No ‘Meio Noite em Pequim’, da TV Grabois, o professor e pesquisador Elias Jabbour enfoca um tema que está na ordem do dia – “China x EUA: a guerra é comercial?” – e sugere outra abordagem sobre a questão, que evite como que ‘entrar pela porta dos fundos’.
Ele destaca que a economia norte-americana é baseada na financeirização, e a chinesa, em um projeto nacional. Uma é baseada no consumismo e no individualismo em nível das famílias, a outra, em um poderoso setor público.
Como exemplo do que isso implica, Jabbour assinala que hoje os ativos das empresas estatais na China são mais de 200% do PIB e praticamente zero nos EUA. O valor agregado das estatais não-financeiras chinesas para o crescimento da riqueza gerada no mundo é de 4%.
Isso porque, em 1978, a China decidiu fazer parte da economia capitalista mundial. O que não quer dizer que decidiu virar um país capitalista ou abdicar de uma estratégia socializante.
Resolveu, vamos dizer assim, se aproveitar de um movimento internacional – fruto da financeirização – caracterizado pela transferência de unidades produtivas e tecnologia dos EUA, Japão e Europa para a periferia, para montar um projeto nacional por onde essas empresas serviriam de base para a transferência de tecnologia e de métodos modernos de administração.
É semelhante à Nova Economia Política (NEP), de Lenin, que por razões diversas não foi muito longe. A experiência chinesa de ‘NEP’ se transformou em uma estratégia de desenvolvimento, enfatiza Jabbour.
Assim, existe uma unidade de contrários, entre os Estados Unidos e a China, duas economias que são ultraconectadas uma à outra, e basicamente se trata de uma luta que emerge com força entre o novo e o velho. O novo é a economia baseada na grande propriedade pública dos meios de produção, e o velho é uma economia em que o Estado tem muito pouca capacidade de mobilizar recursos.
Não se trata – esclarece – de menosprezar a capacidade de compra governamental dos Estados Unidos ou de se utilizar do dólar, mas a China ter uma economia com 40% dela sob controle direto do Estado é algo a se considerar muito.
O que pôde ser visto durante a pandemia. Em que o capitalismo financeirizado mostrou todos os seus limites, enquanto esse socialismo de mercado, esse socialismo com características chinesas, mostrou todas as suas virtudes e capacidades, ainda embrionárias.
O pesquisador observa como, durante 40 anos, tantos seminários consideraram o modelo chinês de desenvolvimento ‘insustentável’. Só quem ia “chegar lá” eram aqueles que adotassem as instituições liberais e os sistemas produtivos financeiros assemelhados aos Estados Unidos e Inglaterra.
Apesar de tais ‘teóricos’ e das supostas ‘instituições erradas’, a China chegou lá, ao ponto em que suas estatais se transformaram em grandes empresas orientadas ao mercado.
A China é atualmente o país com mais empresas na lista Forbes 500, a maioria, estatais. Quando os americanos acordaram para essa realidade, já era tarde.
O próximo passo para a demonstração da superioridade desse socialismo com características chinesas é alcançar os Estados Unidos nos microchips de 5-7 nanômetros. O que irá colocar a China em outro patamar de independência tecnológica e de produtividade do trabalho.
Enquanto para os americanos a década de 90 foi muito marcada pela ampliação dos interesses militares americanos pelo mundo e da financeirização, a China construiu quatro grandes bancos de desenvolvimento.
Durante 40 anos a China constrói uma nova formação econômico-social, baseada na propriedade pública, e tem uma nova economia de projetamento, capaz de gerir milhares de projetos simultaneamente.
Dois sistemas que nascem interconectados, um com base cada vez mais na financeirização, e outro, cada vez mais na grande propriedade pública.
Os problemas estruturais dos Estados Unidos têm ligação direta com a financeirização e com os próprios limites que a hegemonização do dólar provoca no mundo.
Isso leva a um potencial conflito, que é geopolítico, que é militar, em meio à mudança estrutural que Biden tenta ensaiar, e que é muito difícil, eles não podem abrir mão do dólar como moeda de referencial internacional. O que transformou Taiwan – que é o lugar aonde se produz chips de 5-7 nanômetros – em um lugar muito perigoso hoje por causa da tensão entre esses dois sistemas distintos.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.