
Segundo a agência de notícias libanesa NNA, 16 pessoas foram presas em meio às investigações sobre a responsabilidade pelas explosões que devastaram o porto e grande parte da cidade de Beirute.
O juiz Fadi Akiki, representante do governo na corte militar, afirmou que até o momento foram questionadas mais de 18 autoridades portuárias e aduaneiras e indivíduos responsáveis ou envolvidos em trabalhos de manutenção no armazém, que estocava produto explosivo.
“Dezesseis pessoas foram presas como parte da investigação”, afirmou Akiki que informou que “a investigação continua”.
Ainda na terça-feira. 4, dia das explosões no porto de Beirute, o Conselho de Defesa Nacional, integrado pelas principais autoridades do país, reuniu-se e tirou uma série de decisões logo depois anunciadas ao país pela ministra da Informação, Manal Abdel Samad Najd. Entre elas, o estabelecimento de um quartel-general para a atuação permanente do organismo neste período, a decretação de estado de emergência (com toque de recolher) por duas semanas e prorrogável, a prisão domiciliar de diretores do porto, como já foi informado, para 16 deles foi agora decretada prisão preventiva.
Também foi decidido que seriam feitos esforços para liberar recursos para os hospitais e compensação financeira para as famílias enlutadas, atuar para que os portos de Trípoli e Sidon possam receber mais suprimentos e alimentos, uma vez que o porto de Beirute está fora de operação. Escolas e hospitais disponibilizarão seus espaços para atender aos mais de 300 mil desabrigados devido ao desastre.
Entre os danos causados pela explosão (dimensionada como 1/10 daquela causada pela bomba que foi atirada a 75 anos contra Hiroshima), tanto os silos como o estoque de 15.000 toneladas de trigo foram perdidos com a destruição.
PREJUÍZO DE BILHÕES
O governador do distrito de Beirute, Marwan Abboud, em entrevista a uma TV libanesa, a Al Hadath, declarou que as perdas podem ser estimadas em de US$ 10 a US$ 15 bilhões, incluindo as diretas e as indiretas, relacionadas aos estabelecimentos mercantis, fabris e outros negócios.
Tais danos significam que o Líbano está prestes a enfrentar escassez de produtos básicos.
De acordo com o prefeito de Beirute, Jamal Itani, o número de desabrigados (que perderam suas residências parcial ou totalmente) chega a 300 mil.
Itani informou que foram disponibilizadas 30 bilhões de Libras Libanesas (LL) para o cuidado inicial com os desabrigados mas, de acordo com o câmbio oficial, são precisas 1.507 LL para adquirir 1 dólar. Isto quer dizer que o valor definido para a citada finalidade está em cerca de US$ 20 milhões, o que, segundo a articulista Lauren Lewis (em artigo para o Middle East Monitor), é um valor que não sustenta nem o transporte dos agora sem teto para os locais designados para abrigá-los.
AJUDA EMERGENCIAL
Enquanto isso, cresce o número de países que, através de seus chefes de Estado, se prontificam a ajudar ou já estão enviando ajuda.
O primeiro a desembarcar no Líbano foi o presidente francês, Emmanuel Macron que se encontrou em Beirute com o o presidente, Michel Aoun, o primeiro-ministro, Hassan Diab e o presidente da Câmara de Deputados, Nabi Berri. A França já enviou três aviões com mantimentos, suprimentos médicos e uma equipe de especialistas em buscas em escombros.
A Rússia enviou cinco aviões com suprimentos e do Iraque chegou uma delegação que se comprometeu a enviar cereais para repor as 15.000 toneladas perdidas nas explosões. Esta carga deve começar a chegar na sexta-feira.
Os 27 países da União Europeia estão discutindo uma ajuda conjunta. A Inglaterra, Egito, os países do Golfo, Irã, Austrália, Indonésia, estão se mobilizando para enviar material e especialistas.
