Reproduzimos parte da entrevista concedida por Luis Arce Catacora, ex-ministro da Economia e candidato do Movimento Ao Socialismo (MAS) à Presidência da Bolívia, à jornalista Mercedes López San Miguel, do Página 12 da Argentina.
Luis Arce Catacora, que alguns conhecem como Arce e outros como Catacora, é o responsável pelo modelo econômico dos últimos 14 anos na Bolívia. E que foi interrompido abruptamente em outubro passado, com o golpe de Estado contra o governo de Evo Morales.
Economista, com dois filhos engenheiros e uma filha que está para começar também na carreira de Engenharia, Arce tem enfrentado as adversidades. Após o golpe, viajou em 12 de novembro para o México com Morales e o vice-presidente deposto Álvaro García Linera e, quando em 28 de janeiro regressou a La Paz, onde reside, era esperado com uma intimação judicial.
O candidato à Presidência pelo Movimento ao Socialismo (MAS) ainda espera que o Tribunal Superior Eleitoral habilite sua postulação às eleições de 3 de maio. Está convencido de que é um tema político. “Querem meter medo às pessoas dizendo que não vamos nos candidatar”, afirma na entrevista em uma casa do bairro de San Telmo, em Buenos Aires, depois de manter uma reunião com o chefe de campanha, Evo Morales. [Nesta entrevista, dada na quinta-feira, o ex-presidente ainda não havia tido a candidatura impugnada pelos golpistas].
Arce lidera a última sondagem – difundida esta semana – com 31,6% de intenção de votos, seguido pelo ex-mandatário de direita Carlos Mesa, com 17%, e pela presidenta golpista Jeanine Añez, com 16,5%.
“O primeiro que temos que fazer é reconstruir a economia boliviana, que destruíram em três meses”, diz o aspirante à presidência da Bolívia, preocupado com o que possa suceder até a eleição.
Página12 – Ainda é preciso que o Tribunal Superior Eleitoral habilite sua candidatura. É uma questão administrativa ou há algo mais de fundo?
Luis Arce – Veja bem, para mim é um tema eminentemente político o que está ocorrendo com este Tribunal Superior Eleitoral. Quer vasculhar absolutamente tudo. A primeira vez que fui chamado atenção foi na semana passada, quando disseram que devia substituir minha declaração jurada de residência. Que estaria errada. Tinha que declarar que moro na Bolívia há pelo menos cinco anos. Tudo é um show. Querem amedrontar as pessoas dizendo que não vamos nos candidatar, que não temos os requisitos para postular. E agora vêm com outro tema. Em 2018 fui membro da diretoria de duas empresas subsidiárias da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos, da YPFB Transporte e da YPFB Andina. Disseram que não havia renunciado, mas não tinham me pedido esse requisito. Quando assumi outra vez o Ministério da Economia, em janeiro de 2019, é claro que renunciei aos dois cargos, por ser eticamente incorreto acumulá-los. [Arce foi ministro de Economia entre 2006 e 2017, quando deixou o cargo para se submeter a um tratamento médico e o recuperou em janeiro de 2019].
“Temos que continuar nossos processos industrializadores, vamos retomar o que nunca devíamos ter deixado de fazer. Temos que voltar a ser a economia de maior crescimento econômico na região. E continuar aprofundando modelos de distribuição de renda do nosso modelo econômico”
O que está prometendo aos bolivianos?
O primeiro que temos que fazer é reconstruir a economia boliviana. A destruíram em três meses. O que está acontecendo em meu país é atroz: diminuíram os depósitos, a economia foi dolarizada outra vez, caiu a atividade econômica, os microempresários tiveram suas vendas reduzidas em 50%. Temos que continuar nossos processos industrializadores, vamos retomar o que nunca devíamos ter deixado de fazer. Temos que voltar a ser a economia de maior crescimento econômico na região. E continuar aprofundando modelos de distribuição de renda do nosso modelo econômico.
Evo Morales disse que parte do golpe foi realizado por causa do lítio. Estás de acordo?
Totalmente. Esse projeto teve que ser paralisado e agora este governo transitório está negociando um contrato estrutural que tem que ver com o lítio, mas não é só isso. Havíamos avançado a negociação com uma empresa alemã para que se instale na Bolívia e produza baterias de lítio. Este governo desfez o contrato. Além disso, estão negociando um contrato de volumes e preços de exportação de gás para o Brasil. Não é uma coisa menor, já que terá impacto nos anos seguintes. Como pode ser possível isso por parte de um governo transitório? A única coisa que tinham que fazer era convocar as eleições e em 120 dias.
