A Justiça Federal em Minas Gerais tornou rés seis empresas por extração ilegal de recursos minerais na Serra do Curral, cartão-postal na região metropolitana de Belo Horizonte e área tombada que pertence à União. Além de aceitar a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) a Justiça estabeleceu valor mínimo de R$ 50,7 milhões para a reparação dos danos causados.
As empresas são a Valefort Comércio e Transporte Ltda-Me, Mineração Gute Sicht Ltda, Fleurs Global Mineração Ltda, Irontech Mineral Ltda, Saae Participações S/A e CDM Participações S/A. Doze pessoas também se tornaram rés no processo, mas a Procuradoria não divulgou quem são elas.
Os condenados vão responder por crime contra o patrimônio, por explorar matéria-prima pertencente à União sem autorização legal. Ainda segundo as denúncias, os envolvidos são suspeitos de adquirir, transportar e comercializar os recursos extraídos pelas empresas.
As denúncias dão conta de que entre fevereiro e julho de 2020, as empresas simulavam a realização de terraplanagem para extrair recursos minerais em trechos da Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte e Sabará, na Região Metropolitana. A exploração sem autorização é crime.
A Serra do Curral, que é rica em minério de ferro, mas também em fauna e flora, tem parte de sua extensão protegida por meio da criação de parques. Por outro lado, há áreas na região nas mãos de mineradoras, que têm contato com o incentivo e omissão do governador Romeu Zema (Novo).
“A Polícia Federal verificou o modus operandi consistente na prática da atividade de terraplenagem de terrenos, regulares ou invadidos, sem autorização ou em discordância com o autorizado pela prefeitura local, para dissimular a extração irregular de minério (em região rica em minério)”, diz trecho da denúncia do MPF.
Segundo a Justiça, “[…]comercializando o minério assim retirado para siderúrgicas e/ou empresas de beneficiamento de minério (conhecidas como “peneiras”), burlando, deste modo, a fiscalização dos órgãos ambientais competentes”.
Inquérito aberto em 2020 pela Procuradoria, aponta que todas as empresas estão envolvidas em um esquema criminoso de comercialização de minério em Belo Horizonte e Sabará (MG) sob a desculpa de realizarem terraplanagem. No entanto, essa estratégia encobertava, na realidade, a prática ilícita de mineração. A denúncia é de 28 de fevereiro de 2023, mas só neste mês caiu o sigilo do processo.
“Tem crescido muito esse tipo de exploração mineral por meio de licenças de terraplanagem para extração, o que é algo que preocupa porque é uma prática extremamente degradadora do ponto de vista ambiental”, diz o procurador responsável pelo caso, Bruno Nominato
Segundo Nominato, peritos constataram que a movimentação de caminhões nessas áreas não condizia com a atividade de terraplanagem. “E, se isso está acontecendo, é porque as mineradoras estão conseguindo dar vazão a esse minério extraído ilegalmente”, acredita.
São os municípios que autorizam a terraplanagem; as licenças ambientais são feitas pelo estado e as de concepção de lavra são de responsabilidade da ANM (Agência Nacional de Mineração), de competência federal.
O procurador defende que “é necessário se aperfeiçoar a sistemática da atuação dentro do estado para evitar licenciamentos, em que parece que os órgãos não têm se comunicado, para evitar esse tipo de distorção que envolve uma área que é objeto de tombamento”.
Em nota, a empresa Fleurs Global alegou que “a Fleurs Global não realiza nenhuma atividade de extração mineral na Serra do Curral”. “Por isso, a empresa tem absoluta tranquilidade de que todos os fatos serão devidamente esclarecidos ao longo do processo, comprovando a absoluta inocência e regularidade das atividades da empresa”.
A Gute Sicht, também em nota, diz que “não desenvolve atividades de mineração em área tombada da Serra do Curral” e que “está convicta de que a Justiça irá reconhecer a total improcedência da acusação”.
As empresas são do mesmo grupo acionário: a Gute Sicht [registrada como Mineração Boa Vista, traduzido do alemão] é mineradora, enquanto a Fleurs Global Mineração é de beneficiamento, mas a controladora de ambas é a mesma. As demais empresas ainda não se pronunciaram.
O governador Zema é apontado pela prática contínua de costurar arranjos para facilitar a atuação de mineradoras no estado, com anuência do Judiciário estadual. A construção, sem participação popular, do acordo bilionário para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, assinado em 2021, evidencia essa prática.
“Houve um alinhamento muito grande entre o presidente do Tribunal de Justiça, o governo Zema e o Procurador-Geral de Justiça. O acordo foi feito a portas fechadas e não sabemos quais negociações foram feitas”, afirma Pedro Andrade, advogado especializado em direito ambiental.
“Essa foi a primeira evidência da lógica de resolver conflitos envolvendo a mineração no estado junto ao Judiciário, muitas vezes facilitando a vida das mineradoras”, continua Andrade.
O advogado destaca a questão da Serra do Curral, ameaçada por projetos minerários. Segundo ele, Assim que saiu o laudo de tombamento da área feito pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), a presidenta do órgão foi exonerada pelo governo.
Com proximidade das eleições, Zema voltou atrás e divulgou uma portaria do Iepha – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – informando o tombamento da serra. Alguns dias depois, a mineradora Tamisa entrou com mandado de segurança na Justiça e conseguiu uma liminar derrubando a portaria.
“Ele [Zema] passa a assumir o discurso que tentou proteger a Serra do Curral e o Judiciário que passou por cima. Mas, é mentira. Quem ele [Zema] nomeou para assumir o cargo de presidente do Iepha, por exemplo, é parente de um dos diretores da mesma mineradora. Todas as manobras foram para impedir o tombamento”, diz Andrade.