Essas redes teriam quase US$ 3 milhões em ganhos. Só no YouTube, os 14 canais atingidos pelo despacho da última segunda-feira (16) podem gerar até US$ 2,9 milhões por ano em receitas — cerca de R$ 15 milhões, segundo cotação do dólar de sexta-feira (20)
O ministro-corregedor do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luiz Felipe Salomão, se reuniu, sexta-feira (20), com representantes de YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook, com a participação de técnicos da Polícia Federal, para que as empresas cumpram a determinação de desmonetizar canais bolsonaristas e revelem os montantes exatos arrecadados por esses.
Só no YouTube, os 14 canais atingidos pelo despacho da última segunda-feira (20) podem gerar até US$ 2,9 milhões por ano em receitas — cerca de R$ 15 milhões, segundo a cotação do dólar desta sexta-feira (20).
O cálculo é feito com dados da Social Blade, ferramenta que gera estatísticas sobre redes sociais e permite análises variadas, como sobre comportamento de seguidores, níveis de interação e previsão de ganhos. Por meio de nota, o YouTube não revelou quantias, mas confirmou a reunião, com representantes de outras empresas “para discutir e analisar a viabilidade das determinações”.
“Reforçamos nosso compromisso de permanecer colaborando com o trabalho das autoridades no Brasil e de prosseguir investindo em políticas, recursos e produtos para proteger a comunidade do YouTube de conteúdo nocivo”, está escrito na nota.
INQUÉRITO DA PGR
Em inquérito paralelo ao do TSE, o dos atos antidemocráticos, que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), a PGR (Procuradoria-Geral da República) contabilizou US$ 1,1 milhão obtido por canais bolsonaristas. Esse montante, porém, dizia respeito a alguns canais distintos dos alcançados pelo TSE e considerava receitas de junho de 2018 a maio de 2020.
O maior canal bolsonarista afetado é o Folha Política, com 2,5 milhões de inscritos e ganho que pode se aproximar de US$ 1,7 milhão por ano, segundo a Social Blade. Na conversão, o valor passa de R$ 5 milhões.
Um dos vídeos destacados no relatório policial que baseou o despacho do corregedor da Justiça Eleitoral dá versão falsa sobre ataques de hackers ao TSE. Alega que invasores acessaram “o sistema, a nave-mãe, o cérebro, o computador do TSE”.
ORIGEM
O faturamento desses canais vem de vídeos que exploram informações falsas ou tiradas do contexto, como no caso da urna eletrônica. Por supostamente revelar informações “secretas e bombásticas”, eles atraem o interesse de milhões de pessoas. Juntos, os 14 canais na mira do TSE somam 10,1 milhões de seguidores. É quase o triplo dos 3,5 milhões de inscritos no canal oficial do presidente Jair Bolsonaro no YouTube.
O processo contra as 11 plataformas sociais acusadas de divulgar conteúdos falsos e mentirosos, ataques ao sistema eleitoral e a instituições como o STF tramita em segredo de Justiça, segundo o TSE. Os valores arrecadados irão para conta judicial vinculada ao tribunal.
CACHÊ PARA COMUNICADORES
Além das redes sociais bolsonaristas, o governo também articulou e mobilizou, via Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), pagamento de cachê à comunicadores, com propósito de propagar campanhas da gestão Bolsonaro.
Segundo dados descobertos pela CPI da Covid-19 no Senado, a partir das quebras de sigilos fiscal, bancário, telefônico e temático, aos menos 32 apresentadores e influenciadores receberam para atuar em campanhas da gestão Jair Bolsonaro.
Lideram a lista nomes da RedeTV! e da Record, emissoras alinhadas a Bolsonaro. Os apresentadores abordaram “cuidado precoce” e agenda positiva, entre outros. Procurados, governo e emissoras não se manifestaram.
REAÇÃO QUE VEM DO JUDICIÁRIO
Mais de dois anos e meio de provocações, afrontas e crimes cometidos por Bolsonaro e os apoiadores dele, nas ruas e nas redes, contra o Congresso, e principalmente, o Supremo, eis que o Poder Judiciário começa a reagir. Que aconteceu?
No artigo “Bolsonaro une toga contra”, da jornalista Maria Cristina Fernandes, publicado no jornal Valor Econômico da última quinta-feira (19), talvez ofereça elementos sobre essa movimentação das placas tectônicas do Judiciário brasileiro depois de longa e tenebrosa hibernação. Vale a pena ler o artigo, pois é esclarecedor.
No artigo, a jornalista escreve que, em “conferência virtual na semana passada”, o “Presidente da Associação Europeia de Juízes, José Igreja Matos, desembargador na cidade do Porto, deixou a magistratura brasileira de orelha em pé ao relatar esses casos”, como os transcritos abaixo.
A audiência na conferência virtual era composta de ministros do STJ, presidentes de tribunais federais e estaduais, desembargadores e juízes. “Se nas gerações mais novas, o bolsonarismo um dia teve adeptos, como o ex-juiz Sergio Moro já mostrou, este encanto não apenas se quebrou como se transformou em medo”, escreveu Maria Cristina.
“A mobilização em redes sociais contra o Judiciário na Polônia partiu de dentro do gabinete do ministro da Justiça, que também é procurador-geral da República. O governo gastou € 40 milhões na manutenção de contas de notícias falsas contra juízes e tribunais.”
“Na Hungria juízes foram forçados a renunciar e o regime fez 1284 nomeações políticas. Aqueles que permaneceram em suas funções tiveram sua autonomia confrontada.”
Na Turquia 4,5 mil juízes foram presos nos últimos cinco anos. Centenas ainda estão detidos. Seus bens foram espoliados. A Associação Europeia de Magistrados criou um fundo de ajuda humanitária que distribui € 900 para que as famílias de magistrados possam sobreviver ou deixar o país como refugiadas.”