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Juristas ouvidos pelo jornal O Globo condenaram o projeto de lei em discussão no Congresso, que proíbe a validação de delações premiadas fechadas com presos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou o projeto em regime de urgência na semana passada, mas acabou não sendo votado porque os trabalhos foram paralisados em virtude do estado de saúde da deputada Luiza Erundina (PSol-SP), que desmaiou e teve que ser hospitalizada.
Para Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da FGV-SP, se aprovado, o projeto de lei proposto pode significar, inclusive, retrocesso no combate ao crime organizado. Ele afirma que a prisão antecipada de réu se dá por questões objetivas, como risco à sociedade. E, nesse caso, é preciso se atentar se o réu foi preso em circunstâncias legais.
“É preciso destacar que essa lei pode desmantelar um processo que foi muito positivo para o Brasil, sobretudo porque irá beneficiar aqueles que participam de organizações criminosas, incluindo corrupção.”
O professor de Direito Penal da PUC-Rio, André Perecmanis, contesta a necessidade de haver nova lei para regulamentar a colaboração premiada. Ele afirma que, se na época da homologação dos acordos os procedimentos legais vigentes foram respeitados, não há motivos para esses serem invalidados posteriormente.
Segundo ele, o CPP (Código de Processo Penal) estabelece que alteração processual desse tipo não afeta as delações já homologadas. Isso porque a delação homologada é meio de obtenção de prova e, portanto, se relaciona com o processo.
“A nova lei processual afeta o processo ou a investigação no estado em que ele se encontra, o que significa dizer que os atos de investigação, os atos probatórios produzidos até então são válidos”, explica André Perecmanis, professor de Direito Penal da PUC-Rio.
O advogado Eduardo Ubaldo, especialista em direito Constitucional, considera o debate é legítimo, mas aponta desconfianças em meio ao cenário atual.
“Em um contexto de abusos judiciários e de vulgarização do instituto da delação premiada, o debate sobre a proibição de presos delatarem é legítimo. Pessoalmente, me parece um retrocesso no combate ao crime organizado, mas a discussão é válida”, avalia.
Cabe, no entanto, “desconfiar da tentativa de ressuscitar discussão anterior à própria atualização, em 2019, da Lei Anticorrupção de 2013 que previu o instituto da delação premiada. Se, como parece, o objetivo for anular delações já homologadas, não me parece que seus defensores terão sucesso”.
Na visão do advogado criminalista e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Pedro Porto, o projeto patrocinado por Arthur Lira parte de “premissas ultrapassadas”.
Segundo ele, a atual legislação sobre colaboração premiada já tem as garantias necessárias para promover a transparência e a correção do processo.
“Embora o projeto de lei vise assegurar manifestações voluntárias e livres de coação – como devem sempre ser, ele se volta a um outro cenário e parece ignorar todas as modificações promovidas na lei da colaboração premiada em 2019, tais como a obrigatoriedade de gravação das tratativas, a participação do advogado em todos os atos, a maior rigidez judicial no exame da voluntariedade daqueles submetidos às medidas cautelares”, afirmou o professor da UnB.
“Essas são garantias que se mostraram eficazes na prevenção de abusos e, ao mesmo tempo, permitem que o acordo seja realizado por todo aquele que possui o interesse. O PL parte de premissas ultrapassadas e, caso aprovado, não retroage aos acordos já homologados, pois trata de norma de natureza processual penal, portanto, irretroativa, incidindo somente para as colaborações futuras”, completou.
Proposto pelo então deputado Wadih Damous (PT-RJ) em 2016, o PL tinha o intuito de aperfeiçoar a Lei 12.850, que dispõe, entre outras questões, sobre a definição de organizações criminosas, as investigações criminais e os meios de obtenção de provas.
RESERVA
Integrantes da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvidos de forma reservada pelo O Globo classificaram a proposta de limitar colaboração premiada de “grande retrocesso”.
Eles avaliaram que caso seja aprovado, o projeto esvaziará as colaborações premiadas e poderá atingir várias frentes de investigação e não apenas casos de corrupção.
Um sequestrador preso em flagrante ficaria impedido, por exemplo, de informar onde está o cativeiro do sequestrado, citaram os procuradores.
“Essa proposta parte de um pressuposto equivocado de que a delação é prova em si. A colaboração não é uma prova, ela indica provas, se não tiver provas, ela não terá efetividade, não terá alcançado seu objetivo”, afirmou um subprocurador que compõe a Câmara Criminal da PGR.
Por sua vez, um delegado da Polícia Federal, também de forma reservada, classificou o projeto de “violação a um possível benefício aos investigados” e uma “hipocrisia política”.
Os principais pontos do projeto:
1) A colaboração premiada só poderá ser validada pela justiça se acusado ou indiciado estiver respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor;
2) Também passará a ser crime, com previsão de pena de 1 a 4 anos e multa, divulgar o conteúdo dos depoimentos colhidos no âmbito do acordo de colaboração premiada, pendente ou não de homologação judicial;
3)Nenhuma denúncia poderá ter como fundamento apenas as declarações de agente colaborador (essa regra já vale atualmente – todas as informações descritas em colboração têm de ser corroboradas com outros elementos da investigação);
4)As menções aos nomes das pessoas que não são parte ou investigadas na persecução penal deverão ser protegidas pela autoridade que colher a colaboração (regra que também já tem alguma base jurídica, pois o tratamento de dados pessoais já é regulado pela Lei Geral de Proteção de Dados).