A denúncia de que um homem mantinha, havia 17 anos, a mulher e os dois filhos em cárcere privado trouxe à tona ainda mais traços de horror do que o que podia ser imaginado pelos vizinhos.
A mulher que era mantida em cárcere privado em Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, contou, em seu depoimento à polícia, que os três sofriam violência física e psicológica de forma permanente e que eles chegavam a ficar três dias sem comer.
A vítima disse ainda que o marido, Luiz Antonio Santos Silva, nunca permitiu que ela trabalhasse e que os filhos frequentassem a escola.
Ele foi preso na última quinta-feira (28), após uma denúncia anônima. Ele vai responder por sequestro ou cárcere privado; vias de fato; maus-tratos e tortura.
Os três resgatados permanecem internados no Hospital Rocha Faria com desidratação e desnutrição grave. O quadro deles é estável. Além dos cuidados clínicos, eles recebem acompanhamento dos serviços social e de saúde mental.
Vizinhos relataram que Luiz Antonio, conhecido como DJ, tinha o hábito de colocar o som alto para abafar os gritos de socorro. E que costumava jogar fora a comida doada pela vizinhança para que a mulher e seus filhos não comessem.
Policiais militares do 27º Batalhão (Santa Cruz), que socorreram a família, disseram que, mesmo acostumados a lidar com crimes, se surpreenderam com o caso. A principal preocupação foi oferecer atendimento médico à família.
“A situação era estarrecedora”, resumiu o policial militar que prestou socorro.
A família vivia em condições sub-humanas e sem higiene. Os filhos, de 19 e 22 anos, foram encontrados amarrados, sujos e subnutridos. E, apesar de adultos, aparentam ter a idade de crianças.
“Encontraram na residência uma senhora e mais duas pessoas que eram filhos dessa senhora com aparência de uma criança, subnutridos”, falou o agente sobre as condições da família.
O caso é investigado pela 43ª DP (Guaratiba). A Secretaria Municipal de Saúde informou que a mulher e os filhos que estavam em cárcere privado apresentavam quadro de desidratação e desnutrição grave e estão recebendo o atendimento necessário, além do acompanhamento dos serviços social e de saúde mental.
Os vizinhos também se surpreenderam com a aparência da família. Marizete Dias, moradora da região, ficou impressionada com a situação de desnutrição da família e contou que no momento da libertação da família pela polícia, a mulher não conseguia sequer falar.
“Vimos o estado que as duas crianças saíram daqui e mais uma semana, acho que não iria mais sobreviver, e eu falei com ela na ambulância. E ela está sem conseguir falar, se expressar, até porque de fraqueza”, disse Marizete.
Os vizinhos relataram que tentaram pedir ajuda ao poder público, mas, sem retorno, passaram a alimentar a mãe e seus dois filhos escondidos.
“As crianças ficavam presas, amarradas. Na quarta-feira, eu trouxe pão, mas a mulher contou que o Luiz viu e jogou fora, contou que ele queria bater nela, que achou ruim, e que eles não comeram nada”, contou Sebastião Gomes da Silva.
Ele contou ainda que, na quinta-feira, dia da libertação da família, conseguiu dar uma fruta para a menina.
“A menina pegou hoje aqui, a bichinha pegou a banana e comeu com casca e tudo. Ela estava com muita fome”, contou.
CASO JÁ DENUNCIADO
Moradores contaram ainda que denúncias foram feitas ao posto de saúde do bairro e ao Conselho Tutelar, mas que de nada adiantou.
A direção da Clínica da Família Alkindar Soares Pereira Filho informou que notificou a suspeita de maus-tratos em 2020 ao Conselho Tutelar da região.
O Conselho Tutelar de Guaratiba disse que acompanha o caso há dois anos, que chamou o Ministério Público e polícia, mas nada foi feito até então.
O MPRJ investiga o motivo para nenhuma medida ter sido tomada, já que o Conselho Tutelar informou ter tomado conhecimento sobre o caso em 2020.
Ainda segundo a nota, o Conselho teria respondido que estava tomando todas as medidas pertinentes, como ter levado o caso ao 27º Batalhão da Polícia Militar (Santa Cruz) e à Polícia Civil, gerando um registro da ocorrência. O MPRJ também afirmou que toda a rede de proteção do município estava ciente do caso e que ainda propôs ação judicial para as medidas complementares de proteção ao jovem de 19 anos, que, na época, era adolescente.