Manifestação do sábado (26) reuniu sindicatos, estudantes, sem-teto, advogados, entidades populares e partidos em repúdio ao neoliberal Macron e se espraiou por 190 cidades
Aos brados de “Stop Macron” e “A França não está à venda”, 280 mil pessoas foram às ruas por toda a França na “Maré Popular” em repúdio ao presidente de ares monárquicos e seu governo neoliberal e subserviente a Berlim e Washington. Em Paris, 80 mil se manifestaram, partindo da Gare de l’Est – em solidariedade aos grevistas ferroviários – até a Praça da Bastilha. Foram 65 mil em Marselha. Os protestos se estenderam a 190 cidades, entre as quais Tolouse, Lyon, Nantes, Caen, Rennes, Nice, Montpellier e Estrasburgo.
A manifestação congraçou sindicatos, estudantes, entidades populares, a ATTAC (aliança antiglobalização), movimentos de sem-teto e dos subúrbios, advogados – que repelem a ‘reforma da justiça’ de Macron -, partidos de oposição (França Insubmissa, comunistas, ecologistas e ‘anticapitalistas’) e dois candidatos a presidente nas últimas eleições, Jean-Luc Mélenchon (FI) e Benit Hammond (socialista), na mobilização de maior amplitude e diversidade dos últimos anos – com oitenta organizações convocando.
O “Stop Macron” – com o pare em língua inglesa – em uma manifestação de franceses por si só já funciona como um índice da rejeição que se aprofunda no seio do povo e extravasa nas ruas. A “Maré Popular” juntou num cadinho só as indignações que varrem a França diante do presidente que se elegeu, sob o coro hipócrita de ‘Le Pen vem aí’, se dizendo “nem de esquerda, nem de direita”, mas agora é quase unanimemente conhecido como “o presidente dos ricos”.
FERROVIÁRIOS
São ferroviários em luta contra a privatização da estatal das ferrovias e a precarização da função e salários. Aposentados contra o desconto extra (1,7%) nas pensões em vigor desde outubro passado. Os estudantes que ocupam universidades contra a ‘reforma do ensino” de Macron. Enfermeiras e médicos contra os cortes na saúde. Servidores públicos contra o congelamento de salários e a tesoura em 120 mil anunciada. O pessoal da Air France que barrou a privatização dos aeroportos. Os empregados do Carrefour sob risco de demissão em massa. Os trabalhadores em geral que tiveram rasgado seu código do Trabalho em favor do “acordado” (sob ditame do patrão) acima do legislado e do acordo coletivo. Também os moradores dos segregados subúrbios, entupidos de imigrantes e refugiados, que volta e meia ardem.
O presidente que tanto se enterneceu na Casa Branca diante de Trump e que ronrona para Merkel, também sabe ser duro. “Aqueles que querem bloquear o país não terão sucesso. Nenhuma desordem vai me parar”, asseverou, sobre a “Maré”. Declaração que levou o secretário-geral da CGT, a principal central, Philippe Martinez, a lembrar o nome de Juppé, o primeiro-ministro que nos anos 1990 caiu ruidosamente do cavalo depois de tentar passar o trator por cima dos ferroviários franceses.
Martinez também denunciou que no governo Macron “dão-se presentes para os muito ricos, convida-se para o Eliseu (o Palácio presidencial) diretores-executivos de empresas que não pagam seus impostos e, em paralelo, congelam os salários dos servidores públicos, aplicam o CGS (desconto da pensão recebida) aos aposentados”.
Os protestos demonstravam ânimo elevado, com participantes marchando e batendo tambores, espaço aberto para quem quisesse chegar e exibição de cartazes feitos à mão muito criativos – como um que ironizava o slogan de Macron de ‘tornar nosso planeta grande novamente’, e citava austeridade, bombardeio da Síria, destruição do serviço público e ‘pesticidas para todos’ .
Para nós, advogados, esta manifestação é sobre “como conceber a justiça e o acesso aos direitos”, afirmou Rachel Saada, da ordem de advogados de Paris e do Sindicato de Advogados da França. É que a fúria por retrocessos de Macron também se voltou contra a justiça. “Estamos mais determinados do que nunca a continuar”, afirmou em nome da Attac Aurélie Trouvé, conclamando a derrotar Macron e sua pretensão de submeter a França “aos cânones do ultraliberalismo”.
Dorothée Avet, da Federação de Pais, assinalou que “o rolo compressor das reformas torna essencial que todas as organizações progressistas se unam”. Contra o “golpe de estado social” se ergue a convocação pela “igualdade, justiça social e solidariedade”. Como denunciou Mélenchon, o projeto de Macron “é de uma brutalidade social sem precedentes”.
Na verdade, seu programa é cortar impostos dos muito ricos e podar salários e direitos de quase todos. Relatório recente da Bloomberg revelou que os bilionários franceses são os que aumentaram sua riqueza à taxa mais elevada no mundo desde o início de 2018, 12,2%.
Se o repúdio a Macron não para de crescer, em compensação o Rothschild-boy já foi coroado pela revista Forbes como “líder dos mercados livres”, após declarar que suas escolhas – suas? – são determinadas pelos interesses dos “investidores”. Na entrevista à Forbes, Macron repaginou o “não há alternativa” de Margareth Thatcher, com o “não há outra escolha”. Essa é sua mensagem também para os ferroviários, os aposentados, os trabalhadores em geral, os estudantes. Deixem a “governança”, a “gestão” com ele que ele garante que, entupindo de dinheiro os bancos e flexibilizando direitos e salários, vai escorrer riqueza para baixo e alcançar os agora desempregados.
O que explica outro cartaz que repercutiu muito nas redes sociais, em que um Macron, trajado com um uniforme que qualquer francês reconheceria como de nazista, exibe uma braçadeira com a palavra Medef – a federação patronal cujo grande sonho é, nas palavras de seu vice em 2007, Denis Kessler, o fim “do compromisso entre gaullistas e comunistas” de 1945, a Secu, a seguridade social.
Acrescenta com destaque o cartaz, ironizando o lema de campanha de Macron e seu estelionato eleitoral: “não sou de esquerda, não sou de direita, sou de extrema-direita”.
Um cabo eleitoral de Macron, sentindo a cutucada, clamou pelo Twitter: “até onde vai a indecência, o ódio e a estupidez?” Pergunta curiosa para um país que inventou a guilhotina e comemora sua data nacional no dia da queda da Bastilha. (Aliás, Macron diz que a guilhotinada do pescoço de Luis XVI deixou a França sem alma …) Antes da “ Maré Popular”, a “Festa para Macron” tinha trazido o povo de volta às praças e ruas e fortalecido as lutas dos ferroviários, estudantes e aposentados. A maré está subindo e Macron que se cuide.
ANTONIO PIMENTA