Mais de 300 entidades empresariais já aderiram ao documento que critica duramente as insanidades de Bolsonaro. Guedes reclama do tom e tira BB e CEF da Febraban. Lira pede calma
O manifesto do empresários brasileiros, assinado por mais de 300 entidades, contra as ameaças de Bolsonaro à democracia está tendo um grande impacto político em todo o Brasil. Idealizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) – aprovado em votação na entidade – e pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), os dois setores mais importantes da economia nacional, o documento vem ganhando adeptos e provocou pânico nas hostes do governo federal.
300 ENTIDADES JÁ ASSINARAM
O manifesto, previsto para ser divulgado na terça-feira (31), ressalta a “preocupação com a escalada de tensões entre atores políticos”, numa clara referência aos ataques desmedidos de Bolsonaro aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a integrantes do Congresso Nacional. Também pesou na decisão dos empresários de lançar o manifesto, a intenção de Bolsonaro de tumultuar o 7 de Setembro.
A reação do governo foi bem ao estilo do capitão cloroquina. Ele ameaçou com a retirada do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal do quadro de associados à Febraban.
Durante os últimos dias, os presidentes da Caixa e do BB, a mando do Planalto, tentaram impedir que a Febraban assinasse o documento. Os dois bancos teriam encaminhado nota à Febraban, comunicando a saída da entidade caso o manifesto fosse publicado na próxima terça-feira, como foi anunciado. O esforço para abortar o protesto dos bancos foi em vão. Na sexta-feira (28), a entidade aprovou em votação a participação no manifesto.
Entre os bancos que apoiaram a decisão estavam Bradesco, Itaú, Credit Suisse, JP Morgan, BTG, Safra, Santander e muitos outros.
Segundo dirigentes de entidades, além da Febraban e da Fiesp, Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Instituto Brasileiro da Árvore (Ibá, da indústria de celulose e papel), Abinee (indústria elétrica e eletrônica), Fenabrave (distribuição de veículos), Fecomércio, Alshop (lojistas de Shopping), Sociedade Rural Brasileira e o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) vão assinar o manifesto. Ao todo, mais de 300 associações empresariais estão aderindo ao documento.
BB E CEF MANIPULADOS
A decisão dos bancos públicos que já teriam comunicado à Febraban a intenção de se desfiliarem da entidade gerou reação no Congresso por interferência política nos bancos. O presidente da comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), disse que pretende apresentar requerimento com pedido de explicações ao ministro da Economia, Paulo Guedes e os presidentes da Caixa, Pedro Guimarães e do BB, Fausto Ribeiro.
O empresário Guilherme Leal, um dos líderes do Conselho de Administração da Natura, afirmou que considera “totalmente inaceitável” que lideranças políticas questionem a realização de eleições. Já o executivo do Credit Suisse, José Olympio Pereira, diz que o mercado financeiro em particular está “surpreendentemente leniente” em relação à crise institucional provocada por Bolsonaro. Fabio Barbosa, ex-presidente do Santander no Brasil, disse que o manifesto “foi importante para externalizar a visão de um grupo grande e diverso”.
Segundo um trecho do manifesto, divulgado pelo colunista Lauro Jardim, “as entidades da sociedade civil que assinam esse manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer, gerar empregos e assim reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população”.
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, também apoiou o manifesto. “São entidades da sociedade civil, com representatividade, e que consequentemente elas têm que sempre fazer valer às pessoas que foram eleitas por eles, o pensamento deles e as necessidades para que haja uma harmonia maior, vamos dizer, e uma comunhão de esforços e interesses entre os encarregados de governar, legislar, e o restante da nação”, disse. Diante da celeuma provocada pelas críticas dos empresários, Mourão defendeu calma. “Eu não vejo que haja… Há uma retórica daqui pra lá, de lá pra cá. Nós temos as nossas visões, as nossas propostas, muitas vezes entram em choque com outras visões. Eu vejo que o tempo é o senhor da razão, ele vai distensionando as coisas”, afirmou.
