Em uma tramitação a toque de caixa e sem discussão aprofundada no plenário, o Senado aprovou na quarta-feira (11) o PLC (Projeto de Lei da Câmara) 79 de 2016, que trata do novo marco regulatório do setor de telecomunicações.
A principal mudança é a alteração do contrato de concessão para autorização. Diferente do contrato de concessão, que exige licitação, a autorização dispensa a concorrência pública. A relatora, senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), rejeitou 15 emendas apresentadas pelos parlamentares para que o projeto não fosse alterado e tivesse que retornar à Câmara.
O PLC 79 também livra as radiodifusoras do pagamento para o FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), um fundo criado na década de 1990 para universalização de serviços de telecomunicações. A arrecadação ultrapassa R$ 20 bilhões desde sua fundação, em 2001.
Ao invés de modificar as restrições do FUST para que os recursos possam ser investidos na ampliação das novas tecnologias, o projeto simplesmente o extingue. A medida, é claro foi aplaudida pelas teles.
“Isentar injustificadamente os radiodifusores do pagamento do FUST, assunto que nada tem a ver com reforma pretendida, mas incluída como um ‘puxadinho’ no projeto, resultará em prejuízo ao Erário de cerca R$ 200 milhões de reais anuais”, dizem as entidades de comunicação que se posicionaram contra as atuais mudanças na legislação.
Outro ponto do PLC muito criticado é a troca de “obrigações” por “compromissos” das Teles com a ampliação dos serviços. A decisão enfraquece o poder público ao não garantir os investimentos, principalmente nas áreas mais carentes. Também os chamados bens reversíveis (bens imóveis e de infraestrutura), que pertencem à União, e que estão em posse das teles, não tiveram seu valores avaliados (estima-se em cerca de R$ 20 bilhões) e nem regulamentada sua devolução ao Poder Público.
O PLC também permite que o direito de uso de radiofrequência vinculado às autorizações de serviços de telecomunicações seja prorrogado, sucessivas vezes, por períodos de até 20 anos de forma ilimitada. É nestas prorrogações das autorizações de uso do espectro que supostamente deverão ser estabelecidos “compromissos” de investimento no lugar das atuais “obrigações” neste sentido.
O projeto também é visto como facilitador para que a operadora Oi, empresa em dificuldades financeiras, seja vendida. Uma das interessadas na compra da operadora é a americana AT&T, impedida de fazê-lo pelas regras da legislação atual. Outra interessada é a Tim. O resultado é mais concentração do setor, isto é, monopolização.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) criticou a aprovação do PLC 79/2016. Ele chamou o projeto de “temerário”. Randolfe criticou a rejeição, no relatório de Daniella Ribeiro, de todas as emendas apresentadas, e afirmou que o Senado estaria cometendo um “crime de lesa-pátria” ao aprovar a mudança de regime para as teles. Ele e o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) terminaram por se abster na votação.
“Estamos entregando concessões públicas gratuitamente para o setor privado. O não-aperfeiçoamento da matéria, pela pressa que o governo tem para votar, na prática faz a doação de bens públicos sem contrapartida nenhuma”, disse Randolfe.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também apontou restrições. Ela disse que os senadores não têm uma medida clara dos impactos regulatório e financeiro da nova lei. Para ela, “o texto deveria ter passado por mais comissões e o Senado deveria ter discutido o plano de aplicação dos investimentos antes de decidir sobre o projeto de lei”.
Em carta aos senadores, diversas entidades, entre elas o Clube Engenharia do Rio, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Intervozes, Coalizão Direitos da Rede e outras, criticaram a cartilha divulgada pela Agência Nacional de Telecomunicações sobre o tema e alertaram para os prejuízos do projeto para a sociedade.
“A cartilha da Anatel promove a desinformação em relação ao tema, pois (i) confunde rede fixa com o serviço de telefonia fixa; (ii) acaba com o regime público; (iii) diminui a arrecadação com outorgas; (iv) favorece a concentração do mercado de telecomunicações; (v) fere a lei 8.666 de licitações; (vi) incentiva a judicialização; e (vii) troca as obrigações de universalização das concessionárias por compromissos vagos que não beneficiarão os que mais necessitam de acesso às telecomunicações”, diz a carta aberta.
“Este projeto de lei é negligente em relação ao interesse público ao não estabelecer a metodologia ou tampouco os critérios de valoração associados à adaptação da concessão para autorização. Além disso, os tão discutidos bens reversíveis, estimados em dezenas de bilhões de reais, maculam o PL por não terem sua valoração estabelecida ex-ante, promovendo insegurança jurídica”, argumentam as entidades.
Outro ponto atacado é a possibilidade de renovações sucessivas das faixas de frequência, sem novas licitações. “Trata-se de um verdadeiro descalabro administrativo permitir, por lei, que a concentração de mercado se perpetue, impossibilitando o acesso a tal recurso por novos entrantes. Além disso, nenhuma das exceções previstas na Lei de Licitações é compatível com a possibilidade de renovação de licenças previstas no PLC 79/16”.
A tramitação relâmpago do projeto para favorecer as bilionárias teles já foi questionada em 2016. Na ocasião, um projeto chegou a ser aprovado em decisão terminativa (final) na extinta Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional e enviada (sem passar no plenário do Senado) para sanção do então presidente da República, Michel Temer (MDB).
Mas a oposição entrou com um pedido de mandado segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), que acatou a solicitação e determinou nova tramitação do projeto.
A oposição argumentou que a proposta passou por uma tramitação acelerada, sem a análise suficiente das comissões permanentes da Casa, e que deveria ter ido à votação no Plenário.
Agora, de novo, o projeto foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) e foi direto ao plenário, no mesmo dia, sem debates e votado pelas lideranças (sem voto nominal).
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) recebeu a relatoria do projeto em fevereiro. A própria relatora, em discurso, queixou-se das pressões para apresentar seu relatório a toque de caixa.
As teles e o governo Bolsonaro pressionaram pela aprovação do PL. Dirigentes internacionais das teles se reuniram em Brasília com Bolsonaro e seus filhos, Eduardo e Flávio, além de ministros, com o PL 79 como tema. O presidente da Telefónica, José Maria Álvarez-Pallet, e executivos da filial brasileira foram recebidos em audiência no início do mês para falar sobre a regulamentação do setor.
No fim de agosto, o executivo da AT&T, Randall L. Stephenson, foi recebido por Bolsonaro, seu filho Eduardo e conselheiros da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
SÉRGIO CRUZ