
Escritura do imóvel foi fraudada e está sendo investigada pelo MPF-DF. Filho do presidente é acusado também de montar o esquema de rachadinha para desviar R$ 6 milhões da Assembleia Legislativa do Rio
A mansão de luxo comprada por Flávio Bolsonaro no Lago Sul de Brasília, área nobre da capital, continua trazendo problemas ao senador, que já é acusado de desviar recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O Ministério Público do Distrito Federal investiga irregularidades na compra da mansão. Flávio diz que pagou R$ 6 milhões pelo imóvel de luxo, a mesma quantia que, segundo o MP-RJ, ele desviou da Alerj.
O esquema foi montado junto com o ex-PM e miliciano Fabrício Queiroz, ligado a Adriano Nóbrega, o mandachuva todo poderoso da milícia do Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio e também ex-chefe do Escritório do Crime, uma espécie de Central de Assassinatos por aluguel das milícias cariocas.
FUNCIONÁRIOS FANTASMAS E MILÍCIA
O então deputado estadual nomeava funcionários fantasmas para o seu gabinete. Eles não trabalhavam e repassavam a maior parte dos salários recebidos para Fabrício Queiroz que abastecia as contas de Flávio, de sua mulher, Fernanda Antunes, e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A ex-mulher e a mãe de Adriano Nóbrega eram funcionárias fantasmas do gabinete de Flávio e repassavam recursos tanto para o deputado quanto para a milícia.
Agora, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acrescentou mais um ingrediente no caso da mansão. Em entrevista ao podcast Flow, na sexta-feira (6), afirmou que o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o “Zero Um” de Jair Bolsonaro, mentiu ao dizer que a mansão comprada por ele teria custado R$ 6 milhões. “Sabe o preço da mansão?” – perguntou Doria. E ele mesmo respondeu: “R$ 14 milhões. R$ 6 milhões foi o que ele declarou e foi fazer o registro lá em Taguatinga, no cartório lá do fim do mundo para ver se ninguém descobria”.
Flávio, na realidade, registrou o imóvel em Brazlândia, região administrativa localizada a 62 quilômetros do imóvel. O senador da rachadinha nega as falcatruas e afirmou que vai processar o governador de São Paulo.
O negócio foi financiado pelo Banco de Brasília (BRB). O senador se comprometeu a pagar R$ 3,1 milhões em um financiamento de 30 anos. Disse que teria vendido imóveis no Rio de Janeiro, mas nunca apresentou comprovação dessas vendas. Ele teria pago R$ 181 mil à vista para quitar impostos e mais R$ 2,87 milhões de entrada. As parcelas representam o equivalente a 70% da renda de Flávio como senador, que tem salário líquido de R$ 24,9 mil.
RETOMADA DAS INVESTIGAÇÕES
Na semana passada o processo que investiga o esquema da rachadinhas de Flávio Bolsonaro voltou a andar na Justiça do Rio de Janeiro. O caso estava parado há seis meses, desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a quebras de sigilo bancário e fiscal dos investigados. Posteriormente, a defesa do filho mais velho do presidente da República apresentou um pedido para que o processo voltasse à estaca zero — que foi negado pelo STJ.
A continuidade do processo, agora, foi assegurada pela desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo, do TJRJ, atendendo a pedido do Ministério Público. Na argumentação, o subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais, Roberto Moura Costa Soares, afirmou que o processo possui evidências que independem da quebra de sigilos bancário e fiscal. As informações são do jornal Extra.
O argumento foi aceito pelo Tribunal de Justiça. “Seguindo essa linha de raciocínio, a mesma sorte merece o acordo de colaboração firmado entre o Ministério Público e a denunciada Luiza Souza Paes”, diz um trecho da decisão da desembargadora. Luiza é a ex-assessora do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro que confirmou, em depoimento, o esquema de rachadinhas — que consiste na devolução, a pedido do parlamentar, de parte do salário dos funcionários do gabinete.
HISTÓRICO DO CASO FLAVIO/QUEIROZ
O primeiro relatório do Conselho de Acompanhamento Financeiro (Coaf) sobre o caso apontou a existência de operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O Coaf detectou uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz entre 2015 e 2016. Foi descoberta ainda, na mesma investigação, um depósito de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, primeira dama do país.
