O professor da Faculdade de Educação da USP, Daniel Cara, criticou as mudanças realizadas no projeto de lei que cria a Nova Política do Ensino Médio pelo relator na Câmara dos Deputados, Mendonça Filho. Segundo o coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Mendonça quer “manter a tragédia da reforma do Ensino Médio de Temer”.
“Em respeito a educadoras/es, estudantes e ao Brasil, o desafio dessa semana é tirar de pauta o texto de Mendonça Filho ao Ensino Médio. Em uma provocação à educação, obedecendo ao Consed e às fundações empresariais, ele simplesmente mantém a tragédia da Reforma de Michel Temer”, afirmou em uma publicação no X (antigo Twitter), nesta segunda-feira (11).
O professor se refere ao projeto de lei 5.230/2023, que foi elaborado pela equipe do MEC como resultado de consultas públicas sobre o tema foi enviado ao Congresso para substituir a Reforma do Ensino Médio aprovada por Temer. Porém, esse texto recebeu mudanças que o desconfigura nas questões centrais.
A disputa que envolve o PL neste momento se dá em torno da carga horária de ensino, chamada “formação geral básica” (FGB). A proposta do MEC é reservar, dentro das 3.000 horas letivas totais do ensino médio, uma carga horária mínima de 2.400 horas para a FGB (as 13 disciplinas escolares), que a atual reforma havia reduzido para 1.800 horas.
Na Câmara, o relator do projeto, Mendonça Filho (União-PE), que é o ex-ministro da Educação de Michel Temer, que aprovou a reforma de 2017, e já se declarou defensor do “legado” do ex-presidente. Mendonça é apoiado por secretários estaduais de Educação para cortar 300 horas da formação científica dos estudantes, com objetivo de driblar a necessidade de contratação de professores nas redes estaduais. O relator tenta aprovar o projeto em regime de urgência, impedindo assim o debate no Congresso e a construção de uma Política de Ensino que realmente atenda às necessidades do país.
Na prática a proposta tenta “simplificar o currículo para baratear a educação dos mais pobres”, denuncia Daniel Cara.
Na noite desta segunda-feira, o presidente Lula enviou uma mensagem ao Congresso pedindo a retirada da urgência do projeto defendida por Mendonça Filho.
REFORMA SABOTA OS SONHOS DA JUVENTUDE
O Novo Ensino Médio aprovado por Temer, além de amplificar desigualdades escolares, “a reforma se mostrou administrativamente inviável, com escolas e redes de ensino tendo que planejar a oferta e a alocação de professores em dezenas (e até centenas) de disciplinas com pouco conteúdo científico. Maltratou a saúde física e mental do professorado e sabotou os sonhos de muitos jovens”, escreveu Daniel Cara, em recente artigo.
“Milhões de estudantes que há pouco fizeram as provas do Enem não tiveram aulas durante metade do ensino médio. Eles próprios afirmam que um itinerário formativo sobre sustentabilidade envolvendo empreendedorismo com sucata ou a fabricação de tijolos não pode ser chamado de ‘aula’”.
Uma nota técnica produzida por pesquisadores que estudam políticas de ensino médio, que também analisaram as 79 emendas apresentadas ao PL 5.230/2023, mostrou que “essa redução para 2.100 horas significa retirar dos estudantes 30 minutos por dia de acesso ao conhecimento. É como se o ensino médio durasse apenas 2,7 anos nas escolas públicas, em comparação aos três anos das particulares”, destacou o professor.
“Antes de defenderem o encurtamento da formação escolar nas escolas públicas, parlamentares e secretários de Educação deveriam responder quantas das aulas de física ou história eles trocariam por oficinas de “brigadeiro gourmet” nas escolas privadas de seus filhos e netos”, ressaltou Daniel Cara.
Para o professor, A dificuldade em lidar com conceitos filosóficos ou antipatia pelas aulas de biologia são comuns para jovens que ainda estão por perceber que o conhecimento que parece inútil nos torna pessoas pensantes e capazes de dar sentidos inéditos às coisas do mundo.
“Sim, precisamos conhecer os estados de oxidação do carbono para entender a enrascada climática em que nos encontramos. E, sim, precisamos de aulas de sociologia para problematizar mazelas que se perpetuam na mesma proporção do enriquecimento das elites nacionais”.
“Elites que, representadas por especialistas em educação fabricados por institutos e fundações empresariais, propuseram e defenderam a atual reforma do ensino médio, e seguem convencidas de que é preciso surrupiar horas-aula da formação científica de estudantes da escola pública para “modernizar” o currículo”, finalizou o professor da USP.
