Na última segunda-feira, o São Luiz, embarcação que estava atracada há seis anos na Baía de Guanabara, colidiu com a Ponte Rio-Niterói, causando o bloqueio completo dos dois sentidos da via por três horas. O caso, no entanto, não é o único. Especialistas na área ambiental têm alertado sobre os perigos que o uso da Baía como ‘cemitério de navios’ tem gerado.
Além dos riscos de contato eventual com a ponte, como nessa segunda-feira, há também um risco ambiental grave.
O último levantamento oficial, feito em 2002 pela Secretaria de Estado do Ambiente, apontou cerca de 200 embarcações (ou seus restos náuticos) na região, mas a falta de um inventário dificulta a contagem atual.
“Isso acarreta riscos à vida marinha, problemas de saúde coletiva, problemas de navegabilidade, impacto no turismo, perdas econômicas do setor pesqueiro”. A afirmação é do ecologista Sérgio Ricardo Potiguara, um dos fundadores da ONG Baía Viva, criada na década de 1980 no Rio de Janeiro.
Alexandre Anderson, presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR), organização que reúne pescadores e ambientalistas, afirma que o risco já era apontado há anos pela associação.
“É um descaso total, poderia ter acontecido um desastre de grandes proporções. Ainda bem que não aconteceu, mas o risco ainda existe. Os pescadores da associação já vem apontando esses abandonos há anos, em 2013 outro navio abandonado estava basicamente no mesmo local que o São Luiz e corria esse mesmo risco. Os barcos ficam ali correndo o risco de ficarem à deriva assim como aconteceu ontem”, afirmou.
RISCOS AMBIENTAIS
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental do Rio de Janeiro (ABES/Rio), Miguel Fernández, ressalta que é preciso que as autoridades repensem o tipo de operação que querem na Baía de Guanabara.
“Com a perspectiva de despoluição da Baía de Guanabara, abre um novo debate sobre qual o uso se quer para esse corpo hídrico. Não dá para usar a Baía de Guanabara como estacionamento de navio velho. É risco ambiental e para as infraestruturas existentes. A Baía é um recurso hídrico e um patrimônio, principalmente para a população da Região Metropolitana”, ressaltou.
Entre os riscos ambientais de navios abandonados na Baía de Guanabara, Fernández citou descarga ilegal de esgoto sanitário de navio, vazamento de óleo, água de lastro de navio com micro-organismos, além do risco de colisão, como ocorreu nesta segunda feira na Ponte Rio-Niterói.
“Sempre esteve claro que se tratava de uma sucata com alto risco de desastre, talvez haja até óleo dentro dela”, afirma o Potiguara. “Esse problema é de conhecimento de todos, inclusive do Ministério Público, tanto do federal quanto do estadual”.
Por isso, Potiguara diz que seria “hipocrisia” qualquer autoridade pública “fingir ou negar que conheça” a existência de um verdadeiro cemitério de navios abandonados no local.
“O chamado Plano de Emergência da Baía de Guanabara (PEA-BG) operado pelas grandes empresas instaladas no espelho d’água da Baía, que tem a participação de Docas S/A, Petrobras, Capitania dos Portos, há décadas fazem ‘vista grossa’ para este lixo náutico e, infelizmente, os gestores deste dito ‘plano de emergência’ só se movimentam a cada novo desastre ambiental”, diz a nota divulgada pela ONG.
OMISSÃO DA MARINHA
De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a responsabilidade sobre o controle das embarcações ancoradas e abandonadas na baía é da Marinha do Brasil.
“O Inea atua em caso de acidentes envolvendo derramamento de óleo ou de produtos nocivos, que resultem em dano ambiental”, informou, em nota.
Questionada sobre a existência de um inventário e de um plano de remoção dos navios abandonados, a Marinha informou que responderá “assim que possível” e não falou mais nada.
O navio São Luiz, que colidiu contra a ponte Rio-Niterói, já era alvo de monitoramento da Baía Viva, afirma Potiguara. “Um navio fantasma, totalmente corroído com ferrugem”, disse.
O São Luiz é uma embarcação petroleira que tem 244,75 metros de comprimento e 42,36 metros de largura. Em nota sobre o navio divulgada na segunda, a Marinha afirmou que o São Luiz é alvo de processo judicial e está na baía “desde fevereiro de 2016 sem apresentar riscos à navegação”.
Para as Olimpíadas de 2016, no Rio, a secretaria fez um leilão público e algumas embarcações foram retiradas. “É o que chamo de ‘filé mignon das embarcações’, que estavam na superfície da água do canal de São Lourenço, em Niterói, e ainda tinham valor financeiro”, conta o ecologista.
Potiguara disse que, em reunião com o Inea em janeiro deste ano, o órgão reconheceu a existência de 80 embarcações somente no canal de São Lourenço. A UFF (Universidade Federal Fluminense) chegou a número parecido, 58 embarcações apenas no canal.
“Mas ainda há outros diversos pontos [com embarcações abandonadas], em São Gonçalo, próximo à ponte, e no entorno da Ilha do Governador. A maior concentração é no canal de São Lourenço”, disse Potiguara.
De acordo com o ecologista, um inventário poderia revelar se há vazamento de óleo, verniz ou outras substâncias químicas dessas embarcações.
Além dos problemas de navegabilidade, Potiguara afirma que a pesca artesanal está prejudicada.
“Os pescadores de Ponta de Areia [Niterói] e São Gonçalo estão muito empobrecidos. Eles não conseguem chegar com pescado pelo risco de bater em pontas de ferro de embarcações afundadas”, afirmou.
De acordo com o especialista, é necessário um plano para a retirada dos navios.
“Há regras para o descarte de embarcações. Aço ou alumínio devem ir para a sucata, reciclagem. Algumas podem ser afundadas para recifes artificiais que geram até ecoturismo”, acrescentou.