Para o ex-ministro Celso de Mello, o ministro do GSI “é um profanador dos signos legitimadores do Estado democrático de direito e conspurcador dos valores que informam o espírito da República”. “É repugnante e inaceitável”
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, a ministra Cármen Lúcia, assim como os ex-ministros Ayres Britto e Celso de Mello, afirmaram que não existe poder moderador no Brasil e que a tese defendida pelos bolsonaristas é golpista e contra a Constituição.
A manifestação dos ministros e ex-ministros do STF ocorre após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, defender um golpe contra a democracia com base no artigo 142 da Constituição, alegando um suposto “poder moderador” das Forças Armadas, em entrevista ao programa Direto ao ponto, da Rádio Jovem Pan, na noite da segunda-feira (16).
“O artigo 142 é bem claro, basta ler com imparcialidade. Se ele (artigo) existe no texto constitucional, é sinal de que pode ser usado”, declarou ele.
Segundo Heleno, é preciso “torcer” para que o “poder moderador” não seja utilizado. “Mas o ideal é que isso não venha ser utilizado. O que a gente tem que torcer é que ele não seja empregado porque será algo inédito e com todas as circunstâncias desse ineditismo”, frisa.
Os ministros e ex-ministros do STF rebateram essa visão distorcida da Constituição.
Segundo Luiz Fux, “inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador”.
“Para a defesa de um Poder sobre os demais, a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de Poderes”, continuou.
O presidente da Corte disse que o fato do Presidente da República ser o comandante supremo das Forças Armadas “não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição”.
Para tentar dar um ar de legalidade a uma intervenção, ou golpe, militar, os bolsonaristas estão afirmando que o artigo 142 da Constituição garante o direito das Forças Armadas intervierem quando acionadas por um dos Poderes.
O ex-ministro Celso de Mello responde que quem defende isso, como o ministro do GSI, Augusto Heleno, “é um profanador dos signos legitimadores do Estado democrático de direito e conspurcador dos valores que informam o espírito da República”.
“A apologia da adoção (e prática) do pretorianismo, mediante distorcida interpretação do artigo 142 da Constituição, é repugnante e inaceitável”.
Para ele, essa “tese” “traduz expressão de ostensivo desapreço que perigosamente conduz à prática autocrática do poder, à asfixia dos indivíduos pela opressão do Estado e à degradação, quando não supressão, dos direitos fundamentais da pessoa cuja prevalência traduz, no plano ético, o sinal visível da presença de instituições que apenas florescem em solo irrigado pelo sonho generoso da liberdade e da democracia”.
O ex-ministro Ayres Britto, que esteve no STF até 2012, acredita que a questão do poder moderador deve ser abertamente debatida na Corte, porque “se não houver essa discussão, as próprias Forças Armadas vão pensar que estão autorizadas a fazer o que Bolsonaro tem dito”.
“Num presidencialismo como o nosso, em que chefe de Estado e chefe de Governo coincidem, não existe poder moderador. Não está na Constituição”, explicou.
Britto disse ainda que “basta ser uma força armada para não ter direito de falar por último. O Judiciário fala por último por seu poder ser proveniente da fundamentação técnica de suas decisões, da sua imparcialidade”.
A ministra Cármen Lúcia acrescentou que “as Forças Armadas ajudam enormemente a Justiça Eleitoral na época das eleições de São Gabriel da Cachoeira a Santo Angelo no Rio Grande do Sul. Mas elas não são um poder à parte, porque a Constituição disse quais são os poderes da República, no artigo segundo, o Legislativo, Executivo e Judiciário. Não temos quarto poder hoje”.
“Quem prega contra o estado democrático e as instituições democráticas tem na própria constituição a tipificação de crime. A Constituição definiu que são crimes inafiançáveis e imprescritíveis a ação de grupos armados contra as instituições democráticas”, continuou.