A ameaça de Bibi Netanyahu de anexar 30% do território palestino da Cisjordânia, de forma unilateral, no dia 1º de julho, não se materializou.
Bibi se viu forçado a desistir da data em meio a um repúdio jamais visto às medidas de ocupação israelense que perduram desde 1967.
Ele já havia sinalizado, nos últimos dias de junho, que a anexação não se realizaria no começo de julho. “Vamos trabalhar no plano nos próximos dias”, disse depois de um encontro que envolveu, pelo governo de Trump, o embaixador dos EUA em Israel, David Friedman e o enviado para o que Trump chama de “Plano de Paz para o Oriente Médio”, Avi Berkowitz e pelo governo de Bibi, ele próprio e ainda o presidente do Knesset, Yariv Levin; o chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, Meir Ben Shabbat e o diretor-geral do gabinete ministerial, Ronen Perez, no dia 30 de junho.
Um dia antes, o ex-opositor Benny Gantz, que entrou com seu bloco para o governo de Netanyahu, disse que o 1º de julho “não é uma data sagrada” e acrescentou que “nada que não seja referente ao coronavírus importa agora”.
No mesmo dia, o jornal israelense Haaretz publicou uma reportagem com diversos integrantes do governo de Netanyahu onde eles afirmavam que as medidas e precauções para a anexação, incluindo avaliações legais e de segurança ainda estavam em fase inicial de discussão. O bate cabeça não é pequeno. Exemplo disso é a declaração do diretor encarregado da diplomacia no Ministério do Exterior, Noam Katz, respondendo a uma questão do presidente do Comitê de Controle de Estado do Knesset, Ofer Shelah (do partido opositor Yesh Atid).
Segundo o Haaretz, Katz “admitiu que seu ministério não sabe exatamente qual cenário está sendo preparado e como seus integrantes devem responder aos líderes mundiais”.
“Estamos ouvindo o que os líderes têm a dizer sobre a questão e, dado que uma política específica ainda precisa ser determinada, eles repetem as posições que Estado já expressou com respeito a nossa segurança e interesses diplomáticos”.
Também na véspera do 30 de junho, o trabalhista, antes opositor e agora ministro da Cooperação Regional, Ofir Akunis, em entrevista à Rádio do Exército, exibiu mais um exemplo de submissão do governo israelense ao atual ocupante da Casa Branca. Ao também confirmar que “o processo [de anexação] não teria início nesta quarta-feira”, acrescentou que “o governo de Israel ainda está analisando detalhes com o governo de Trump”.
A ONU E O PAPA REJEITAM
Entre as diversas manifestações de repúdio da comunidade internacional destacamos as do secretário-geral da ONU, António Guterres e da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Bachelet. A comissária foi peremptória: “Não importa se anexação foi de 30% ou 5% da Cisjordânia. É ilegal. Ponto final.”
No dia 1º de julho foi a vez do papa Francisco se colocar. Foi chamado ao Vaticano o embaixador de Israel, Oren David. Ao embaixador israelense, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, afirmou, em nome do papa: “Da preocupação quanto a ações unilaterais que podem danificar mais ainda a busca pela paz entre israelenses e palestinos e agravar a já delicada situação no Oriente Médio.”
A embaixadora dos EUA, Callista Gingrich, também foi chamada ao Vaticano. A ela foi transmitida mensagem do papa sobre sua preocupação com o plano de Trump que envolve apoio à anexação.
“Como já declarado, sua santidade reitera que ambos, o Estado de Israel e o Estado da Palestina, têm o direito à existência e de viverem em paz e segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas”, disse o comunicado do Vaticano emitido após os dois encontros.
Na declaração o Vaticano ressalta que “desta forma apelamos às partes a que façam todo o possível para reabrirem o processo de negociações diretas com base nas relevantes resoluções da ONU e ajudadas por medidas que reestabeleçam a confiança recíproca de forma a terem a coragem de dizer sim ao respeito aos acordos e não a atos de provocação; sem à sinceridade e não à ambiguidade. ”
FIRME OPOSIÇÃO ENTRE OS JUDEUS
Tanto em Israel como nas comunidades judaicas por todo o mundo ergueu-se um forte clamor contra a anexação.
Desde que foi anunciada a intenção de se proceder à anexação com o acordo Gantz/Bibi, teve início uma movimentação entre os judeus do mundo inteiro preocupados com as consequências da aventura.
Graças a esta movimentação, formou-se uma ampla união de forças que reúne 50 entidades judaicas atuando em 17 países e formando a Coalizão Judaica Mundial Contra a Anexação.
Encabeçam esta movimentação, além da entidade norte-americana J-Street (Rua Judaica) outras organizações judaicas tais como Jewish Defence Initiative (JDI), New Israel Fund, European Jewish Call For Reason (JCall), Yachad (Together for Israel-Together for Peace, J-AMLAT (Rua Judaica da América Latina) e JSpace Canadá (a Progressive Canadian Jewish Voice).
Durante a última semana foram realizados encontros entre integrantes dessa coalizão em 18 consulados e embaixadas israelenses em diversos países.
Nos encontros foi entregue uma mensagem ao governo israelense, contra a anexação unilateral.
