FINIAN CUNNINGHAM*
Espantoso, não é? Os Estados ocidentais exigem veementemente sanções contra a Rússia por causa de alegações de assassinato não comprovadas e, francamente, tênues. No entanto, o autodeclarado líder do mundo ocidental, Donald Trump, se gaba abertamente de ordenar assassinatos. E nada além de silêncio se segue.
A ironia, pode-se dizer, está morta, ou melhor, assassinada por incontáveis violações do direito internacional pelo poder americano, com a cumplicidade silenciosa dos Estados ocidentais e da grande mídia. (Mais sobre isso em um momento.)
O dissidente político russo Alexei Navalny aparentemente se recuperou esta semana em um hospital alemão, depois de quase três semanas em coma. A Alemanha alegou que Navalny foi envenenado com um veneno letal para o sistema nervoso, acusando a Rússia de jogo sujo. Outros Estados ocidentais também implicaram Moscou e estão exigindo a imposição de sanções.
Uma vez que os alemães não forneceram nenhuma evidência para apoiar suas alegações ostensivas, ninguém pode realmente saber o que aconteceu com Navalny, exceto que ele foi levado da Rússia para Berlim em 22 de agosto sem mostrar sinais de envenenamento, de acordo com médicos russos que o examinaram detidamente. Os médicos russos concluíram que Navalny pode ter sofrido de choque diabético. Todo o caso está repleto de obscuridade e falta de devido processo, graças à notável falta de informação de Berlim – uma obstinação que viola as normas diplomáticas e legais.
O mesmo pode ser notado para o caso de Sergei Skripal, o ex-espião do MI6 que o governo britânico afirma ter sido envenenado por agentes do Kremlin em 2018. Novamente, como no caso Navalny, nenhuma evidência foi apresentada por Londres, embora a acusação britânica haja sido considerada boa moeda pelos Estados ocidentais que protestaram contra a Rússia com sanções punitivas.
Agora compare esta resposta ocidental reflexiva e hipócrita em relação à Rússia, baseada em boatos frágeis e afirmações complicadas, com o silêncio total em relação ao presidente dos EUA Trump e seus declarados esforços de assassinato.
Trump afirmou esta semana que queria ordenar o assassinato do presidente sírio Bashar al-Assad por causa de um suposto ataque com armas químicas em 2017. Acontece que Trump foi anulado pelo Pentágono, embora os EUA tenham realizado uma enxurrada de ataques aéreos contra a Síria.
Acontece também que o ataque com armas químicas foi provavelmente uma provocação falsa por militantes apoiados pelo Ocidente, de acordo com denunciantes da Organização para a Proibição de Armas Químicas, e conforme relatado pelo Wikileaks e The Gray Zone, entre outros.
Então, nesse caso, os ataques aéreos dos EUA foram um crime de guerra e o plano de assassinato abortado de Trump contra Assad teria sido o assassinato a sangue frio de um líder estrangeiro.
Trump se gabou de seu desejo de cometer assassinato esta semana. Assim como ele fez em várias ocasiões em relação à ordem real de assassinato do general iraniano Qassem Soleimani no início deste ano. Os Estados Unidos nunca apresentaram qualquer evidência na tentativa de justificar o assassinato de Soleimani por drone. Tudo o que ouvimos são difamações americanas contra o reverenciado comandante iraniano, cuja luta regional contra o terrorismo é uma questão registrada.
É claro que não há nada de novo sobre presidentes americanos ordenando assassinatos contra cidadãos estrangeiros. As execuções sumárias são uma prerrogativa presumida dos líderes dos EUA que se vêem acima do direito internacional e do devido processo legal por causa de seu autodeclarado “excepcionalismo americano”. Isso anda de mãos dadas com guerras de agressão no exterior por parte do autonomeado “policial global”.
Praticamente todo presidente americano há décadas tem sangue nas mãos do assassinato de estrangeiros considerados “inimigos” dos interesses imperiais dos EUA.
O fato de Trump se gabar do assassinato apenas reflete a queda aberta do poder americano na sarjeta do gangsterismo. Não há vergonha de saborear o poder de matar. Só existe arrogância e presunção de impunidade.
Essa impunidade é proporcionada pela tibieza dos líderes ocidentais e da mídia corporativa, cuja função é cada vez mais vista como um serviço de lavanderia de propaganda para crimes de guerra americanos e terrorismo de Estado.
Eles saltam para a condenação hipócrita da Rússia sobre acusações duvidosas de assassinato envolvendo veneno de nervo aparentemente ineficiente, e sem qualquer evidência.
Mas um presidente americano chafurda em esquemas assassinos como um chefe da máfia, e os governos ocidentais e a e mídia não dizem nada. Esse silêncio equivale à cumplicidade.
A flagrante justaposição de Navalny e Assad, entre outros casos, mostra que a ironia, assim como a verdade, a moralidade e o direito internacional foram todos assassinados por Washington e seus vassalos ocidentais.
* Colunista do Sputniknews. Publicado originalmente sob o título “Assassinando ironia & verdade”