Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a redução da idade mínima para o trabalho de adolescentes tramita na Câmara dos Deputados
Um projeto de emenda constitucional que prevê a redução da idade mínima para o trabalho de adolescentes para 14 anos foi duramente criticado pelo Ministério Público do Trabalho (MTP), em artigo divulgado nesta quarta-feira (3). A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011 está na pauta de votação da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.
“No país, a educação básica obrigatória e gratuita deve ser garantida pelo menos até 17 anos de idade. Portanto, o Estado brasileiro, que já deveria ter elevado a idade mínima para o trabalho para 18 anos, vê-se, a partir da PEC 18/2011, na iminência de instituir um franco retrocesso social – reduzir a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, na contramão da doutrina da proteção integral, dos tratados internacionais ratificados e do patamar mínimo civilizatório já alcançado”, afirma o MPT em artigo.
O texto é assinado pela coordenadora e pela vice coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (Coordinfância), Ana Maria Villa Real e Luciana Marques Coutinho, junto com o procurador do Trabalho, Wagner Gomes do Amaral.
“O Brasil é signatário da Convenção nº 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), por intermédio da qual assumiu o compromisso de seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho de crianças e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão no trabalho, a qual “não deverá ser inferior à idade em que cessa a obrigação escolar”, diz o artigo.
A PEC18/2011 compõe um conjunto de outras propostas de Emenda constitucional que possui o objetivo de reduzir a entrada no mercado de trabalho para 14 ou 15 anos. A proposta permitirá, caso aprovada, que o adolescente nessa faixa etária desempenhe quaisquer atividades sob o regime de tempo parcial.
O MPT rebate os argumentos dos autores das PECs – dentre eles os Deputados Ricardo Izar (PP-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP) – que alegam que o adolescente será submetido a “tempo parcial” de trabalho. Para o Ministério Público do Trabalho, “o trabalho a tempo parcial se diferencia do contrato de trabalho padrão apenas no que tange à jornada semanal, que pode chegar até 30 horas semanais”.
“Este tipo de vínculo empregatício é muito distinto da aprendizagem profissional permitida hoje a partir dos 14 anos. No contrato de aprendizagem profissional, preponderam os aspectos educativo, pedagógico e profissionalizante, com garantia de matrícula e frequência escolar, ensino teórico e prático de um ofício, salário-mínimo/hora, jornada de trabalho reduzida também de até 30 horas semanais e todos os demais direitos trabalhistas e previdenciários assegurados. De forma equivocada, quiçá maliciosa, a PEC coloca estes dois contratos em idêntico patamar, como se fossem a mesma coisa, quando na realidade não são!”, afirma o artigo do MPT.
TRABALHO INFANTIL
O Procurador-chefe do MPT na Bahia, Luís Carneiro, reforçou a posição contra a PEC, afirmando que “é uma proposta muito preocupante. Ela busca precarizar as relações de trabalho”. “Redução da idade de trabalho é fomentar o trabalho infantil, que alimenta o ciclo da pobreza. É algo que viola a sociedade como um todo”, afirmou em entrevista à Rádio Sociedade nesta quinta-feira (4).
“Quando você fala em reduzir a idade do trabalho ordinário de 16 para 14, você traz a possibilidade dessa criança não ter a sua formação lúdica completa. Ela ingressa no mercado de trabalho com obrigações que podem, inclusive, prejudicar seu crescimento e amadurecimento psicológico.”
“Na verdade, o que nós precisamos é de políticas públicas de acolhimento e educação. […] Essa criança tem que ter oportunidade na escola para brincar e estudar, esse é o pensamento que nós temos em relação a idade para o trabalho”, ressalta.
EVASÃO ESCOLAR
O trabalho precoce é um dos principais motivos para a queda de rendimento e evasão escolar, situação acentuada no último período de pandemia e de crise generalizada de desemprego. Relatório divulgado em julho pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) indica que, em 2020, mais de 667 mil alunos saíram das escolas no estado de São Paulo.
“O fechamento das escolas públicas e o desafio do ensino remoto durante a pandemia provocou um incremento do abandono escolar. Justo no momento de união de rede de proteção para a busca ativa para regresso de adolescentes à escola, a PEC tenta reduzir a idade para o trabalho, aumentando a probabilidade de que mais adolescentes acabem indo para o mercado de trabalho precocemente em detrimento da escolarização, e de que aqueles já afastados dos bancos escolares se distanciem ainda mais”, diz o artigo.
Num relatório mais amplo divulgado na última semana, o MPT denuncia que as PEC’s “sobrepõem o interesse do empregador à necessidade de proteção especial de adolescentes, pois não levaram em conta a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento destes últimos, permitindo que laborem a partir dos quatorze ou quinze anos de idade, olvidando-se de toda a normativa nacional e internacional de proteção contra o trabalho infantil.”
Como se não bastasse, “as PECs reforçam o mito de que crianças e adolescentes pobres têm apenas duas opções de vida: trabalhar ou tornarem-se infratores (as) da lei. No entanto, ao invés de limitar as opções das crianças e adolescentes pobres, a família, a sociedade e o Estado devem garantir a eles (as) o direito a uma educação pública e de qualidade, a espaços de lazer e cultura e o acesso adequado ao sistema de saúde.”
O relatório da PEC, de autoria do deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), apresenta como uma das justificativas para a redução da idade mínima o suposto efeito preventivo do trabalho para o envolvimento com a criminalidade.
“Este falso dogma não tem fundamento em qualquer evidência probatória. Ao contrário, há vários estudos mostrando que o trabalho antes da idade correta e fora das condições apropriadas pode ser um fator de aproximação de adolescentes com o álcool, as drogas e o aliciamento para atividades ilícitas. Além disso, por que esses adolescentes não poderiam exercer o seu direito de acessar outras oportunidades, como, por exemplo, condições adequadas para a continuidade de seus estudos, o lazer, o esporte e a cultura?”, questiona o MPT.
“A infância e a adolescência são períodos especiais na formação do ser humano. É o momento de investir em suas potencialidades, ampliando assim as possibilidades de um futuro promissor. As consequências do trabalho infantil na vida de crianças e adolescentes são inúmeras e perversas. O trabalho infantil reproduz o ciclo de pobreza, mantém a desigualdade e a exclusão social”, conclui.