
O governo Trump e sua Gestapo da fronteira criaram um banco de dados secreto, com nomes de supostos ativistas e advogados ligados à proteção aos imigrantes e de jornalistas que cobriam as caravanas rumo aos EUA, revelou uma afiliada de San Diego da rede de TV NBC, conforme documentos vazados por integrantes do próprio Homeland (o Departamento de Segurança Interna), sob anonimato. O FBI também está envolvido.
Segundo essa fonte, esse banco secreto de alvos é um dos componentes da assim chamada “Operação Linha Segura”, destinada a coibir a chegada de imigrantes em caravana aos EUA. Também foram confeccionados dossiês sigilosos sobre os alvos.

A fonte do Homeland repudiou a elaboração de dossiês contra ativistas, advogados e jornalistas. “Somos uma agência de investigação criminal, não somos uma agência de inteligência”, reiterou o denunciante ao programa de televisão NBC 7 Investigates. “Não podemos criar dossiês sobre pessoas e eles estão criando dossiês. Isso é um abuso da Autoridade de Proteção da Fronteira.”
A operação encoberta vem sendo repudiada por entidades de defesa das liberdades civis, por jornalistas e por grupos de solidariedade aos imigrantes e refugiados. De acordo com a NBC San Diego, a lista negra incluía “os nomes de dez jornalistas – sete dos quais eram cidadãos dos EUA – e quase quatro dezenas de outros listados como ‘organizadores’ ou ‘instigadores’”. Isso é o que já se sabe, mas, claro, a lista pode ser bem maior que isso.
Alguns dos espionados tiveram ‘alertas’ colocados em seus passaportes, o que impediu pelo menos dois fotojornalistas e um advogado de entrarem no México para trabalhar.
A fonte disse que os documentos ou capturas de tela mostram um aplicativo do SharePoint que foi usado por agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP), da Patrulha de Fronteira dos EUA, do Homeland e do FBI.
Não é propriamente uma surpresa ou mera coisa de Trump. A perseguição a ativistas políticos, elaboração de listas negras, demonização, sabotagem e tentativas de cooptação ou infiltração, fazem parte da soturna história do FBI, das lutas sociais no New Deal à oposição ao apartheid e à Guerra do Vietnã, ou por qualquer outra causa progressista.
Do que já se tornou público, os alvos incluem dez jornalistas, sete deles cidadãos dos EUA, um advogado dos EUA e 48 pessoas dos EUA e de outros países, rotulados como organizadores, instigadores ou de papéis “desconhecidos”. As organizações visadas são os Border Angels (Anjos da Fronteira), Pueblo Sin Fronteras (Povo Sem Fronteiras) e outras.
“Setor de Operações Estrangeiras da Área Setor de San Diego: Caravana de Migrantes FY-2019, Suspeitos de Organização, Coordenadores, Instigadores e Mídia”, revela o vazamento, que inclui um brasão com as bandeiras norte-americana e mexicana sob sigla de identificação de um escritório de ligação entre as vigilâncias dos dois lados da fronteira.
A NBC7 recebeu ainda dossiê sobre Nicole Ramos, diretora e advogada de um centro jurídico de apoio a imigrantes e refugiados em Tijuana, México, Al Outro. A arapongagem incluía detalhes pessoais sobre Ramos.
“O documento parece provar que estamos em uma lista destinada a retaliar os defensores dos direitos humanos que trabalham com requerentes de asilo e que são críticos das práticas do CBP que violam os direitos dos requerentes de asilo”, afirmou por email a advogada à NBC 7.
A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) classificou através da advogada Esha Bhandari a operação de espionagem como “ultrajante”.
“Esta é uma violação ultrajante da Primeira Emenda. O governo não pode usar o pretexto da fronteira para visar ativistas críticos de suas políticas, advogados que prestam representação legal ou jornalistas simplesmente fazendo seu trabalho. Estamos estudando todas as opções de resposta”, disse Bhandari.
A equipe do NBC 7 Investigates entrevistou a fotojornalista freelance Ariana Drehsler, que cobriu a caravana de migrantes em Tijuana para o Buzzfeed News e a UPI no ano passado, e que antes já cruzara a fronteira muitas vezes a trabalho. Na véspera de Ano Novo, ela foi submetida à chamada “inspeção secundária” e interrogada por agentes à paisana, além de ter seu passaporte marcado. Na semana seguinte, foi interrogada mais duas vezes.
A intimidação contra jornalistas que cobriam a crise das caravanas de imigrantes também vem sendo denunciada pelo Comitê para Proteção dos Jornalistas. Relatório de outubro do ano passado identificou 37 jornalistas que disseram terem sido submetidos a “inspeções invasivas”. O relatório também registra 20 casos em que agentes de fronteira “conduziram buscas sem mandato” de dispositivos eletrônicos [dos jornalistas].
No caso da premiada fotógrafa e cinegrafista Kitra Cahana, a coisa foi além: foi impedida de entrar no México sem motivo aparente. Cahana, cujos trabalhos já foram destaque na National Geographic e The New York Times, relatou que no final de dezembro teve seu passaporte fotografado enquanto trabalhava perto da fronteira.
Em 17 de janeiro deste ano, quando viajava do Canadá para a Cidade do México, com voo de conexão em Detroit, acabou tendo o passaporte ‘marcado’ e foi questionada por agentes da fronteira sobre “seu trabalho”, como era “financiado” e qual seria sua “tarefa” em relação à caravana.
Pôde prosseguir o voo, mas quando chegou à capital mexicana foi conduzida por agentes para um quarto dos fundos com outros detidos, tiraram seu celular e até para ir ao banheiro era escoltada. “Eu não tinha permissão para me comunicar com ninguém, não podia entrar em contato com minha embaixada”, disse Cahana.
Depois de uma provação de 13 horas, foi impedida de entrar no México e devolvida para Detroit. Em outro momento, a fotógrafa teve o ingresso novamente negado pelo México – desta vez, através da Guatemala.
Com a repercussão das denúncias da NBC 7, a agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras, que vinha se omitindo de prestar qualquer esclarecimento, acabou por abrir o jogo afirmando que “os nomes no banco de dados são todos de pessoas que estiveram presentes durante a violência que eclodiu na fronteira em novembro” e que os jornalistas estão sendo “monitorados” para que possa saber mais “sobre o que iniciou essa violência”.
A “violência que eclodiu na fronteira em novembro” é aquela truculência da tropa da fronteira contra centenas de imigrantes que se manifestavam pelo ingresso nos EUA para pedirem refúgio, num domingo, com granadas e mais granadas de gás lacrimogêneo, que ficou conhecida no mundo inteiro pela foto da hondurenha com duas crianças, perplexa, sem saber para onde correr.
O que explica a paranoia especialmente com fotojornalistas revelada pelos vazamentos. O racismo e a xenofobia continuam sendo o carro-chefe da campanha de Trump para sua reeleição e fotos como a da hondurenha e suas crianças demolem sua farsa sobre os imigrantes.
ANTONIO PIMENTA