O que temer desta negociação com o Brasil?
Que não se cuidem os interesses dos bolivianos. O senhor Montes, que estava a cargo da empresa estatal de comunicação, fugiu para Miami porque aumentou os salários, pagou indenizações e foi embora [Élio Montes, nomeado pelos golpistas, foi denunciado por malversação de fundos]. Voltamos ao passado escuro, quando umas poucas famílias eram as únicas que manejavam os desígnios das empresas do Estado.
“O governo golpista nomeou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. E a governante se candidata à Presidência. Onde está a transparência?”
Há garantias na Bolívia de hoje para a realização das eleições de 3 de maio?
O governo golpista nomeou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. E a governante se candidata à Presidência. Onde está a transparência? Não é só por isso que pedimos a ajuda da opinião internacional. Nos disseram que o tribunal anterior tinha um sistema que foi fragilizado. Quem nos garante que o atual sistema não tenha tudo o que eles denunciaram? E digo mais: este tribunal eliminou a contagem rápida, disse que só vai anunciar os resultados dez dias depois das eleições. Quem garante que não ocorra nada neste meio tempo?
Imagino que haverá observadores internacionais.
Estamos pedindo que venha a maior quantidade de observadores, mas também é importante que durante todo o processo eleitoral vejam o que estão nos fazendo com essas impugnações, superficiais e arbitrárias, que não fazem para nenhuma outra candidatura. Queremos que eles possam comprovar diante da imprensa internacional e dos observadores que o sistema é invulnerável. Temos claros indícios de que o processo não está nada transparente para todos os bolivianos.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) voltará a participar?
Queremos que outras instituições especializadas no tema eleitoral, como a Fundação Carter, venham garantir tudo o que venho dizendo: que o sistema funcione. Que seja imparcial, que alguém possa nos dar a segurança de que estão fazendo o mesmo com todos os candidatos, se é que estão fazendo, e que nos garanta eleições transparentes.
Quando regressou à Bolívia, a Promotoria o notificou de um processo contra a senhor, relacionado com o Fundo Indígena. Do que o acusam?
Cheguei a Bolívia, desembarquei e antes de ir à sala de migrações já havia um policial me esperando com uma notificação. É amedrontamento, é perseguição política. Fui convocado para estar no dia seguinte na Promotoria e fui. Não tenho nada a ocultar, não sou nenhum corrupto. Eu não fiz absolutamente nada mal feito. Aí felizmente teve gente das Nações Unidas que percebeu a irregularidade na notificação e a irregularidade do processo. Até agora não pudemos ver do que sou acusado.
A última pesquisa divulgada esta semana mostra que o senhor lidera as intenções de voto, mas que não evitaria um segundo turno.
Nós acreditamos que podemos fazer melhor. O nível de votação que queremos vai além do que nos mostrou essa pesquisa. Vamos continuar trabalhando humildemente para consegui-lo. Há uma maior inclinação em nossa direção por parte da população por tudo o que está acontecendo na Bolívia: estão dividindo as empresas públicas, estão pondo em risco todas as políticas sociais, não estão pagando os bônus e rendas que havíamos estabelecido como política social; os salários do setor público passaram a ser pagos nos dias 10 ou 15 do mês seguinte, quando pagávamos no fim do mês. Isso as pessoas não aguentam. Estavam acostumadas a que houvesse um tratamento adequado da economia, com gente séria e responsável que sabia o que estava fazendo. Portanto, isso vai se traduzir em mais votos para nós. E digo mais: existe um voto oculto. Ao caminhar pelas ruas de Santa Cruz, de Cochabamba, de La Paz, se vê que as pessoas estão temerosas. Se dizem que vão votar no MAS são culpadas de rebelião, perseguidas, agredidas. Isso acontece. Então as pessoas têm medo e quando perguntam não vão dizer que votam no MAS. Há um voto oculto, como aconteceu em 2005 com o então candidato à Presidência Evo Morales. As pessoas tinham medo, e tivemos 54% quando as pesquisas não nos davam nem 30%.