O Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil promove live “O antissemitismo no contexto brasileiro atual”, nesta quinta-feira, 26, a partir das 19:00
“Na noite de 22 de agosto a escola Eliezer Max em parceria com a Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro fazia uma homenagem virtual a sua ex-diretora Dora Fraifeld, falecida na semana anterior. A homenagem foi invadida por hackers que usaram perfis falsos, reproduzindo imagens de Hitler, suásticas e soldados alemães, com palavras de ordem pedindo pela morte de judeus”, informa o Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil (OJDHB) em nota na qual “repudia veementemente este tipo de manifestação nazista e racista e se solidariza não apenas com os presentes à homenagem, mas com todas as vítimas deste tipo de ataques”.
LIVE SOBRE ANTISSEMITISMO NO DIA 26
O Observatório promove uma live sob o tema “O antissemitismo no contexto brasileiro atual” com a conclamação “Diante do antissemitismo não nos calaremos”, no dia 26, próxima quinta-feira, com a participação dos sociólogos professor Bernardo Sorj, e o coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da Universidade do Rio de Janeiro, Michel Gherman, com a mediação da historiadora Lucia Chermont. A apresentação do evento será pela nossa diretora Leana Naiman Bergel.
Tanto o debate do dia 26, como o alarmante acontecimento deste domingo (24) ocorrem em meio ao aumento cada vez mais visível de casos de antissemitismo e de manifestações nazistas e fascistas no país. Conforme relatório divulgado pela ONG Safernet em 2020 (apenas no mês de maio) foram criadas 204 novas páginas de conteúdo neonazista no país. Segundo a organização, os episódios de antissemitismo são em número sete vezes maior que o registrado em 2018.
Pesquisa da Anti-Defamation League (ADL) – entidade com sede central nos Estados Unidos – com 1.000 pessoas entrevistadas no Brasil, apontou que a porcentagem de brasileiros que nutrem algum sentimento antijudaico saltou de 19% em 2019 para 26% no ano passado.
ENTREVISTA COM PROFESSOR MICHEL GHERMAN
Sobre o ultraje à ARI, ao colégio Eliezer Max, à memória da destacada pedagoga Dora Fraifeld e aos judeus brasileiros entrevistei o professor Michel Gherman, um dos debatedores da live do dia 26:
Nathaniel Braia – Como você vê o ultraje a um culto religioso como o que aconteceu na homenagem a Dora Fraifeld na ARI?
Michel Gherman – O que aconteceu ontem na ARI não foi qualquer evento, foi um evento do Colégio Eliezer, uma homenagem a dona Dora no final da sua shiva (sete dias iniciais do luto pela morte conforme preceitos judaicos). Dona Dora é uma educadora, uma pessoa de esquerda, feminista, foi diretora responsável pelo reavivamento da que talvez seja a escola judaica mais importante em termos pedagógicos na América Latina.
Uma escola comprometida com valores progressistas, que promove uma educação crítica e judaica. Ter acontecido ondem, justamente durante a reza de uma das pessoas que representam tudo isso, esse tipo de coisa é trágico.
É trágico em primeiro lugar porque representa o desrespeito ao sagrado, o desrespeito à memória, ao judaísmo, um ataque de antissemitismo a práticas religiosas e é ainda mais trágico quando se ataca uma referência do progressismo no seio judaico no Brasil, de uma referência científica, reflexiva, de uma heroína da educação judaica e todos que com ela tiveram contato sabem da importância que ela teve, não só no Rio de Janeiro, mas para a educação judaica no Brasil.
Braia – Isso tem alguma relação com o momento que estamos vivendo no Brasil nos dias de hoje?
Gherman – Eu acho que, como Hannah Arendt dizia, é um insulto à razão, é um insulto ao bom senso, em uma situação em que foram ultrapassadas em muito as condições governamentais para o exercício do bom senso. Quando o presidente do país diz “não sou coveiro”, lida com a morte de milhares de pessoas como se isso fosse um detalhe, abre espaço para que a dessacralização da vida e o desrespeito aos mortos seja uma referência constante.
É claro que, neste contexto, o antissemitismo surja como referência principal para alguns perpetradores. Ainda que o presidente pose em alguns momentos de “amigo dos judeus”, mas aqui se trata de uma espécie de judeus imaginários, os judeus reais que produzem, que pensam social e politicamente de forma crítica, os judeus reais que estão na vida, não contam nem para ele, nem para os que os atacam.
Sempre que o bom senso é atacado, o antissemitismo surge como uma das referências principais.
Aliás, o antissemitismo é acionado o tempo todo por este governo, apesar dessa pose dele de amigo de judeus. Grupos que apoiam este governo e, agora, nesta fase de radicalização deste governo estão saindo do armário atacando judeus vivos e judeus mortos porque é isso que eles sabem fazer. Portanto é um governo sem bom senso e, sempre que não há bom senso, o antissemitismo surge.
Há mais do que indícios que mostram a presença de grupos antissemitas na base de apoio deste governo e vão aparecer mais nesta faze de desespero do bolsonarismo, aguardemos, nos preparemos, vem mais coisa pela frente.
Braia – Como você vê a importância do debate que o Observatório Judaico promove sobre “O antissemitismo no contexto brasileiro atual”?
Gherman – Acho fundamental. É preciso, antes de tudo, chamar o fenômeno pelo nome. E, infelizmente, temos visto setores da comunidade judaica evitando tratar corretamente o que temos na nossa frente; e o que temos na nossa frente é composto por dois elementos fundamentais e fundamentadores do bolsonarismo:
– Em primeiro lugar, o nazismo. O bolsonarismo flerta com o nazismo, é fruto da cultura nazista.
– Em segundo lugar, o antissemitismo. Falas balofas de apoio a Israel, de ‘admiração” pelo judeu imaginário, não podem substituir a verdadeira natureza deste governo, definitiva e efetivamente.
REPÚDIO
O deputado Carlos Minc (PSB) repudiou a agressão via twitter: “Nazistas invadem reza online da sinagoga da ARI. Colocaram imagens de Hitler, suástica, soldados alemães e de casal fazendo sexo. Pediram morte de judeus. Rezas foram suspensas. Polícia tem que punir. Bolsonaro recebendo líderes nazistas empodera outros para fazer essas ameaças”.
A Federação Israelita do Rio de Janeiro, a ARI e o Colégio Eliezer informam que pediram previdências às autoridades policiais.
Nesta segunda (23) o relator da CPI da Intolerância Religiosa na Assembleia Legislatia do Rio de Janeiro, deputado Átila Nunes (MDB), informou que vai pedir que a Decradi – delegacia especializada nesse tipo de crime – investigue a agressão antissemita.
O Instituto de Segurança Pública do Rio destaca que o número de atos de intolerância religiosa está em três casos por dia no Estado. Tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro a proposta de criação do Conselho Municipal de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa com objetivo de combater a intolerância religiosa e dar assistência a suas vítimas.
N.B.