O Ministério Público Federal (MPF) devolveu à Polícia Federal (PF) o inquérito que investiga a morte do indígena Paulo Paulino Guajajara, em novembro do ano passado, durante uma emboscada de grileiros na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão.
O relatório da Polícia Federal afirma que a morte de Paulino ocorreu após os índios terem furtado e depredado uma moto de ‘não indígenas’. A Defensoria Pública e o Conselho Indigenista repudiam esta versão.
A PF indiciou Raimundo Nonato Ferreira de Sousa e Antônio Wesley Nascimento pela morte de Paulino Guajajara e do madeireiro Márcio Gleik Moreira Pereira, mas discordou da versão do sobrevivente Laércio Sousa Silva de que tenha ocorrido uma emboscada de grileiros.
Segundo o inquérito da PF, os dois homens estavam na região praticando atividades de caça e trocaram tiros com os índios, após eles terem roubado uma moto, sem qualquer indício de emboscada ou algum conflito étnico.
Os dois foram indiciados por homicídio doloso – quando há intenção de matar – e por porte ilegal de arma de arma de fogo e caça ilegal.
Láercio Guajajara, que sobreviveu à troca de tiros, também foi indiciado no inquérito. Segundo a PF, o indígena foi acusado de furto, porte ilegal de arma e por dano causado nas motocicletas que foram apreendidas pelos índios com os não indígenas. Uma terceira pessoa, Clayton Rodrigues Nascimento, também foi indiciado por porte de arma e caça ilegal.
Segundo o MPF, a devolução do inquérito aconteceu na última sexta (10), assim que foi recebido da Justiça Federal. Desta forma, o MPF reiterou que ainda não recebeu completamente o inquérito para analisar.
O Defensor Público da União, Yuri Costa, que atua na defesa de Laércio Guajajara, disse que há um grande equívoco por parte da Polícia Federal na conclusão das investigações. Para a Defensoria, o caso tem uma relação com um conflito maior entre indígenas e não-indígenas que historicamente existe.
“A conclusão da autoridade policial é equivocada, não corresponde aquilo que foi apurado durante o inquérito policial. O delegado concluiu que não há relação dos homicídios e interesses da coletividade indígena. Ele reduziu a um conflito privado, específico, ligado a furtos de motocicleta. Na opinião da Defensoria, isso descontextualiza tudo o que envolve um conflito histórico naquela região entre indígenas e não-indígenas”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) emitiu uma nota contra o relatório da PF sobre o assassinato. “Ao reduzir o caso a um lamentável episódio de troca de tiros, investigação desconsidera uma longa história de violência e violações contra os Guajajara e seu território”, diz um trecho da nota.
Para o Cimi, a conclusão da PF contrasta com a versão de Laércio Guajajara.
“Conforme o relato feito pelo sobrevivente Laércio, os indígenas foram vítimas de uma emboscada enquanto caçavam dentro do seu território. Segundo ele, quando pararam para tomar água, ouviram barulho no mato e logo em seguida os tiros. Paulo Paulino tombou no local após receber um tiro no ouvido, não havendo tempo para se defenderem. Laércio se protegeu atrás de uma árvore, sendo alvejado nas costas e no braço direito, conseguindo escapar com o quadriciclo que estavam usando na caçada a porcos do mato. Laércio assegurou que não avistou nenhum corpo de não indígena caído no local”.
Os índios Guajajara da TI Arariboia, bem como outros povos indígenas, atuam como Guardiões da Floresta nas TIs Alto Turiaçu, Caru, Governador, Krikati e Pindaré, realizam ações de proteção do seu território e são reconhecidos pela Funai e pelo Ibama para realizar essas ações, uma vez que o Estado, que deveria proteger e fiscalizar seus territórios, não o faz.
“É sabido também que, por conta da atuação dos Guardiões, os indígenas têm recebido ameaças, e em 2016, quatro indígenas Guajajara foram assassinados dentro da Terra Indígena Arariboia. Dois deles eram Guardiões e nenhum desses casos foi investigado pela Polícia Federal”, diz a nota do Cimi.
“Ao desprezar o contexto de violência e de violações aos direitos e territórios indígenas, mesmo quando se trata de terras indígenas já demarcadas, a Polícia Federal demonstra sua opção política pela criminalização dos povos e de seus processos de luta por direito e por território, naturaliza o racismo institucionalizado pelo Estado e acaba por reforçar, com esta posição, as políticas de extermínio dos povos originários”, conclui o Cimi.