“Socialismo verde e indústria do futuro” é o tema deste Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, no formato de debate, com o pesquisador e escritor Elias Jabbour dialogando com Adalberto Maluf, especialista em relações internacionais e ex-diretor da BYD – maior fabricante chinesa de veículos elétricos e na vanguarda mundial dessa tecnologia verde.
“Um cara muito interessante, que praticamente sai do Brasil de mochila nas costas, vai estudar na China e acaba participando de todo o processo que eu acredito ser fundamental para entender o mundo que nós temos hoje, esse processo de início de transição energética na China que vai ter impactos estratégicos na acumulação mundial para os próximos 30 a 50 anos”, assinala Jabbour na apresentação do amigo.
A China – ele acrescenta – não inaugura esse processo, mas é na China que “ganha muita escala de produção”. Fala-se muito em energia verde, transição energética, destaca Jabbour, “mas nós temos muita pouca noção do que significa isso na prática e de como se deu na China”, processo no qual o brasileiro Adalberto Maluf participou como diretor da BYD.
O convidado assinala como na conferência de 2010 em Paris, em que esteve presente, o Brasil teve um importante papel fazendo o meio de campo com a China e Índia, houve a virada na posição da China e desde então esta percebeu que a grande revolução tecnológica dos empregos do futuro vai estar baseada nessas novas tecnologias.
A China lidera com 1,7 trilhão de investimento nessas áreas, o pacote verde europeu está tentando chegar junto com 800 bilhões de euros. A China tem dominado tudo, desde o Made in China 2025, os 10 setores estratégicos, sublinha Maluf.
Sobre as expectativas abertas para o Brasil nessas tecnologias, só a proposta da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) de 12 milhões de telhados solares até 2030, com R$ 300 bilhões em investimento, poderá gerar 1,8 milhão de empregos, só na energia solar fotovoltaica, que é três a quatro vezes mais barata que as térmicas, assinala Maluf, que é vice-presidente licenciado da Associação de Geração Distribuída e candidato a deputado federal pelo PV/Federação Brasil da Esperança.
SOCIALISMO VERDE
Jabbour apresenta uma questão importante para debate, de que a China, por suas características, é “a primeira sociedade da Terra a desenvolver um socialismo verde”. É a primeira sociedade – seja capitalista ou socialista – que toma “a decisão estratégica de transformar seu sistema social e político em algo que só poderá se realizar se for ambientalmente sustentável”. É o que chamo de “socialismo verde”, sublinha o pesquisador.
Quanto à possibilidade de a Europa ou os EUA chegarem lá, Jabbour observa que, no caso da Europa, o que joga contra é sua própria decisão de se tornar periferia do sistema, em razão do papel muito ruim jogado na guerra da Ucrânia. Enquanto nos EUA boa parte do dinheiro anunciado por Biden, por causa da extrema financeirização, em vez de ir para a energia limpa, vai acabar na Tesouraria, isto é, especulação.
Para Maluf, o desenho institucional da China é pouco compreendido no Ocidente: um país que depois de 800 anos de guerras internas escolheu esse modelo do império centralizado para tentar mitigar essas guerras intermináveis.
O executivo e especialista reitera que, do ponto de vista econômico, hoje, o planejamento e execução de políticas públicas na China é muito bom. Programas feitos em nível local, potencializando os benefícios do emprego, da economia, da geração de oportunidades; depois vão para o nível estadual, os planos são articulados.
Tem ainda todo aquele processo de consolidação das grandes empresas estatais chinesas, e quando chega no plano de desenvolvimento, é um plano que já foi acordado com todo mundo. E os escalões alto e médio da administração na China são muito qualificados, paraquedista não tem vez.
TRÊS PILARES
Maluf citou uma explicação do fundador da BYD sobre os três pilares que abriram espaço para a empresa chinesa ocupar o papel que hoje tem no mundo. A China precisava dar conta de 3 questões: reduzir a dependência de combustível fóssil importado; reduzir a poluição nas cidades para melhorar a qualidade de vida e a saúde pública; e criar a indústria do futuro.
Desde 95 a 2005, já havia várias iniciativas. Com o programa Dez Cidades 1000 Veículos, Shenzhen comprou os primeiros 1000 ônibus elétricos, começando com 200 híbridos e 200 elétricos, e se tornou afinal a primeira cidade do mundo a eletrificar 100% dos táxis e dos ônibus.
E isso criou a BYD, que já era a maior fabricante de baterias do mundo, e virou a maior fabricante de veículos elétricos leves e pesados, as montadoras ocidentais vieram depois.
Isso mostra como funciona essa política pública: mais centralizada do ponto de vista do planejamento, a execução é descentralizada, cada um – prefeito, governador – tem seus instrumentos e executa a política pública. Uma abordagem muito mais integrada, sempre com o foco de criar emprego.
A “ABERRAÇÃO” QUE MALUF DENUNCIA
Aqui não, é a maior aberração do mundo: o Banco de Desenvolvimento no Brasil, o nosso BNDES, hoje, ele usa dinheiro do FAT, do FGTS, dinheiro do trabalhador brasileiro, para financiar produto importado, denuncia Maluf.
“Você acha que o banco de desenvolvimento da China financia um produto japonês com juros menores do que financia um produto chinês? Que o Eximbank dos EUA ou o KFW da Alemanha financiariam produtos chineses com juros menores do que os produtos fabricados no seu país?”, ele questiona.
“É uma loucura, hoje a gente tem um Estado que não tem visão de futuro, uma visão de política industrial. Eu já ouvi de gente no ministério da Economia que ‘é melhor não ter política industrial. Deixa quebrar as empresinhas menos produtivas que aí a produtividade marginal do trabalho vai aumentar e as empresas mais produtivas vão ocupar o espaço’”.
Ô cara-pálida, isso não existe, não aconteceu em lugar nenhum do mundo, a literatura mundial não mostra isso. Quebra as empresas menores e o que acontece é que a importação ocupa aquele espaço, as maiores não ganham escala e a gente perde, sublinha Maluf.
“O Brasil perdeu 1,5 milhão de indústrias nos últimos anos, estamos falando em milhões de empregos, empregos de qualidade”. O emprego industrial é o único emprego que permite a ascensão social.
Para concluir, ele reitera que a China não abriu mão da indústria, a Alemanha não abriu mão da indústria. “Todas as grandes cidades da China e da Alemanha, de 30 a 40% do PIB vêm da indústria de transformação. Quando eu nasci na década de 80, o PIB da indústria de transformação era de 35% do PIB brasileiro, hoje é menos de 9%”.
Elias Jabbour, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ).
Adalberto Maluf, especialista em relações internacionais, estudou na China e é ex-diretor da BYD no Brasil – maior fabricante chinesa de veículos elétricos e vanguarda mundial dessa tecnologia.