TENTATIVAS DE ABORTAR AS CRÍTICAS
Na tentativa infrutífera de impedir o lançamento do manifesto, assessores do Planalto tentaram defender o governo Bolsonaro. “O Brasil já está crescendo, a economia está em ‘retomada em V’ e já está gerando empregos” e, portanto, “o manifesto não faz sentido”, afirmaram os assessores de Bolsonaro, negando a pandemia, o desemprego recorde, a explosão inflacionária e a carestia, assim como o apagão elétrico à vista e o aumento da fome e da miséria do povo brasileiro. A reação negativa aos argumentos governistas revela que cada vez menos setores sociais seguem acreditando do discurso belicista e golpista de Bolsonaro e no irrealismo fantasioso de Guedes.
Nesta segunda-feira (30), Guedes voltou a falar do manifesto e tentou novamente defender o indefensável desgoverno Bolsonaro. “Havia um manifesto de defesa da democracia e que alguém na Febraban mudou isso de defesa [da democracia] para um ataque ao governo e a própria Fiesp teria dito que não faria o manifesto. Agora isso não foi produzido por mim. Eu não estou conversando sobre isso. Eu tenho conversado todos esses dias em como resolver o problema dos precatórios”, afirmou o ministro.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi outro que saiu a campo para tentar impedir a divulgação do manifesto dos empresários. Arthur Lira, líder do “centrão”, segmento político ligado ao mundo empresarial, disse que conversou nesse domingo com Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e pediu a ele para aguardar até 7 de setembro, feriado na próxima terça-feira para só então lançar o manifesto.
SETE DE SETEMBRO
“Conversei com Skaf nesse domingo e como não tem um prazo para a divulgação do manifesto, ficou combinado que não será nesta semana. Vai aguardar as comemorações do 7 de setembro”, disse Lira. O feriado foi citado pelo deputado porque a data está causando muitas preocupações em virtude das ameaças de ruptura às instituições democráticas. Atos violentos estão sendo convocados para este dia por parte de Jair Bolsonaro, seus círculos mais próximos e por suas milícias. “A nota não é da Febraban, é da Fiesp com a participação de mais de 200 entidades do setor produtivo. Virou uma nota da Febraban com reflexos para a Caixa Econômica Federal e para o Banco do Brasil desproporcional aos seus interesses”, acrescentou o deputado.
Apesar de comentar sua conversa com Paulo Skaf, diretor da Fiesp, o deputado Arthur Lira reconheceu que o manifesto já não é apenas da Fiesp, e que, por ter recebido muitos adeptos, que hoje já abarca praticamente todo o empresariado brasileiro, dificilmente ele será abortado.
JÁ NÃO É SÓ A FEBRABAN
A ideia é que o manifesto de página dupla, com uma fotografia dos prédios dos Três Poderes, seja divulgado em página dupla em veículos de comunicação. Ele solicita a harmonia e a pacificação do país com o objetivo de permitir um crescimento sustentável e a geração de empregos.
“O manifesto em defesa da pacificação e harmonização teve uma adesão em um só dia de 200 instituições brasileiras. E outras disseram que gostariam de participar, mas precisavam de mais prazo. Por essa razão, foi aberto período maior para adesões”, disse Skaf, sinalizando que poderá adiar a sua divulgação.
Segundo o empresário, após as pressões feitas pelo Planalto contra o manifesto e a possibilidade de adiamento, as adesões estão crescendo e já chegaram a mais de 300 entidades. O lançamento do documento poderá até ser adiado, mas, ao que tudo indica, ele não será cancelado. O que está ficando claro é que as pressões e ameaças de tirar o BB e a CEF da Febraban estão tendo efeito contrário ao desejado. As críticas ao governo no meio empresarial estão crescendo ainda mais.