Com o desenrolar das investigações e a quebra de sigilos bancários, descobriu-se que Fabrício Queiroz depositou 21 cheques na conta da primeira- dama, Michelle Bolsonaro, no valor de R$ 72 mil, e que sua mulher, Márcia Oliveira, depositou mais R$ 17 mil, perfazendo um total de R$ 89 mil.
Além disso, o Coaf observou que nove funcionários de Flávio Bolsonaro faziam depósitos regulares na conta de Fabrício Queiroz, inclusive sua filha, Nathalia Queiroz, que, apesar de morar no Rio, estava lotada no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro. O Coaf achou também um depósito de R$ 84 mil feito por sua filha, Nathalia, na conta do pai.
Um outro relatório do Coaf mostrou que Queiroz não movimentou, em sua conta, apenas R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Na verdade, Queiroz operou R$ 7 milhões. Nos dois anos anteriores a janeiro de 2016, Queiroz a movimentação chegou a R$ 5,8 milhões, o que significa uma média de R$ 2 milhões e 300 mil por ano, entre 2014 e 2017, sem renda ou patrimônio que expliquem o fenômeno.
No caso envolvendo Nathalia Queiroz é importante um pequeno parêntese. Ela recebia um salário de cerca de R$ 10 mil do gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília, como assessora parlamentar do gabinete. Tinha uma carga horária de 40 horas semanais. No entanto, ela nem residia em Brasília. Era personal trainer e trabalhava normalmente no Rio de Janeiro.
Vídeos e fotos de suas redes sociais mostraram Nath, como ela era conhecida em seu meio, atendendo seus clientes – alguns, inclusive artistas famosos – em horários comerciais. Ela tentou apagar tudo da internet, mas já era tarde.
Ou seja, Nath era lotada e recebia pelo gabinete de Jair Bolsonaro, mas não trabalhava em Brasília. Nathalia Queiroz recebeu R$ 250 mil da Câmara dos Deputados (R$ 225 mil em salários e R$ 25 mil em auxílios), entre dezembro de 2016 e agosto de 2018, sem trabalhar na função de assessora legislativa. Seus clientes no Rio de Janeiro nem sabiam que era lotada na Câmara dos Deputados, na capital federal.
O gabinete de Jair Bolsonaro, numa afronta aos fatos, atestou frequência de 40 horas semanais de “ex- assessora”. Registros da Câmara dos Deputados mostram que Nathalia Queiroz não teve nenhuma falta sem justificativa e nem tirou licença durante os quase dois anos em que trabalhou para Jair Bolsonaro em Brasília. Pelos registros do gabinete de Bolsonaro, ela fazia mágica: atendia seus clientes no Rio diariamente e batia o ponto em Brasília.
Nathalia recebia pelo gabinete de Flávio Bolsonaro desde os 18 anos. Quando foi exonerada, ela foi substituída pela irmã, Evelyn Queiroz. Sua mãe também estava lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro. Uma semana depois de sua exoneração na Alerj, Nath aparaceu lotada no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília. Depois apareceram também pessoas ligadas a milícias lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O Ministério Público do Rio de Janeiro deu prosseguimento às investigações do esquema de lavagem de dinheiro do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro e descobriu que o chefe da milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, ficava com parte dos valores arrecadados através de “rachadinha” no gabinete do então deputado.
De acordo com o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), Adriano Nóbrega fez contato com a então esposa, Danielle Mendonça, por Whatsapp no dia 29 de dezembro de 2018 – período no qual já estava foragido e com a investigação do Caso Queiroz já em curso.
MILICIANO RECEBIA RECURSOS DO GABINETE VIA ESPOSA
Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete.
Em outra mensagem, Queiroz diz:
Queiroz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”.
Queiroz: “estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada. Em uma conversa com uma amiga em janeiro deste ano ela admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava.
Danielle: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”.
O MP afirma que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido quem arrumou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj.
Os promotores lembram ainda que Flávio Bolsonaro homenageou Adriano de Nóbrega com moção de louvor pelos inúmeros serviços prestados a sociedade e destacam que Adriano e Queiroz foram amigos de farda.
O MP afirma também que ao nomear a esposa e a mãe de Adriano para cargos comissionados, Flávio Bolsonaro transferiu, ainda que indiretamente, recursos públicos para o acusado de integrar milicia.
Segundo o MP, Adriano interveio junto a Queiroz na tentativa de manter sua ex-esposa Danielle Mendonça da Costa no cargo e admitiu que era beneficiado por parte dos recursos desviados por parentes dele também nomeados na Alerj.
