O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (7) contra a criação do “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas.
A tese do Marco Temporal determina que os povos originários só poderão reivindicar a posse de áreas que já estivessem ocupando na data de promulgação da Constituição de 1988. Com isso, as terras sem a ocupação de indígenas ou com a ocupação de outros grupos neste período não poderão ser demarcados, caso o marco temporal seja aprovado.
O julgamento na Corte começou em setembro de 2021. Além de Moraes, dois ministros votaram: o relator do caso, Luiz Edson Fachin, contra o marco temporal; e o ministro Nunes Marques, a favor. Em seguida, o ministro André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise), suspendendo o julgamento.
Em seu voto, Moraes afirmou que a adoção de um marco temporal pode ignorar totalmente direitos fundamentais e defendeu que “a ideia do marco temporal não pode ser uma radiografia”. “Afasto a ideia do marco temporal”, declarou no voto.
No entendimento do Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.
Moraes citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco. O ministro lembrou que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930.
“Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?, questionou.
“Não podemos fechar os olhos a outras situações que eu trouxe aqui da comunidade dos índios Xokleng. Da mesma forma que não podemos fechar os olhos pros agricultores que têm suas terras, trabalham nas suas terras”, disse.
Para o ministro, quando há a ocupação indígena na terra ou disputa por ela, a posse deve ser destinada aos indígenas, sendo que os não-indígenas devem ser indenizados por benfeitorias (melhorias) feitas de boa-fé.
Em outras situações, quem ocupa a terra e não é indígena merece a indenização completa – tanto da terra nua quanto das melhorias de boa-fé.
O ministro também sugeriu a possibilidade de compensação dos indígenas com outras terras, caso seja impossível conceder exatamente aquela requerida – por exemplo, quando já há uma cidade no local – e que o Poder público seja responsabilizado pela ocupação irregular das áreas.
“A indenização deve ser completa para aquele de boa-fé. Não tinha como saber 130, 160 anos depois. A culpa, a omissão foi do Poder Público, que precisa arcar para garantir a paz social”, declarou.
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a suspender hoje (7) o julgamento do processo que trata da legalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A suspensão foi ocasionada por um pedido de vista do ministro André Mendonça. Pelas regras internas do STF, o caso deverá ser devolvido para julgamento em até 90 dias.
Na tentativa de pressionar o Supremo, a Câmara aprovou o Projeto de Lei 490/07, de 2007. Essa votação aconteceu em caráter de urgência, mesmo o PL sendo antigo e até hoje não debatido em todas as comissões que deveriam analisar a matéria, justamente, para mandar o recado ao STF.
O processo que motivou a discussão na Corte trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela Procuradoria do estado.
ACAMPAMENTO
Desde segunda-feira (5), indígenas de diversas etnias acampam em Brasília para acompanhar o julgamento no Supremo. O Acampamento da Mobilização Nacional Contra o Marco Temporal foi erguido na Praça da Cidadania, em Brasília. Aproximadamente duas mil lideranças indígenas de todo o país estão concentradas na capital federal, unindo esforços para garantir a demarcação de seus territórios e a preservação de suas próprias vidas.
Aproximadamente 2 mil indígenas desceram a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para acompanhar a retomada do julgamento que definirá o futuro das terras indígenas. O julgamento terá início hoje (7) à tarde, no STF.
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— Cimi (@ciminacional) June 7, 2023
Em uma coletiva de imprensa realizada do próprio acampamento, Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), diz que os indígenas não se deslocaram “só para acompanhar o julgamento”.
“Viemos a Brasília para trazer o nosso posicionamento contrário ao marco temporal, o nosso repúdio, a nossa força ao Supremo Tribunal Federal. Que os ministros e ministras do Supremo votem, à luz da Constituição brasileira, à luz dos direitos originários, não aprovando uma tese totalmente inconstitucional, que é o marco temporal”, afirmou Kleber.
Momentos antes de o STF retomar julgamento que definirá o futuro das terras indígenas de todo o país, o povo Xokleng – centro do caso – se concentrou, sob cantos e danças, debaixo da tenda principal do acampamento, em Brasília.
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— Cimi (@ciminacional) June 7, 2023
Cristiane Baré, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), afirmou que a tese do marco temporal, se aprovada, “vai mexer com toda a nossa vida, com os territórios de todo o Brasil”.
“O marco temporal é uma tese política que vem para barrar as questões de demarcações dos nossos territórios, uma tese trazida pela bancada ruralista, pelo agronegócio, pelos fazendeiros para tentar legalizar a entrada nos territórios indígenas, uma tese de genocídio para as populações indígenas”, disse Cristiane.
A assessora da Coiab reforçou, ainda, a importância de “rechaçar a tese inconstitucional do marco temporal pela vida do nosso povo, do nosso território”. “O território, para nós, não é algo abstrato. Nós somos o território, nós somos as florestas, nós somos o bioma. Um não vive sem o outro. Os seres que vivem nesse território também são seres de importância. É a nossa cosmovisão. Para nós, os rios têm vida, a floresta tem vida, e são esses seres que a gente tem que proteger”, finalizou.
🏹✊🏽NÃO SE NEGOCIAM NOSSOS DIREITOS! O coordenador jurídico da Apib, @terenamauricio, explica a sessão do julgamento do Marco Temporal realizada na tarde de HOJE (07/06) no @STF_oficial
Exigimos a retomada da pauta URGENTE! Entenda sobre o Marco Temporal: https://t.co/CfUMpSSDLK pic.twitter.com/p737Li0rjM— Apib Oficial (@ApibOficial) June 7, 2023