Um dos líderes da iniciativa, Kenneth Bob, presidente da organização judaica norte-americana Ameinu (Nosso Povo, em hebraico), “esta ação contra a anexação foi nosso primeiro teste”.
Bob esclareceu ao jornal israelense Haaretz que três embaixadores, diretamente ligados a Netanyahu, recusaram-se a receber os enviados das comunidades judaicas. “Três embaixadores politicamente alinhados com Netanyahu negaram-se dizendo que não dispunham de tempo para nos encontrar”.
Um dos que se negaram a receber os judeus foi o embaixador de Israel nos Estados Unidos, Ron Dermer.
Houve encontros nos consulados das cidades norte-americanas de Chicago, Los Angeles, Miami e San Francisco, assim como nas embaixadas de Berlim, Paris, Madri e Copenhagen.
Bob também ressaltou que “tivemos a preocupação de não nos apresentarmos como representantes apenas da esquerda dentro das comunidades. Em diversos encontros estiveram presentes lideranças centrais das comunidades, todas preocupadas com a anexação”.
“Conversamos sobre o impacto da medida sobre a segurança de Israel, suas ligações com os vizinhos, seu posicionamento em termos internacionais e também as consequências para questões como direitos humanos e democracia”, acrescentou.
“Os diplomatas se disseram às escuras e confessaram desconhecer o que, em realidade, iria ocorrer”, disse ainda o presidente da Ameinu.
Ele informou também que a diversos dos encontros foram levados jovens de organizações como Ichud Habonim Dror (‘Aliança da Construção da Liberdade’, organização juvenil sionista tradicional) e também educadores.
Neste sentido, destacou, “procuramos mostrar o dano que a anexação iria causar na forma como Israel seria visto entre os jovens em geral, incluindo os jovens judeus”.
Até mesmo o maior dos lobbies judaicos que se caracteriza por combater todo criticismo ou legislação em detrimento de Israel, dessa vez se posicionou – ainda que discretamente – contra a ensadecida medida. É o que irforma em artigo do dia 11 de junho o portal Times of Israel, citando fonte anônima. “Estamos dizendo aos senadores que “se sintam livres para criticar a anexação, mas não cortem a ajuda a Israel”.
No Brasil, organizações como Meretz Brasil, em conjunto com Paz Agora, além de se manifestarem, lançaram petição contra a anexação. Da mesma forma agiram o IBI (Instituto Brasil-Israel), a entidade Judeus Pela Democracia, entre outras.
A organização chilena Agrupación Judía Diana Arón (AJDA), além de se posicionar contra a anexação, também lançou petição que teve a assinatura centenas de judeus do Chile, Colômbia e Brasil. Do Brasil, assinaram diversos diretores do Observatório Judico pelos Direitos Humanos ‘Henry Sobel’; da Argentina também firmaram as entidades Federación de Entidades Culturales Judías de la Argentina (ICUF) e Llamamiento Judío.
RECHAÇO EUROPEU
Uma semana antes do dia anunciado por Netanyahu para a anexação, o ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas foi a Israel alertar o governo atual para os riscos que a medida pode trazer ao país e à região e foi levar solidariedade aos palestinos. “Uma decisão de anexação unilateral não poderia ser deixada sem consequências e nós estamos examinando as diferentes opções em nível nacional e também em coordenação com nossos parceiros europeus”, afirmou.
No dia 30, o parlamento alemão aprovou moção ao governo do país pedindo que o governo de Berlim use toda a influência que possui para deter a aventura criminosa.
O ministro alemão reuniu-se com o do Exterior da França, Jean-Yves Le Drian no dia 19 de junho para afinar a posição dos dois países com relação a grave medida. No dia 30, Le Drian, fez mais um alerta a Israel: “Anexar territórios palestinos, sejam quais forem os perímetros, iriam colocar sob sério questionamento os parâmetros para a resolução do conflito”.
Também no dia 30, o parlamento holandês votou uma resolução apresentada pelo Partido Socialista que considera a anexação israelense uma flagrante violação da lei internacional.
Nesta moção, o parlamento holandês conclama o governo e também a União Europeia a tomarem medidas punitivas se Israel for adiante com os planos de tomar partes da Cisjordânia ocupada.
A presidente da Suíça, Simonetta Sommaruga, ligou para o presidente de Israel, Reuven Rivlin, para alertar que a anexação fere a lei internacional e para oferecer a Suíça como mediadora entre Israel e Palestina.
MANIFESTAÇÕES PALESTINAS
Os palestinos ocuparam as ruas na Cisjordânia (Ramallah e Jericó) e em Gaza. Faixas e cartazes afirmando: “Não à anexação – Não ao Apartheid”, “Anexação contraria a Carta da ONU e é um ato ilegal” e “Vidas Palestinas Importam” foram erguidos nas manifestações. Em todos os protestos, os pronunciamentos destacaram que todas as forças palestinas se unificam contra a anexação.
Na manifestação ocorrida em Gaza, o porta-voz do Hamas, afirmou que todos os palestinos “estão unidos contra a anexação israelense”.
No ato em Jericó, Jibiel Rajoub, falando em nome do Comitê Central do partido Fatah (patido de Yasser Arafat), também destacou a unidade palestina contra a anexação e acrescentou que se Israel mantiver a intransigência, “a luta palestina entrará em nova fase”.