O desembargador Alcides da Fonseca Neto, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, avaliou que os decretos baixados por Bolsonaro para flexibilizar a posse e o porte de armas no país podem ter como efeito o fortalecimento do poder de fogo das milícias.
“A partir do momento que permitem que um maior número de armas sejam colocadas na rua, isso de uma certa forma facilita o trabalho das milícias. Quanto mais armas na rua, qualquer organização criminosa tem maior facilidade de ter contato com armas”, afirmou o magistrado. “Evidentemente não estou dizendo que esse era o objetivo do presidente da República, mas é um efeito. Principalmente para uma organização criminosa que tem entre os seus membros agentes do Estado. Isso é péssimo”, enfatizou.
Presidente do Fórum Permanente de Segurança Pública da Emerj (Escola de Magistratura do Estado do Rio), ele vem criticando a forma como as autoridades têm se portado em relação às milícias. Em entrevista ao portal UOL, publicada na quarta-feira (19), Alcides da Fonseca Neto defendeu que as milícias sejam tratadas como crime federal e combatidas por uma força-tarefa nos mesmos moldes da Operação Lava Jato.
Segundo o desembargador, em função da “relação umbilical” que se estabeleceu entre as milícias e a polícia, esta é a única alternativa para impedir que o Rio vire um “narcoestado”. “É preciso que as pessoas entendam que milícia não é mais um mero poder de policiais ou ex-policiais. Deixou de ser um mero poder paramilitar. Não é isso. Milícia precisa ser entendida como aquilo que ela é: poder político, porque ela está dentro do Estado”, observou.
“É público e notório que existe uma relação umbilical entre as milícias e a polícia. De uma tal forma que você não consegue mais saber quem é miliciano e quem é policial. Claro que seria totalmente leviano dizer que todo policial está ligado à milícia. Mas que existe uma relação muito forte entre boa parte desses policiais e a milícia, existe”, acrescentou.
Alcides da Fonseca Neto citou como exemplo desse entrelaçamento o que acontece na comunidade da Muzema, Zona Oeste da capital fluminense, onde a milícia foi expandindo seus tentáculos, aumentou sua área imobiliária e construiu prédios ao longo dos últimos anos sem que as autoridades tomassem providências para defender os moradores da ação dos criminosos.
“Li a carta anônima de um morador falando como eles são obrigados a pagar por segurança, gatonet e uma série de serviços. E se não pagarem são expulsos ou mortos. O cidadão está entregue para ser objeto de extorsão e a impunidade é total”, contou.
Ele explicou porque defende que a milícia vire crime federal e sobre a conveniência da criação de uma força-tarefa nos moldes da Lava Jato. “Na minha opinião, a Polícia Federal e o procurador da República têm condição de trabalhar, ainda que a PF tenha que pinçar esse ou aquele policial estadual, porque eles sabem com quem podem contar. Essa é a única solução a médio e longo prazo para resolver essa situação”, disse.
“Se [a milícia] fosse da competência da Justiça Federal a minha solução seria essa. Criação de uma força-tarefa exatamente como foi feito na Lava Jato, com a PF e a Receita Federal. Você precisa seguir o dinheiro. A milícia da Praça Seca [Zona Oeste] estava dando boleto bancário para o morador pagar. Eles pegam o boleto e pagam no banco, então tem um destinatário. E ninguém se preocupa em saber quem está recebendo? E isso é uma forma arcaica de fazer isso. O resto do dinheiro da milícia está indo para onde e para quem? Ninguém nunca se preocupou com isso. É a coisa mais óbvia do mundo. Se fosse uma força-tarefa, seria a primeira coisa com que ia se preocupar”, afirmou.
“Se continuarmos do jeito que nós estamos indo, vamos chegar ao ponto em que a milícia vai tomar conta do tráfico de drogas. O traficante vai virar empregado do miliciano. A milícia vai passar a dominar totalmente o processo: recebimento da droga, importação, exportação, distribuição da droga e das armas também”, advertiu o magistrado.
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Mas, leitora, o problema do Bolsonaro é pensar (ou não)…