OMS E ONU
Diante da crise sanitária, a Organização Mundial da Saúde anunciou, na manhã desta quinta-feira, que um avião carregando 20 toneladas de suprimentos de saúde pousou em Beirute para apoiar o tratamento de pacientes.
“Os suprimentos cobrirão mil intervenções e mil cirurgias para pessoas que sofreram ferimentos e queimaduras resultantes da explosão”, indicou a agência.
A ONU também se mobiliza: “Com o surgimento de novos desafios devido ao último evento devastador, as Nações Unidas no Líbano e seus parceiros foram mobilizados para fornecer assistência humanitária imediata ao povo libanês em apoio à resposta do governo a esta tragédia. Estamos juntos nisto, e estamos comprometidos a apoiar o Líbano neste momento tão difícil”, disse Najat Rochdi, coordenador residente da ONU no Líbano.
O vice-primeiro-ministro e ministro do Exterior da Síria, Walid al-Moallem falou por telefone com seu homólogo no Líbano, Charbel Wahba, para expressar o apreço da Síria pelo Líbano e a solidariedade neste momento e sua disposição de “colocar todo o potencial da Síria para ajudar o Líbano a superar as consequências da devastação”. Moallem ofereceu suas condolências ao povo libanês e às famílias das vítimas.
CRISE ECONÔMICA
O Líbano estava em condições financeiras e administrativas muito precárias já antes dessas explosões. Essa precariedade se agravou com a guerra civil síria, que foi provocada pelos Estados Unidos, durante perto de uma década. A devastação econômica na Síria, um dos mais importantes parceiros econômicos do país, teve consequências danosas ao Líbano.
O Líbano havia se recuperado de uma guerra civil, 18 anos de ocupação israelense ao sul do país (1982-2000, com o massacre de Sabra e Chatila nos dias iniciais da invasão), quando em 2005, um atentado tirou a vida do premiê Rafik Hariri, que começava entendimentos para uma reaproximação com a Síria. À época os Estados Unidos tentaram jogar os libaneses contra os sírios dizendo que a morte de Hariri fora arquitetada por Damasco. Depois que a Síria comprovou sua inocência agora tentam culpar integrantes do Hezbollah, cujos guerrilheiros formaram a força decisiva para a expulsão de Israel da região sul (onde os ocupantes chegaram a montar uma milícia de colaboracionistas de direita, o Exército do Sul do Líbano). Recentemente os guerrilheiros do Hezbollah também participaram com vigor na vitória da Síria sobre as hordas treinadas pela CIA que invadiram o país vizinho.
Em 2006, houve nova agressão israelense com suas tropas mais uma vez expulsas pelas forças da resistência libanesa.
Antes da pandemia o país já estava com o déficit em elevação. Com as consequências da Covid, informou que não podia pagar uma parcela de US$ 1,2 bilhões, negociada com os credores e vencida em março, o que voltou a acontecer em abril e em junho.
Para se ter uma ideia das dificuldades pelas quais o país já passava, o Líbano importa 80% de tudo que seus cidadãos consomem (70% destas importações entravam pelo porto agora inoperante). A eletricidade é fornecida por geradores termelétricos em terra – para os quais tem que importar combustível – e também por navios geradores turcos ancorados no porto. Neste mês de agosto, o Líbano teria que pagar US$ 100 milhões à companhia turca Karadeniz que lhe fornece 400 megawatts.
SANÇÕES DOS EUA
Mas coube ao presidente do judiciário iraniano Ebrahim Raeisi, apontar para a causa central do problema libanês, com os Estados Unidos fazendo de tudo para danificar o governo do Polo Patriótico, assim como já faz há algum tempo com a vizinha Síria.
Raeisi pediu à comunidade internacional para, diante da catástrofe, pressionar o governo dos Estados Unidos para que levantar as sanções perpetradas contra o pequeno país.
