Documentos da CPI divulgados pela Folha mostram atuação do Ministério da Economia contra cláusula que facilitaria compra dos imunizantes. Enquanto Guedes criava empecilhos para a compra de vacinas, governo Bolsonaro se envolvia em outras transações suspeitas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe interferiram na elaboração da MP (Medida Provisória) 1.026/21, que tratou da aquisição de vacinas contra a Covid-19.
De acordo com os documentos enviados à CPI da Covid-19 no Senado, divulgados pela Folha de S.Paulo, nesta terça-feira (20), a equipe econômica barrou dispositivo que facilitava a aquisição de imunizantes da Pfizer e Janssen.
A cláusula vetada pelo governo autorizava a União a assumir eventuais riscos e custos de possíveis efeitos adversos da vacina. Tratava-se de exigência das farmacêuticas para negociar o imunizante em todos os países.
A reportagem mostra que tanto Guedes quanto o presidente Jair Bolsonaro “temiam” a ameaça de processos contra eventuais efeitos colaterais dos imunizantes. O risco de judicialização poderia aumentar o passivo financeiro da União.
VETO DE GUEDES/BOLSONARO
A MP foi publicada em 6 de janeiro, sem o artigo vetado por Guedes/Bolsonaro. Foi quando Bolsonaro declarou que o governo não se responsabilizaria, caso quem tomasse o imunizante da Pfizer “virasse jacaré”. Claro que isso era mistificação circense para complicar a compra dos imunizantes, boicotados pelo presidente da República.
Dessa estupidez deriva o morticínio de, em números de hoje, 543.542 brasileiras e brasileiros, que pereceram e produzem profundas consequências sociais, que perdurarão por anos.
Nesse sentido, tal decisão atrasou as negociações com os laboratórios norte-americanos, em pelo menos 8 meses, desde a primeira oferta.
O contrato para a aquisição de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer só foi assinado em março. Mas só foi possível depois da aprovação da lei que repassou à União os riscos relativos à aplicação dos imunizantes.
Na sequência, o contrato com a Janssen, para a compra de 38 milhões de doses, também foi firmado.
DESMENTIDOS
O Ministério da Economia negou que participou das discussões da referida cláusula. A pasta afirmou que só foi chamada a se manifestar apenas na sanção da medida. Porém, os documentos enviados à CPI mostram a participação da equipe econômica desde dezembro, ainda no processo de elaboração do texto.
A CPI, se fosse encerrada após os três meses de trabalho, já teria justificado a instalação do inquérito, em 27 de abril. Talvez, salvo melhor juízo, esses desvendamentos não teriam vindo à tona sem a CPI. Por isso, o governo, em particular Bolsonaro, temia tanto as investigações em curso pela comissão, que se tornou um dos principais locus de confronto com o governo.
Além disso, em depoimentos à comissão, tanto o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, quanto o secretário-executivo Élcio Franco, atribuíram à equipe de Guedes resistências em levar adiante as negociações com a Pfizer.
O ESQUEMA POR TRÁS DA COMPRA DA ASTRAZENECA
A reportagem da Folha mostra que enquanto a cláusula de responsabilidade era discutida, o governo Bolsonaro se envolveu em transações suspeitas para a negociação de outros imunizantes.
Primeiro, o servidor da Saúde, Luis Ricardo Miranda, relatou pressões atípicas para a liberação da vacina indiana, a Covaxin. A CPI já desvendou as várias facetas desse esquema denunciado pelo servidor e o irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF).
Na sequência, o PM Luiz Paulo Dominguetti relatou pedido de propina de US$ 1 por dose numa suposta negociação para a compra de 400 milhões do imunizante da AstraZeneca.
30 MILHÕES DE DOSES DA CORONAVAC
Mais recentemente, a Folha também divulgou o envolvimento de Pazuello em negociações com intermediários para a compra de 30 milhões de doses da CoronaVac, por quase o triplo do preço oferecido pelo Instituto Butantan. E a CPI promete muito mais.
Na última quarta-feira (14), os trabalhos da comissão foram prorrogados por mais 90 dias. Isso quer dizer que as investigações sobre as ações, omissões e inações do governo na gestão da pandemia, sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, irão até o início de novembro.
Neste período do recesso parlamentar, que vai até dia 31 de julho (a comissão retoma as atividades em 3 de agosto), a comissão promete trabalhar analisando documentos e na montagem de estratégias de atuação para tornar o trabalho da CPI ainda mais eficaz.