Quadrilha acusada de despejar cerca de 60 toneladas de munição no mercado ilegal se beneficiou da falha “esdrúxula”
Em razão de uma falha no mecanismo de controle de venda e estoque de munições do Exército, o Sicovem, uma quadrilha acusada de despejar cerca de 60 toneladas de munição no mercado ilegal, conseguiu inserir informações falsas no sistema da instituição.
Por mais de um ano, de novembro de 2020 a março de 2022, o grupo criminoso se beneficiou dessa falha e pôde agir sem ser interpelado. O problema só foi detectado depois que investigadores solicitaram os tais dados aos militares, segundo as investigações da Polícia Civil e da Promotoria do Maranhão.
Apesar de considerado bastante elementar e passível de identificação por qualquer pessoa sem conhecimento na área, o “descuido” não foi detectado, conforme aponta o relatório da polícia, que classificou as irregularidades como “esdrúxulas”.
A prática consistia no uso de um mesmo número de Certificado de Registro de Arma de Fogo (Craf) para diversas vendas de munições, lançadas a uma série de nomes possivelmente falsos.
Como tática, a quadrilha lançava vendas para um número grande de pessoas, com nomes diferentes, mas todas com o mesmo Craf e, também, com idêntico número de nota fiscal. Só em um modelo, anexado ao inquérito em 17 de janeiro de 2021, tinha 20 compradores, segundo a polícia.
“Ou, seja, o documento de uma arma de fogo ‘esquenta’ a venda de diversas munições para a diversas pessoas e em uma nota fiscal, em situação absolutamente assustadora, que nunca foi percebida pelo Exército Brasileiro”, aponta trecho do relatório da polícia, divulgado pelo jornal “Folha de S. Paulo”.
SISTEMA PRIVADO
Criado em 2007 por força do Estatuto do Desarmamento, o Sicovem é um sistema usado pelo Exército que tem como objetivo realizar o controle, em tempo real e on-line, da venda de munição do fabricante a estabelecimentos comerciais e, conseguinte, dos lojistas ao consumidor final, evitando, assim, possíveis desvios.
O sistema pertence à Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que monopoliza a venda de munições para uso não militar no país, relação que é criticada por especialistas em segurança pública. Para o gerente do Instituto “Sou da Paz”, o problema do Sicovem começa pelo “absurdo” de não ser um sistema próprio do Exército, mas da “empresa que deveria ser fiscalizada”.
Segundo ele, há relatos de problemas de abastecimento desse sistema, mas nada comparável ao verificado na investigação do Maranhão. “Isso é algo muito grave isso. Em termos de tecnologia, há uma série de possibilidades de recursos [que poderiam ser adotados], mas claramente a gente vê o Exército negligenciando essa fiscalização de algo que tem impacto gigantesco não só de segurança pública, mas até de defesa nacional”, criticou o pesquisador.
Em julho, o Instituto Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública alertaram para falhas no sistema de controle de armas no Brasil que permitem a compra de pistolas e fuzis por criminosos. Para as entidades, a falta de informações unificadas impede o rastreamento, a fiscalização e a investigação de crimes com armas de fogo.
“Não há uma checagem aí de uma autenticidade dos documentos que estão sendo enviados e não há uma consulta do próprio Exército tomando a iniciativa de entrar nos tribunais de Justiça e checar se aquela pessoa, se aquele CPF, tem alguma inconsistência”, afirma Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz.
“Então, o que a gente está vendo é uma série de escândalos de CACs (colecionadores, atiradores e caçadores esportivos) envolvidos nas páginas policiais se registrando com documentos falsos”, prossegue Langeani. “É uma licença que dá uma série de privilégios para acessar um número muito grande de armas e munições”, diz.
“Não tem sentido, nos dias de hoje, com todas as informações que a gente tem sobre o desvio de arma legal para a ilegalidade, com a existência de processos informatizados, ou seja, é possível consultar sem ter muito trabalho”, analisa Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. […] não tem cabimento que o Exército não faça essa checagem mínima”, critica.
FALTA DE CONTROLE
A legislação brasileira proíbe que uma pessoa que responde a processo criminal ou inquérito policial seja um CAC, mas casos recentes, divulgados pela imprensa mostram falhas na fiscalização que possibilita que indivíduos burlam a legislação e adquirem farto armamento e munição.
No Brasil, o controle de armas é realizado em dois bancos de dados: o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), vinculado à Polícia Federal, com acesso de todas as forças policiais; e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (o Sigma), administrado pelo Exército, que não permite a consulta de todas as autoridades policiais.
“Para dar um exemplo, um policial que para alguém na estrada, ele pega o documento do carro, ele consegue checar na hora se aquele carro é roubado, se o licenciamento está em dia”, explica Langeani. Mas, “quando se apresenta uma carteirinha do Exército de CAC, ele não consegue consultar se aquele documento é autêntico, ele não consegue consultar se aquela arma de fato está ligada àquela pessoa”, relata o gerente do Sou da Paz.
Ele diz também argumenta que não é possível conferir, por exemplo, se uma pessoa acusada de violência doméstica ou outro crime detém registro de CAC ou arma em seu nome.
“Um delegado hoje que investiga homicídio não tem acesso ao banco de dados do Exército”, esclarece Langeani. Porém, “um promotor que investiga crime organizado não tem acesso direto ao banco do Exército’, continua. “Então, obviamente, isso cria um problema grave de fiscalização e de segurança pública no país”, diz Langeani.
Por isso, “o Fórum vem defendendo, publicamente, a ideia da criação de uma agência civil de controle de armas. Está na hora de repensar esse sistema de controle, fortalecer esse sistema de controle”,defende Isabel Figueiredo.
“E não dá para fazer isso tendo esse sistema bipartido: PF e Exército. É um modelo que já existe em outros países, a gente tem defendido esse modelo como o modelo.Talvez esteja na hora de repensar”, completa.
Até o momento, o Exército não comentou as falhas no sistema de monitoramento, mas disse que “permanece cooperando com os órgãos envolvidos na investigação”.
É provável que a instituição esteja atabalhoada. Afinal de contas, além de gerenciar o controle de armas e munição, garantir a segurança das nossas fronteiras e atender a outras demandas, o Exército agora passou a acumular outra função: monitorar o sistema eleitoral e a idoneidade das urnas eletrônicas.
Com isso, o Exército ultrapassa os meandros de uma instituição de Estado para se curvar aos desmandos de um governo, que, ciente de que não seria eleito para um segundo mandato, e resolveu – ou melhor, delegou – que se passe a se procurar pelo em ovo.
Esta constatação é muito grave fraude no sistema privado usado pelo Exército para registro de arma. Pois é estão preocupados em encontrar chifre em cabeça de cavalo como monitorar o sistema eleitoral e a idoneidade das unas eletrônicas a fiscalização que deveria ter sido feito para evitar esta fraude absurda não foi executada. E agora José.