGE.
Mais do que nunca, o Censo é necessário
Por Susana Cordeiro Guerra* e Eduardo L. G. Rios-Neto**
O Censo Demográfico, previsto para ocorrer em 2021 com um orçamento de R$ 2 bilhões, sofreu um corte de R$ 1,76 bilhão, segundo o parecer final apresentado pelo relator-geral da Comissão Mista Orçamentária (CMO) do Congresso Nacional. Temos o dever de alertar que esta decisão é extremamente preocupante para o país e, em função disso, fazemos um apelo aos demais parlamentares da CMO.
O primeiro Censo Demográfico brasileiro foi feito em 1872 e, desde 1920, tem sido realizado decenalmente, nos anos terminados em zero, com três exceções: não foi realizado em 1930 devido à Revolução; foi adiado de 1990 para 1991 no governo Collor; e, finalmente, foi adiado em 2020, em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Mais recentemente, a periodicidade decenal foi estabelecida pela Lei 8.184/91, que dispõe sobre a realização dos Censos Demográficos, no mínimo, a cada 10 anos, precisamente por sua importância para a Federação.
Os dados de população do Censo são utilizados para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e para uma série de outras transferências da União para estados e municípios, com impacto significativo. Em 2019, do montante total cerca de R$ 396 bilhões que foram transferidos pela União a estados e municípios, cerca de R$ 251 bilhões (65% do total) foram transferências que consideraram dados de população. A última contagem populacional foi realizada no Censo Demográfico de 2010, o que nos coloca distantes 11 anos desta contagem. A defasagem afeta a qualidade das projeções populacionais para as unidades da Federação e das estimativas da população dos municípios. Essa incerteza favoreceu a promulgação da Lei 165/2019, que congelou os coeficientes do FPM nos valores de 2018 até a realização do Censo, com a expectativa de que ele ocorresse em 2020. Um eventual adiamento para 2022 aumentaria o risco de sua realização, por se tratar de um período em que as restrições orçamentárias serão ainda maiores do que em 2021.
Além de ser um instrumento fundamental para o pacto federativo e a calibragem da democracia representativa, a contagem da população permite a determinação dos públicos-alvo de todas as políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal. Para destacar o caso mais em evidência, o da pandemia, o Censo Demográfico permitirá detalhar a população em risco (por idade e sexo) para campanhas de vacinação, destacando as condições de infraestrutura domiciliar e arranjos domiciliares que favorecem maior ou menor difusão do contágio. Além disso, as condições de superação e recuperação no período pós-pandêmico serão também calibradas por estes dados. O mesmo tipo de pensamento é válido para as áreas de educação, com o cálculo das taxas de cobertura, assim como para a política de transferência de renda, como o Bolsa Família e auxílios emergenciais. Também os dados de ocupação, que incluem os setores formal e informal da economia, viabilizarão a elaboração de planos de desenvolvimento local, planos plurianuais municipais, planos diretores, entre outras atividades de mitigação da pobreza e formulação de políticas de emprego.
O IBGE está, desde 2020, se preparando para realizar o Censo Demográfico diante das adversidades relativas à pandemia, inovando no aprimoramento das formas de trabalhar. A avaliação estratégica da evolução desta segunda onda da pandemia, aliada às experiências bem-sucedidas na condução da PNAD Contínua e PNAD Covid-19, nos dá a confiança necessária para a condução do Censo em 2021, calcada em três pilares.
O primeiro pilar privilegia, antes de mais nada, a saúde e a segurança. Temos discutido, nacional e internacionalmente, os casos de sucesso nos protocolos de saúde que protejam não só os recenseadores, como também os moradores dos domicílios visitados. Consideramos flexibilizar o cronograma, reavaliando a data de início da operação censitária, em função da situação sanitária, garantindo maior segurança no processo.
O segundo pilar privilegia um modelo misto de coleta. O modelo preferido é o recenseamento presencial, com o uso dos dispositivos móveis de coleta (CAPI). Entretanto, se as condições específicas da localidade e dos setores censitários não permitirem o CAPI devido às condições de saúde, realizaremos entrevista telefônica com dispositivo móvel de coleta (CATI), conforme utilizado com sucesso em 2020, tanto na PNAD Contínua quanto na PNAD Covid-19. O autopreenchimento do questionário, por intermédio da internet (CAWI), é a terceira âncora do modelo misto, a ser utilizado no caso daqueles domicílios com resistência à realização de entrevistas.
Finalmente, o terceiro pilar associa-se ao uso de tecnologias de fronteira na operação censitária, que garantem o monitoramento e a supervisão da cobertura, por intermédio de painéis eletrônicos (dashboards), que avaliam a operação em tempo real. Contamos, ainda, com o Projeto GradePop, que compara a coleta de dados com a estimativa da densidade domiciliar no nível dos setores censitários, com ajuda de mapas. Por fim, o avanço do uso do ensino à distância (EAD) permite o treinamento dos recenseadores e operadores de campo com distanciamento, aumentando a segurança da operação.
A defesa do Censo Demográfico é crucial não apenas para o pacto federativo, mas também para a geração de dados que permitam solucionar os enormes desafios impostos ao país. Diante do exposto, defendemos o cumprimento da nossa missão enquanto gestores de um instituto de estatística, que tem como uma das principais atribuições a realização do Censo Demográfico. Sem o Censo em 2021, as ações governamentais pós-pandemia serão fragilizadas pela ausência das informações que alicerçam as políticas públicas com impactos no território brasileiro, particularmente em seus municípios.
*Presidente do IBGE
**Diretor de pesquisas do IBGE
O artigo foi publicado originalmente no jornal O GLOBO, na segunda-feira (22 de março).