“Considerando as sanções cruéis e desumanas impostas pelo regime criminoso dos EUA contra o povo libanês nos meses recentes, que constituem um sério obstáculo para que se atenda às necessidades básicas do povo libanês, esforços para que seja imediatamente suspensas para impedir uma catástrofe humanitária devem estar na agenda dos governos que têm relações amigáveis com o Líbano, assim como de toda a comunidade internacional”, afirmou Raeisi.
Ele acrescentou que o Alto Conselho dos Direitos Humanos vai colocar em sua agenda a tomada de ações legais para que estas pressões sejam contidas e defender os direitos do povo libanês. Dezenas de indivíduos e entidades foram sancionadas pelos EUA, com o foco principal nos líderes do movimento de resistência Hezbollah. A lista engloba ainda um vasto leque de alvos, desde indústria farmacêutica a organizações religiosas e comunitárias, chegando a bancos e empresas dedicadas ao comércio exterior.
O presidente Hassan Rouhani determinou ao Crescente Vermelho (Cruz Vermelha nos países de maioria islâmica) “enviar imediatamente ajuda ao Líbano incluindo suprimentos médicos e alimentos”. Também se informa de equipes médicas e hospitais de campanha que logo serão enviados.
QUEM É O RESPONSÁVEL?
O que se sabe até agora é que a destruição foi causada pela explosão de uma quantidade de 2.750 toneladas de nitrato de amônia estocada no Armazém 12 do porto de Beirute.
É um produto que serve como fertilizante, mas que é explosivo quando submetido a altas temperaturas.
Todo esse montante foi confiscado de um navio que o possuía sem a devida documentação e ali foi armazenado em 2014.
Em 2015, em uma carta ao governo, um grupo de advogados alertou para o risco que representava um tamanho montante de nitrato de amônia em uma área a um tempo portuária e residencial. Os diretores do porto também alegam haver enviado missivas alertando para o perigo.
Agora o primeiro-ministro, Hassan Diab, que assumiu o cargo há poucos meses (21 de janeiro), após a formação Bloco Patriótico assumir o governo, declarou que “esta catástrofe não passará impunemente. Os responsáveis pagarão por isso”.
Mas os questionamentos não pararam por aí. Desde o primeiro momento da explosão, não foram poucos os que suspeitaram de mais um atentado arquitetado em Israel e executado por sua força armada ou pelo seu serviço secreto, o Mossad.
Rapidamente, o ministro da Defesa, Benny Gantz (que se bandeou da oposição para servir no governo desgastado de Netanyahu) e o do Exterior, Gabi Ashkenazi, declararam que Israel não tem nada a ver com a explosão e até se propuseram a enviar ajuda médica.
Diante de tais declarações, um dos principais articulistas do jornal israelense Haaretz, Gideon Levy, se declarou enojado com o que qualificou de “show de hipocrisia”.
Levy lembrou que a Força Aérea de Israel “não dá a mínima para a soberania do Líbano ao voar sobre seu espaço aéreo” e de lá atirar mísseis contra a vizinha síria. Lembrou que “Israel já devastou o Líbano duas vezes através de guerra”.
E acrescentou: “Não foi o mesmo ministro da Defesa que já na semana passada ameaçou o mesmo Líbano de destruição de sua infraestrutura? O primeiro-ministro também não tem ameaçado o Líbano?”
Gideon Levy pergunta “como o Líbano poderia aceitar esta ajuda?”
Mas em Israel, onde até o prefeito de Tel Aviv mandou iluminar o prédio da Prefeitura com as cores do Líbano em manifestação de rara solidariedade, houve quem celebrasse a tragédia.
A verdade é que foram poucos os que expressaram uma satânica alegria com a tragédia, reconhece Levy, mas houve quem o fizesse.
O chefe do partido Zehut (Identidade) de ultradireita, Moshe Feiglin, que já foi deputado pelo Likud, partido de Netanyahu, disse que aquilo que aconteceu em Beirute “foi presente de Deus”.
A insanidade de Feiglin causou repúdio a ponto do ex-porta-voz do exército israelense, Avi Benayahu, declarar que o ex-deputado “com estas declarações não pertence ao judaísmo”.