Reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira (12) desmonta mais uma farsa de Pablo Marçal, ex-condenado e preso por roubo qualificado e que atualmente disputa a prefeitura da principal capital do país por um partido acusado de ligação com a facção criminosa “PCC”.
A farsa é um vídeo divulgado por sua campanha como uma aparente “obra social” que seria conduzida por ele em Angola, na África.
O jornal paulista foi até a região de Camizungo, comunidade rural a 50 km de Luanda, capital de Angola, de onde Marçal tirou as imagens para mais uma de suas farsas eleitorais. O vídeo mostra uma música angelical e uma sequência de imagens de pessoas negras rezando e olhando para o céu.
E eis que surge a imagem de Marçal dizendo: “Eu sei que várias ‘mamas’ aqui já oraram pedindo uma água limpa, pedindo uma vida digna. A oração que vocês fizeram para Deus vai ser respondida”, discursa Pablo Marçal, do alto de uma árvore.
O vídeo do ex-coach foi lançado em seu canal do YouTube no mesmo dia em que ele oficializou sua candidatura à prefeitura de São Paulo. O vídeo, portanto, foi divulgado antes do escândalo provocado pelas notícias confirmadas de que ele havia sido preso como integrante de uma quadrilha de ladrões de bancos. O tom adotado por Marçal no vídeo de campanha tentou passar uma imagem de que ele era uma pessoa de bem, porém, sua realidade criminosa veio à tona logo em seguida.
Segundo a Folha, o projeto foi criado pela ONG brasileira cristã Atos, presente no país há 14 anos, e é sustentado por cerca de mil doadores, entre os quais já figuraram outros famosos como a pastora Ana Paula Valadão, o jogador do Palmeiras Felipe Anderson e até a cantora Anitta. Não se sabe se lavagem, mas o fato é que Marçal, já visando sua candidatura, passou a contribuir com o projeto.
Há questionamentos sobre contribuições que teriam sido desviadas. Das quase 350 famílias que Marçal prometeu realojar com mão de obra local, mais de 300 ainda vivem em barracos de lata que chegam a 50°C durante o dia. E a energia elétrica e a água que ele exalta ter trazido muitas vezes não chegam nem às 42 casas erguidas até agora, as quais provocaram novos conflitos por terra.
Como a comunidade é evangélica e Marçal tentou se infiltrar nas bases bolsonaristas, começou uma verdadeira guerra. O assunto do vídeo virou munição até para o pastor bolsonarista Silas Malafaia: “O [site] The Intercept traz uma grave acusação que você tem que explicar muito bem. Era para ter 90 casas, o que você fez com o dinheiro?”, diz ele aos gritos num vídeo espalhado nesta terça. “Acorda, evangélicos, povo da direita, cristãos, apoiadores do Bolsonaro: ele usa técnicas de neurociência para te manipular”.
O site citado por Malafaia publicou que as doações pedidas por Marçal à Atos foram feitas a dois CNPJs na cidade de Prata, na Paraíba. A ONG rebate que possui escritório físico no município, de onde vem seu fundador e pastor Itamar Vieira, e que o Centro Vida Nordeste, dono do outro CNPJ, é seu parceiro desde 2017 e envia os recursos do Brasil.
Pedro Fortaleza, coordenador da associação de moradores, conta que em 2018, portanto antes da chegada de Marçal, os moradores já trabalhavam no centro de agricultura sustentável levado pela ONG. “É uma comunidade, em princípio, formada por 90% de camponeses e 10% de funcionários públicos”, diz.
Para os únicos moradores que receberam casas, os idosos Morais Yaconda e Margarida João Lopez, Marçal aparece entregando as chaves. Mas há muitos descontentes. Pedro Fortaleza contou à reportagem da Folha que a ONG Atos deu rapidamente uma casa a uma agricultora que possuía um terreno de 50 m², para que ela não continuasse a criticar o descaso. Ele diz que esses conflitos têm sido acompanhados de perto pela associação de moradores, para que não prejudiquem a continuidade do projeto.
Depois que a iniciativa surgiu, outras famílias em pobreza extrema do entorno, alimentadas pela esperança de serem contempladas, passaram a chegar e a construir mais casas de lata ao lado das novas de tijolos ecológicos (produzidos por cinco máquinas doadas por Marçal, quatro delas batizadas com os nomes de seus filhos). Nessas partes, diz a reportagem, ainda existem cenas como crianças comendo em meio a ratos, segundo a própria ONG, que diz que as famílias originais estão cadastradas e que o governo local acompanha a situação.
A reportagem prossegue afirmando que, em outro filme divulgado em 2020, Marçal é apresentado dando água na boca de meninos angolanos. “Vai chegar um caminhão agora para perfurar o poço de água de vocês”, diz ele, já em 2024. Mas a história é mais longa do que isso. A primeira doação para um poço na região veio ainda em 2017, por duas senhoras sul-coreanas.
A profundidade não foi suficiente, e um fazendeiro português vizinho cedeu o dele, para uso agrícola. Além dessa, há hoje ali outras duas fontes do recurso, que as pessoas buscam com baldes: água do governo, que a ONG encanou e é esporádica. “Eu doei a rede elétrica”, também afirmou o farsante à reacionária Revista Oeste na terça (10), outra afirmação que omite nuances. “Há um ano chegou a energia, mas só no imóvel da instituição [ONG]. Em 2022, o administrador municipal nos doou 30 postes de madeira. Depois, fizemos uma contribuição [vaquinha] para comprar os cabos”, conta o presidente da associação de moradores.
A reportagem concluiu questionando como uma pessoa pode tratar como exemplo de política pública para São Paulo uma iniciativa filantrópica que depende de contribuições voluntárias e sobre a qual não se sabe nem sequer o custo total.
A ONG Atos afirma ser difícil estimar os custos pelo caráter das doações, que chegam gradualmente e incluem estruturas inteiras trazidas da China ou da Espanha, sem os valores.