Os salários de Raimunda e Danielle, mãe e mulher do miliciano, somaram, ao todo, R$ 1.029.042,48, dos quais pelo menos R$ 203.002,57 foram repassados direta ou indiretamente para a conta bancária de Queiroz, segundo o MP. Além desses valores, R$ 202.184,64 foram sacados em espécie por elas. Segundo o MP, isso viabilizaria a “simples entrega em mãos” de dinheiro para o ex-assessor.
O miliciano pediu informações a Danielle sobre a exoneração dela do cargo – Danielle Mendonça era funcionária fantasma do gabinete de Flávio desde 2007 até novembro de 2008. Eles conversam sobre dificuldade financeira enfrentada por ela. Em janeiro, Danielle volta a falar sobre problemas financeiros e Adriano se compromete a ajudar com “um complemento”.
Nessa mesma conversa, o ex-PM, morto numa operação policial na Bahia no início deste ano, afirma que “contava com o que vinha do seu também”, indicando que recebia parte dos valores oriundos de lavagem do gabinete de Flávio. O MP não revela, contudo, o quanto Adriano teria embolsado.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”.
Queiroz se refere a Adriano como “amigo”. Adriano é apontado pela Polícia Civil do Rio e pela promotoria como chefe do Escritório do Crime, espécie de central de assassinos de aluguel, das milícias, do qual fazia parte Ronnie Lessa, preso pelo assassinato de Marielle Franco em março de 2018.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”. Após perguntar se poderia voltar a ser nomeada em algum gabinete, Queiroz afirmou “pode ser que sim”.
QUEIROZ RECEBEU DOIS MILHÕES DE ASSESSORES FANTASMAS
Fabrício Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos feitos por 13 assessores ligados ao hoje senador Flávio Bolsonaro, segundo o Ministério Público do Rio. A defesa nega as acusações. As informações, obtidas por meio da quebra de sigilo bancário, constam na decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, que deu origem a uma operação deflagrada na quarta-feira (18). O MP cumpriu 24 mandados de busca e apreensão na investigação sobre um esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do RJ (Alerj).
O Ministério Público do Rio de Janeiro, que fez operação de busca e apreensão também na loja de chocolates de Flávio Bolsonaro, afirma ter indícios de que o senador Flávio Bolsonaro e sua mulher, Fernanda, pagaram em dinheiro vivo de forma ilegal R$ 638,4 mil na compra de dois imóveis em Copacabana (zona sul). Para os promotores, o uso de recursos em espécie tinha como objetivo lavar o dinheiro obtido por meio da “lavagem de dinheiro no antigo gabinete de Flávio na Alerj.
Flávio Bolsonaro citou suas atividades empresariais como fonte de seu patrimônio. “Sou empresário. Eu movimento no ano, recebo no ano, do lucro desta minha empresa, muito mais do que eu recebo como deputado. No comércio, você pega dinheiro”, afirmou, em referência a movimentações com valores em espécie. “A origem é a minha empresa e o imóvel que eu vendi, no valor de R$ 2,4 milhões. Você acha que, se fosse um dinheiro ilícito, eu ia depositar na minha conta”, questionou.
LOJA DE CHOCOLATE FOI INVESTIGADA
O relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) contradisse a versão do senador para explicar seus ganhos financeiros. O documento apontou movimentação atípica de Flávio Bolsonaro de R$ 632 mil entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. Segundo o RIF (Relatório de Inteligência Financeira), Flávio recebeu no período R$ 120 mil como lucro da loja. O valor é menor do que sua remuneração à época como deputado estadual, que somou R$ 131 mil no mesmo período. O órgão não conseguiu identificar a origem de outros R$ 90 mil recebidos por ele.
A informação sobre os imóveis consta do pedido de busca e apreensão de 111 páginas feito pelo MP-RJ à Justiça fluminense. A suspeita dos promotores decorre do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo. No dia 27 de novembro de 2012, Flávio e a mulher compraram dois imóveis em Copacabana. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento foi feito em duas etapas. Um sinal de R$ 100 mil pago em cheques no dia 6 de novembro. Dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura. O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
LAVAGEM COM IMÓVEIS
O norte-americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A Promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diversa do dinheiro da transação do senador. Ao mesmo tempo, os promotores escrevem na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a ex-assessores.
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil. O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.
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Em breve, ao digitarmos a palavra ‘mentira’, no dicionário, o significado será Bozo.